Depois que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal aceitou, semana passada, denúncia da Procuradoria Geral da República, o ex-presidente Jair Bolsonaro virou réu por suposta tentativa de golpe de Estado. Ele e mais sete aliados. O resultado — mais que esperado — foi unânime, com os 5 ministros votando pelo recebimento da denúncia. O relator foi o ministro Alexandre de Moraes.
De forma bem resumida, a partir de agora o processo segue seu rito, a começar pela instrução criminal, quando a defesa deverá apresenta contestação, apontar nulidades, etc. Serão produzidas provas, perícias, interrogatórios dos réus, quebras de sigilo, depoimento das testemunhas de defesa e acusação. Só lá na frente virão as alegações finais, que precedem o resultado de inocente(s) ou culpado(s) dos crimes que lhe são imputados.
Grandes complexidades
Em termos de golpe de Estado e Revolução — porque são coisas diferentes — a suposta trama é a mais sui generis da história política do Brasil, posto que repleta de controvérsias, dúvidas e discordâncias entre os mais notáveis juristas do País. Para alguns, não há erro e houve grave atentado à Constituição e à democracia. Para outros, ao contrário, não existe fato concreto, prova cabal e inequívoca de que o ex-presidente da República tentou dar um golpe que iria abolir o Estado Democrático de Direito.
Esclareça-se, faz-se aqui um estreito e resumidíssimo apanhado de narrativas com múltiplas versões e que só mesmo com extrema boa fé e rigoroso respeito à Constituição resultará em decisão justa e honesta — com desculpas pela redundância visto que não há justiça desonesta ou honestidade injusta.
Vemos no entendimento dos que enxergam o suposto movimento golpista um arcabouço de acusações quase infindável, somando-se a este a trama para assassinar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes. Comprovando-se tais acusações, não há como abrir mão das devidas punições face à gravidade dos fatos imputados. Porém, são necessárias evidências indisputáveis de tais delitos.
Por outro lado… — Apesar de absolvição ou condenação não se prender ao que pensa a população, mas sim ao que determina a legislação, não se pode negar que a voz dividida da sociedade politiza o julgamento — o que não é bom. Por isso, faz-se necessário absoluta transparência neste julgamento único da história do País, para que não haja margem a qualquer risco institucional.
As pessoas não entendem como Sérgio Cabral, condenado a mais de 400 anos de prisão por assaltar os cofres públicos e quebrar o Estado do Rio, cumpriu seis anos e está morando em seu luxuoso apartamento de mais de 400 metros m2 no Leblon, enquanto a cabeleireira que pichou a frase “Perdeu, Mané”, na estátua da Justiça, foi condenada a 14 anos.
Para outros, há dificuldade em compreender o porquê os atos do 8 de janeiro foram qualificados de forma tão contundente como tentativa de golpe de Estado, e não de ações de vândalos arruaceiros? E ainda outros estranham que ninguém foi acusado ou preso em 2016, quando militantes contrários ao impeachment de Dilma invadiram e ocuparam o Salão Nobre do Palácio do Planalto.
Opiniões divergentes — De certo as complexidades são muitas e espinhosa a tarefa do STF. O povo brasileiro, infelizmente em boa parte, não contempla um estágio de politização. Diria que a maioria não enxerga os fatos como são, e sim como querem. Não são todos, naturalmente. Mas uma fatia considerável não busca ver a verdade, apenas sua própria narrativa. Assim, os que são a favor de Bolsonaro, o são, e ponto. Não estão nem aí se o ex-presidente cometeu ou não cometeu crime. Da mesma forma, o outro lado, igualzinho, só que sob ótica oposta. Não gostam de Bolsonaro e acabou a história. Como não gostam, o ex-presidente é culpado, deve ser preso e fim-de-papo.
Dificuldades
Certamente a Corte Suprema, em sua firmeza inabalável de defender a Constituição, saberá conduzir o julgamento de forma isenta e, ainda que nem todos entendam a decisão — seja esta qual for — será nos rigores conceituais da Justiça. A dificuldade do julgamento é ainda mais complexa por ser a primeira vez que um ex-presidente eleito é colocado no banco dos réus por crimes contra a ordem democrática estabelecida pela Carta Magna.
Dificuldade, por exemplo, em esclarecer como Bolsonaro pode ter sido o líder do suposto golpe, se nem mesmo no Brasil estava no dia 8 de janeiro. Então, quem liderou? Quem ordenou a depredação? Que dispositivos os arruaceiros dispunham para tentar um golpe de Estado?
São perguntas difíceis que certamente serão respondidas ao longo do julgamento. A previsão é que esteja encerrado ainda em 2025, mas não sem que algumas etapas sejam encurtadas, o que poderá ser visto com reservas. (*Continua na próxima edição).