Segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base na Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) de 2022, o Brasil tem 18,6 milhões de pessoas com deficiência. Mesmo com a promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13146/15), que assegura e promove exercício dos direitos e das liberdades fundamentais para pessoas com deficiência, visando à inclusão social e cidadania, a acessibilidade ainda não corresponde às expectativas de parte desta população.
Percorrendo as ruas do Centro de Campos dos Goytacazes, a equipe de reportagem do J3News encontrou o estudante Iago Machado e o profissional autônomo Vanderson Almeida, os dois têm deficiência visual de nascença. Usando bengalas, os amigos se apoiavam mutuamente enquanto se deparam com barreiras ao longo do caminho. “Em muitas calçadas os pisos táteis dão de encontro com os postes. Quando não é isso, são bicicletas ou placas de sinalização de lojas em cima dos pisos táteis. Um piso tátil que dá em direção ao poste é um piso que não dá em direção a nada, porque você acaba se machucando”, se queixa Iago.
De acordo com a norma ABNT-NBR-9050, que trata sobre acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos, a sinalização tátil e visual de alerta no piso deve ser utilizada para, entre outras coisas, informar as mudanças de direção, ou opções de percursos; o início e o término de degraus, escadas e rampas; a existência de patamares das escadas e rampas; e as travessias de pedestres. “Tem certos lugares que não têm piso tátil e, quando tem, a gente sempre encontra alguma coisa em cima, alguém parado, algum carrinho de picolé, barraca e até mesmo placas que podem nos machucar e causar um acidente sério. Várias vezes a gente se machucou por causa disso”, relata Vanderson.
Décio Guimarães, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFF), também tem deficiência visual e corrobora com as queixas de Vanderson e Iago. “Não adianta você ter piso tátil em um ambiente e não ter em todas as vias públicas. Não ter, por exemplo, semáforos com som, placas em prédios e praças públicas com áudio descrição via QR Code ou com placas com Braille, vídeos em Libras (Língua Brasileira de Sinais). Nós precisamos pensar uma cidade sobre outro paradigma”, afirma Décio.
Não são apenas as pessoas com deficiência visual que precisam de acessibilidade, pessoas com diferentes tipos de deficiência também encaram barreiras no dia a dia. O advogado Marcelo Nunes tem deficiência física desde os 11 meses de vida por consequência da poliomielite, conhecida como paralisia infantil, e anda com muletas. Ele relatou que enfrenta dificuldades na hora de caminhar na rua por causa da falta de rampas de acesso e de buracos nas calçadas. “Eu já caí várias vezes, então evito andar, inclusive, por isso. (…) A falta de rampa para subir a calçada dificulta. Então, o correto é nivelar a passagem com a calçada, e o carro que tem que subir e descer, quer dizer, fica como se fosse um quebra-molas para o carro e a passagem fica nivelada com a calçada para que facilite a nossa passagem. Isso aí é fundamental também que se tenha”, sugere Marcelo.
Natural de Duque de Caxias, o advogado chegou a Campos em 2010, ao passar em um concurso público. Ele deixou de andar de transporte público por causa dos problemas de acesso, e logo comprou um carro adaptado. Porém, ainda há barreiras, como ocupação de vagas, reservadas para PcDs, por pessoas sem deficiência. “A pessoa tem que ter consciência. Se a vaga está livre é porque ela está cumprindo a função dela. A função dela é ficar livre mesmo para quando chegar uma pessoa com dificuldade de locomoção, com a credencial, poder parar. Mas, não é isso que acontece. A pessoa vê a vaga livre e fala ‘já que não tem ninguém, então vou parar ali’”, relata o advogado.
Quem também passa por isso é Neilton Ribeiro da Silva, diretor-presidente de uma instituição financeira. Deficiente físico desde criança, quando teve paralisia infantil, o bancário usa cadeira de rodas e tem um carro totalmente adaptado em que anda com a esposa, também cadeirante. No entanto, a ocupação indevida de vagas para estacionar, reservadas para pessoas com deficiência, é um entrave em seus caminhos. “Isso acontece, muitas vezes, por complacência do órgão que deveria estar fiscalizando, dos guardas. Tem que chegar perto, dizer que vai multar. O certo é o guarda exigir que a pessoa (que não tem a identificação de PcD) saia da vaga”, diz Neilton.
Ele comenta também que muitas pessoas com deficiência deixam de frequentar lugares por falta de acessibilidade, mas que ele optou por enfrentar a situação. “Quando sou convidado para algum evento, eu primeiro vou ao lugar ver como é que é a acessibilidade, se dá pra estacionar, se tem banheiro adaptado. Mas, se todo mundo fizer assim, não vai mudar. Tem hora que eu vou de propósito, chamo o administrador e falo que deveria ter banheiro adaptado, uma rampa”, relata.
“Tem lei de acessibilidade, mas falta fiscalização”
A Lei de Acessibilidade (L. 10.098/2000) estabelece normas e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, mediante a retirada de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação. Já a Lei 7.853/89 enfatiza o direito de qualquer pessoa com deficiência em ter acesso a lugares públicos e privados. “Não precisa mais de vereador nenhum fazer lei, não precisa fazer mais nada, o que tem que ser feito é a fiscalização. A lei deveria estar sendo cumprida e não é cumprida”, destaca Neilton Ribeiro. Marcelo Nunes vai de encontro ao afirmado pelo diretor financeiro. “Em questão de lei, o Brasil está bem adiantado. O que falta é políticas públicas para colocar em prática a lei e fiscalizar quando o estabelecimento não cumpre”, diz o advogado.
O professor Décio é enfático ao dizer que não existe acessibilidade sem a participação e o protagonismo de pessoas com deficiência nesse processo. “É importante considerar que essa participação tem respaldo constitucional assegurado na convenção internacional sobre o direito das pessoas com deficiências, documento que no Brasil tem status de emenda constitucional conforme o decreto 6949/2009. Então assim, é dever do poder público assegurar com plenitude a acessibilidade às pessoas com deficiência”, conclui.
Tentamos diversos contatos com a Prefeitura de Campos, Instituto Municipal De Trânsito e Transporte (IMTT) e Guarda Municipal, para saber como é feita a fiscalização de vias e calçadas para garantir a acessibilidade e se há planejamento de melhorias para esta população, mas não tivemos resposta até a publicação desta matéria.