Depois de ser titular de cinco delegacias de Polícia Civil, Ronaldo Cavalcante assume a 146ª DP/Guarus e começa a enfrentar o desafio de reduzir os homicídios na área mais conflagrada do município, onde atuam siglas que se denominam as três facções mais violentas relacionadas ao tráfico de drogas.
Experiente e resolutivo, Ronaldo Cavalcanti gosta de trabalhar em conjunto e, nos últimos dias, tem se reunido com a Polícia Militar, Judiciário, Ministério Público e com a segurança do município. O delegado é defensor da Guarda Municipal armada como parte da solução do problema da violência em qualquer cidade.
Nesta entrevista, ele defendeu também o misto de inteligência e tecnologia para pacificar Guarus e disse que está prevista pela prefeitura a instalação de 200 câmeras de monitoramento na margem esquerda da cidade.
O senhor assume a 146ª DP depois de passar pela titularidade de cinco delegacias da Polícia Civil. Mais de uma década de Polícia Civil, e assume uma delegacia que tem demandas de todos os tipos. Como lidar com isso?
Na verdade, é um desafio, porque eu trabalhei do outro lado da cidade, na margem direita, digamos assim, e é um cenário um pouco diferente. Vamos focar nos homicídios. Do outro lado, esses ocorrem por diversas motivações, voltadas mais para questões rurais, ou então, questões passionais, roubo de rua, enfim, e alguma coisa ou outra relacionada ao tráfico de drogas. Aqui, os homicídios quase sempre são consequências de disputas de facções, porque isso é mais nítido aqui.
As facções são fortes na área de Guarus?
Na verdade, na área da 134ª DP também tem a presença dessas facções. Eu fiz uma operação dando continuidade ao trabalho do delegado Bruno. Nesta operação, tínhamos 60 alvos, também no Jóquei, aquela região de Campos, que tem uma facção bem forte. Quero dizer que lá também tem facção criminosa, mas a característica, acho que, notadamente, por conta da geografia, é diferente. Lá, a facção rival fica em uma área distante, então não há essa questão de disputa pelo mesmo espaço territorial. Aqui, não. Aqui, uma facção praticamente é vizinha da outra, entrando em permanente disputa pela hegemonia. Infelizmente, é uma triste realidade, com letalidade violenta.
O senhor tem o mapeamento dos pontos mais sensíveis de Guarus?
Sim, a gente tem, até porque a gente acompanha os jornais. Eu já tive, quando cheguei aqui, uma conversa com o comando da PM, o pessoal da P2. Eles me passaram, inicialmente, uma visão geral do que acontecia. A gente sabe qual é a maior demanda, qual é a região, inclusive fizemos uma operação recente nessas regiões, por conta de seguidos homicídios. A gente já tem isso em mente, quais são as áreas mais sensíveis e o que a gente tem que fazer. Algumas coisas a gente vai executar, como fizemos nessa operação, com base no que a gente dispõe, mas outras a gente vai executar dependendo dos demais órgãos, como o Ministério Público, principalmente, e o Poder Judiciário. Estamos empenhados e afinados no propósito de reduzir a influência dessas facções nesta área que é gigante.
A questão da inteligência aliada à tecnologia é falada. Seria possível, num futuro próximo, por exemplo, a instalação de câmeras nas pontes que registrassem as placas dos veículos e das motocicletas? Isso facilitaria?
Acabei de chegar do Centro Municipal de Monitoramento, baseado em um shopping aqui de Campos, e me deparei com uma realidade que me deixou muito satisfeito. Existem cerca de quase 300 câmeras operando hoje na cidade. Eu peguei o mapa de Guarus para verificar o número de câmeras. Neste momento, 80% delas estão do lado de lá. Porém, foi informado pela prefeitura que 200 câmeras de monitoramento serão instaladas em Guarus. Então, isso vai ser algo que vai ajudar bastante a gente. As entradas e saídas, principalmente, porque você consegue saber se um determinado veículo foi utilizado para a prática de um crime específico. A gente consegue, através desse sistema de cerco eletrônico, de monitoramento, acompanhar tudo, em tempo real, dependendo da situação. A gente consegue, talvez, até fazer o flagrante em tempo real. Essa integração é necessária e está acontecendo.
