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Inserindo ciência e tecnologia na Educação

De volta a Campos, Marcelo Feres deixou sua contribuição na Rede Municipal de Ensino

Entrevista
Por Aloysio Balbi
1 de julho de 2024 - 7h01
Foto: Josh

Cada opinião dele sobre qualquer assunto se transforma em uma aula. Marcelo Machado Feres, que até o início deste ano era secretário de Educação, Ciência e Tecnologia de Campos, tem um currículo que dispensa qualquer apresentação: professor com licenciatura em matemática, mestre em engenharia de software – curso feito na França – e doutor em Educação.

Nasceu e se formou em Campos, passando pela antiga Escola Técnica Federal — que hoje é Instituto Federal Fluminense (IFF) — e Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf). Morou em Brasília, onde chegou a ser secretário do Ministério da Educação, entre outros cargos nesta pasta. Quando o atual prefeito Wladimir Garotinho era deputado Federal, soube que em Brasília tinha um mestre no MEC que era campista e fez questão de conhecer sua trajetória. Eleito prefeito, convidou Marcelo para a Secretaria de Educação, e este fez uma única exigência: que o órgão passasse a ser chamado de Educação, Ciências e Tecnologia, com todas as ferramentas necessárias.

Inverta o sentido da parábola bíblica do filho pródigo, aquele que saiu de casa para rodar o mundo gastando e depois voltando. No caso dele, saiu, não para gastar, mas para acumular conhecimentos. Ao receber o convite para trocar Brasília por Campos, achou que não poderia dar as costas para sua “casa” e voltou como se fosse o pródigo. Com os olhos embotados de conhecimentos e lágrimas, ele fala da construção em Campos de um novo tipo de Educação.

Você foi, durante o atual governo municipal, cabeça pensante de uma sociedade na qual a educação é prioridade em qualquer nível. Como é que anda a educação, ou seja, como você deixou a secretaria?
A realidade da educação de Campos tem um histórico que não é muito favorável em relação à qualidade mostrada pelos indicadores nacionais. O IDEB é um indicador de qualidade da educação no Brasil. Quando eu assumi em 2021, o município não tinha um valor para esse indicador por informações que não foram passadas adequadamente ao Ministério da Educação pela gestão anterior. A gente estava num período de pandemia. E aí a estrutura da Rede Municipal de Educação estava muito comprometida. Os profissionais também não estavam naquela ocasião com as condições adequadas para trabalhar, seja financeira, seja do seu ponto de vista, de estrutura para fazer o trabalho. E de lá para cá, foram muitas ações que fizemos, porque a Secretaria passou a ser a Secretaria de Educação, Ciência e Tecnologia. E isso fez toda a diferença, porque a gente pode trabalhar a dimensão da educação, fazendo revisões diversas na questão pedagógica, que estava defasada, e implantamos uma cultura de tecnologia com um princípio pedagógico.

Você é mestre em engenharia de software, e na pandemia a gente teve muita aula remota. Isso te ajudou um pouco a ter essa compreensão? Foi um facilitador para entender o processo?
Sem dúvida. Eu gosto de falar dessa questão da tecnologia, porque a gente hoje tem a satisfação de ver que as nossas crianças da rede municipal estão tendo acesso ao uso da tecnologia com fim pedagógico. Eles usam tablets, eles usam internet, eles aprendem matemática, quer dizer, rompendo com aquilo que historicamente se tinha uma dificuldade, quase como uma fuga dos alunos em relação à matemática, que é muito mais do que aprender a fazer contas. É aprender a pensar, aprender a raciocinar.

Na prática, como isso funcionou na pandemia?
A gente identificou que a impossibilidade completa no período da pandemia, não havia vacina, não era possível a gente juntar as pessoas no modelo tradicional de educação. O único caminho possível era justamente o desafio de fazer com que essas partes pudessem estar ligadas de maneira indireta por meio da tecnologia digital. Estou me referindo à parte educacional do professor e à parte da aprendizagem do estudante. Foi uma experiência incrível. Em nenhum lugar do Brasil havia uma preparação, seja dos estudantes, seja dos profissionais. Nossa rede municipal foi reinventada pelo uso de celulares, WhatsApp, por meio de  vídeos. Os professores produziram conteúdos para que pudessem chegar até seus estudantes. Então, isso foi uma superação.

Como foi essa produção de conteúdo?
Criamos um projeto chamado Estação Educação, no qual professores da nossa rede municipal produziram, e produzem até hoje, vídeos voltados para a aprendizagem dos alunos, com base naquilo que está previsto na Base Nacional Comum Curricular, a BNCC. E esses vídeos têm também a tradução para Libras, de profissionais da própria Secretaria de Educação, Então, hoje, no Portal da Educação, que é o ‘portal pai’, são mais de 400 aulas desde a educação infantil, passando pelo ensino fundamental – anos iniciais e anos finais.

Então, a Secretaria Municipal de Educação, Ciência e Tecnologia hoje tem um banco de aulas, é isso, mais ou menos?
Exatamente. Nós formamos aí um grande banco de conteúdos digitais com aspecto pedagógico, onde os alunos podem aprender de maneira complementar.

Hoje o mundo despertou para a causa do espectro autista. Como isso foi tratado?
Eu posso afirmar que hoje, um dos maiores desafios da educação, sobretudo falando da educação básica, é a gente de fato aplicar aquilo que está previsto em termos de inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais. Por que é tão desafiador? Primeiro, porque não é possível você considerar que apenas a escola vai tratar uma questão tão complexa. É uma questão de ordem social. Ela requer um nível de posicionamento e atitude de todos os cidadãos brasileiros, não apenas do professor ou da equipe de profissionais da Secretaria de Educação. Então, é preciso que a gente reconheça essa dificuldade, porque quem está, eu poderia dizer, na frente da batalha da inclusão, sobretudo das crianças e adolescentes, são as escolas. Atualmente, quem tem que lidar mais diretamente com a situação são os nossos profissionais de educação, os professores.

