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Disputa de facções em Guarus faz violência subir

População fica no meio do conflito entre traficantes, que tentam expandir território

Especial J3
Por Yan Tavares
1 de setembro de 2024 - 7h00
146ªDP|Polícia Civil informou que investiga autoria dos homicídios (Fotos: Josh)

Entre os dias 20 e 22 de agosto, a região Norte de Campos registrou cinco homicídios. Quatro deles aconteceram em Guarus. Três no Parque Santa Rosa e um na Vila Industrial, próximo ao Parque Eldorado. Já no dia 23, uma mulher foi baleada no Parque Guarus. A onda de violência gerou duas operações da Polícia Militar (PM) na região nos últimos dias. Em uma delas, oito pessoas foram presas e uma submetralhadora foi apreendida. 

Em Travessão, distrito vizinho ao Parque Aeroporto (situado em Guarus), um homem foi morto e outros dois baleados, no dia 23. Ao todo, foram cinco assassinatos registrados pela 146ª Delegacia de Guarus em apenas uma semana. Um a menos do somatório correspondente ao mês de julho inteiro, segundo dados do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP-RJ). Ainda de acordo com o ISP-RJ, em 2023 foram registrados quatro homicídios em julho e cinco em agosto, na região da 146ª DP. Já em 2022, o ISP-RJ registrou quatro casos em cada mês.

Em todo o mês de agosto deste ano, até o fechamento desta matéria, a PM tinha registro de seis homicídios. No dia 14, um homem foi assassinado a tiros em Travessão. De acordo com a PM, ele teria forte envolvimento com uma facção criminosa local. Ainda segundo a PM, a vítima estaria envolvida em uma disputa interna pelo tráfico na região. Disputa essa que aumentaria as estatísticas dias depois.

Na manhã do dia 20, um homem de 42 anos foi morto a tiros no Parque Santa Rosa. Durante a ocorrência, a PM informou que os moradores não quiseram dar depoimentos por medo de retaliação do tráfico local. 

Na noite do mesmo dia, Ezequiel Pereira de Souza, de 21 anos, foi assassinado da mesma forma, no quintal de uma casa supostamente ocupada pelo tráfico de drogas, na Vila Industrial, próximo ao Parque Eldorado. Ele teria sido morto após ter a residência invadida por cinco suspeitos. Um carregador de pistola 9 milímetros com 11 munições intactas foram encontrados no local.

Já na manhã do dia 21, a vítima foi uma mulher. Ela foi assassinada no Parque Santa Rosa. Na madrugada do dia 22, o jovem Fernando Alves de Jesus, de apenas 18 anos, foi morto a tiros dentro de casa, na Estrada Santa Rosa.

Na mesma data, já na parte da tarde, um homem foi assassinado a tiros e outros dois foram baleados, em Travessão. Os crimes aconteceram no km 13 da BR-101. De acordo com a PM, o homicídio e as duas tentativas foram motivados por confronto entre facções pelo tráfico de drogas na região. Por fim, já no dia 23, mesma semana ainda, uma mulher foi baleada no Parque Guarus. 

A equipe de reportagem tentou entrevista com o comandante do 8º Batalhão de Polícia Militar, tenente-coronel Maurício Arthur Barbosa Araújo; e com o delegado da 146ª Delegacia de Polícia, Carlos Augusto Guimarães, mas ambos não quiseram se pronunciar sobre o assunto.

Em nota, a Assessoria de Imprensa da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) declarou que o comando do 8º BPM vem acompanhando a mancha criminal da região, que aponta uma queda nos crimes de roubo.  “Orientamos aos cidadãos que registrem as ocorrências em delegacia para auxiliar no planejamento de policiamento da região. O batalhão conta também com o reforço de policiais empregados no Regime Adicional de Serviço (RAS)”, declarou a nota.

Também em nota, a Polícia Civil informou que “as investigações estão em andamento. Agentes realizam diligências para apurar a autoria dos crimes”.

Pugnus Legis|Operação realizada em Guarus no dia 29 de agosto (Foto: Reprodução)

Operações em resposta
A Polícia Militar (PM) vem realizando ações nos últimos dias, em resposta à onda de violência imposta nos últimos dias em Guarus. No dia 23, sexta-feira da semana em que aconteceram as quatro mortes, foi deflagrada a “Operação Garrote”. Nela, oito homens foram presos e uma submetralhadora calibre 9 milímetros foi apreendida. 

De acordo com a PM, um dos presos na ação era conhecido como matador de uma facção criminosa local. Também foram apreendidos uma moto, um revólver cal 38, 39 munições cal 9mm, 34 munições cal 38, 2,5kg de cocaína, quatro rádios transmissores e R$ 514, além de um simulacro de pistola. 

Já na última quinta-feira (29), a PM deflagrou a Operação Pugnus Legis. Passando pelo bairro do Eldorado, Parque Santa Rosa e as localidades conhecidas como Santuário, Sapo 1, Sapo 2 e Sovaco da Cobra, foram apreendidos duas pistolas calibre 9 milímetros, dois revólveres cal 38, mais uma série de munições, 1.772 pinos de cocaína, um tablete e 216 sacolés de maconha, cinco pedras de crack, uma balança de precisão e um carregador de rádio, além da recuperação de uma moto identificada como furtada.

Impacto na vida da população
Uma mulher que mora no Parque Guarus – onde outra mulher foi baleada no último dia 23 -, e pediu para não ser identificada, relata que passou a ter os horários restritos nos últimos dias. “Depois de todos esses casos que aconteceram, estou saindo de casa só para trabalhar. Volto para casa ao fim do dia e dificilmente volto à rua”, declarou a moradora. 

Socióloga|Luciane Soares

Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a professora da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), Luciane Soares, destaca que a movimentação e os números recentes em Guarus podem ser vistos como cenário de disputa de território entre facções rivais ligadas ao tráfico de drogas:

“O panorama indica uma disputa por território. A idade das pessoas, bem como o modus operandi (assassinatos dentro de casas ou áreas de conexão com o tráfico), são pontos que indicam este cenário. É algo que acontece com certa frequência em Campos, com locais sempre muito semelhantes, como Parque Santa Helena e Parque Santa Rosa. É uma questão territorial na região de Guarus, que acaba vitimando pessoas constantemente neste processo de disputa”, comenta.

A socióloga analisa ainda como o cenário de conflito impacta na vida da população situada nestes bairros: “O conflito entre facções influencia significativamente no cotidiano das comunidades. O funcionamento do comércio é comprometido, as pessoas mudam seus hábitos, permanecendo a maior parte do tempo dentro de suas casas. Os moradores evitam ficar nas praças, porque tem medo de que algo aconteça a todo momento. Acabam saindo apenas para raras visitas familiares ou frequentar igrejas. Outras programações, que são normais ao cotidiano em geral, ficam comprometidas pelo medo e pelo trauma. Coisas corriqueiras, como crianças brincando pelas ruas, deixam de acontecer”, complementa.