O senhor se preocupa com essa questão social na abordagem, por ser uma área mais sensível onde os moradores são vítimas muitas vezes?
A gente, toda a equipe, tem essa sensibilidade. Sabemos lidar com essa questão social. Eu tenho essa visão, essa percepção. Obviamente que há as excentricidades da pessoa, da comunidade mesmo, que já vivencia uma relação muito orgânica e visceral com o próprio tráfico, que aí é mais difícil e temos que ter mais cuidado. Nesta operação recente, conversei com a tropa antes, no briefing, para que tomassem cuidado, principalmente, nesse aspecto.
O senhor falou da Polícia Militar. Como está sendo feito esse trabalho conjunto?
Então, essa é uma marca do meu trabalho. Eu entendo que a Polícia Civil tem acesso ao banco de dados, aos sites eletrônicos de inteligência, enfim, embora a P2 até tenha também algum acesso, mas a Polícia Civil detém suas ferramentas, como interceptações telefônicas, etc. Já a Polícia Militar tem a capilaridade da informação da rua. Vários homicídios em que a gente está chegando à autoria são frutos dessa relação e trabalho conjunto. Muitas vezes, a gente parte de informações do “vulgo” e chegamos à identidade do autor do crime fazendo o cruzamento de dados.
E a Guarda Municipal?
Estou feliz porque parece que tem um processo de armamento da Guarda Municipal. Um projeto de médio e longo prazo, mas parece que também vai ser uma realidade. Então, assim que a Guarda estiver disponível com treinamento para atuar armada, vamos ter mais uma frente. O secretário Municipal de Segurança e Ordem Pública e o Comando da Guarda estão muito entusiasmados com tudo isso e são sensíveis a respeito da necessidade.
Pelo que conversamos até aqui, a integração de todas as forças é a palavra-chave?
Sim, porque é um grande desafio. Vamos fazer o máximo. Vamos nos empenhar, usar tudo que temos à disposição. Na semana passada mesmo, tivemos a ajuda do BAC, o Batalhão de Ações com Cães. Então, a ideia é dar um combate efetivo, direto e imediato à questão do tráfico de drogas, e avançar com ações de inteligência, de forma a rastrear o esquema financeiro do tráfico também, que é uma ação importante, mas isso demanda um pouco mais de tempo. Então, de forma imediata, estamos na rua todos os dias.
As facções mais violentas do Rio estão com sucursais aqui?
Sim, nós temos hoje três facções criminosas. As três, conhecidas do Rio de Janeiro, infelizmente estão aqui, e Campos tem uma característica diferente de todo o estado do Rio de Janeiro. A que é mais conhecida por ser mais violenta é a que menos incomoda por ser hegemônica. As outras duas estão sempre se confundindo em permanente conflito por território. Então, essa especificidade só existe em Campos.
O senhor disse que a Guarda Municipal mais instrumentada vai ser um grande auxílio?
Sim, existe já um projeto, já deram início a ele. A Guarda do município vai ser armada por fases, inicialmente apenas pelos grupos operacionais. Tudo com critério bem técnico, pelo que sei, uma Guarda armada e bem treinada. A sociedade tem uma resistência muito grande de aceitar a figura do Guarda Municipal armada, mas isso funciona. Essa luta é antiga e é em qualquer lugar, essa resistência também.
O 8º BPM, em número de efetivo, ainda é o maior batalhão do estado. Fala-se muito em uma tropa de intervenção em confrontos de risco para a região. Como o senhor vê isso?
Vejo com bons olhos e acho que isso é possível, embora seja uma questão da PM. Existe espaço para uma tropa de intervenção regional, assim como o BAC, que, sediado em Macaé, atende toda a região.