O que a Secretaria de Educação fez neste sentido?
Primeiro foi a proposição de uma lei municipal, no ano de 2022, que permitiu a contratação de profissionais especializados para dar atenção e acompanhamento a esses alunos que têm necessidades educacionais especiais. Eu estou falando de mediadores, que são, na verdade, profissionais pedagogos capacitados para fazer a mediação do conhecimento, aquilo que o professor está apresentando a toda turma, e depois trabalhar de forma mais direcionada.

Campos tem um enorme contingente de alunos entre o pré-escolar e o fundamental. Como cuidar desse mundo?
Nós estamos em um processo de crescimento, ou seja, em relação ao que nós tínhamos no início, em 2021, e temos crescido anualmente. Hoje são cerca de 56 mil ou mais estudantes, esse número eu não tenho com exatidão, mas certamente já supera 56 mil alunos, e com o desafio grande de absorvermos cada vez mais os alunos da educação infantil. Nós olhamos no Brasil as boas práticas de escolas de apoio às crianças com necessidades educacionais especiais, fomos a Brasília, visitamos vários projetos que há também em funcionamento e optamos por fazer uma solução própria que envolve tanto a educação, sobre o ponto de vista de ter estudantes típicos e atípicos, como um processo de reforço escolar.

O processo de evasão escolar foi estancado?
Quando a gente pensa em educação de qualidade, que é a nossa proposta de garantir a preparação das futuras gerações… então, quando a gente pensa em evasão escolar, são diversos os motivos que levam a isso. Começam desde fora da escola, a participação da família, às vezes a própria mudança de endereço da família, que sai de um bairro e vai para outro, sai de uma cidade e vai para outra. Isso tudo impede a continuidade dos estudos. Também a questão de ter o suporte de assistência ao estudante é muito importante.

E o Mais Ciência nas Escolas?
Nós criamos um programa chamado “Mais Ciência na Escola”, que vem sendo executado desde o início da gestão, e permite que os alunos possam fazer projetos de ciências, orientados pelo professor. Ambos recebem um incentivo pelo trabalho, ou seja, o aluno recebe uma bolsa de R$ 200. Ao participar, o aluno está aprendendo, está estudando, mas, além disso, está produzindo conteúdos relacionados à iniciação científica.

A Educação em Campos tem sido premiada ou estou enganado?
Você está certo. Participamos na FECTI, a maior Feira de Ciências do Estado do Rio e fomos contemplados com o 1º lugar nas duas categorias do Ensino Fundamental: 6º e 7º anos e 8º e 9º anos. Além disso, conquistamos também o 3º lugar na categoria de 6º e 7º anos. Pela primeira vez na história, iremos representar o Estado do Rio e consequentemente o Município numa Feira Nacional com o projeto de uma escola do Farol de São Tomé, a E.M. Claudia Almeida Pinto de Oliveira com um projeto ligado à utilização de cactos para tratamento da água, que é um material natural, disponível em abundância, fazendo uma função similar àquilo que é feito nas estações de tratamento de água, por exemplo, com a autorização do sulfato de alumínio. A intenção é substituir futuramente, quem sabe, um coagulante químico por um natural.

Vamos ver as estatísticas de evolução do ensino em Campos?
Esse é um grande desafio, se a gente olhar o histórico de dados que nós temos do nosso IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), ou seja, a Medição Nacional da Qualidade da Educação de Campos… nós, pelo que eu podia apurar, sempre estivemos, vamos dizer assim, no último grupo de municípios do Estado do Rio de Janeiro, o que é uma injustiça. Um município importante como Campos, com a capacidade que tem, com o nível de profissionais que tem, não poderia jamais figurar entre as últimas posições e que chegou, inclusive, a ficar em 2020 fora do ranking. Mas eu posso afirmar que, durante o trabalho que foi feito na nossa gestão, com toda a equipe da Secretaria de Educação, todos os professores, gestores escolares, equipes, foi feito com o objetivo de superar, aproveitando aí, vamos dizer, o efeito. Efeito da pandemia, que colocou a situação da educação em um nível muito, muito prejudicado, que a gente pudesse reagir a isso também na mesma intensidade. E isso é que foi feito.

Você, durante oito anos, sempre no topo da educação, lá no Ministério da Educação, aonde chegou a ser secretário, em várias vertentes. Por que essa volta para Campos?
A experiência no Ministério da Educação por oito anos foi muito enriquecedora para a minha vida profissional e pessoal. Conhecer essa realidade de política pública nacional e ver as possibilidades e os limites que a gente tem de educação no Brasil me enriqueceu muito. Mas quando, em 2020, o prefeito Wladimir ganhou a eleição, ele fez contato comigo. Para mim era muito difícil virar as costas e seguir apenas como acadêmico, tendo doutorado em educação, tendo essa experiência de gestão e, no final das contas, virar as costas para a minha cidade. E isso me fez tomar essa decisão de dar o meu melhor, usar minha experiência e somar com a equipe local que a gente tinha, que é uma equipe muito boa, dos nossos profissionais da educação, que estavam desmotivados. Mas que a gente conseguiu, ao longo desse período, com muito apoio, provar que até aqui foi possível e certamente vai ser ainda muito melhor daqui para frente.