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Lagoas de Campos: três cartões postais sob ameaça

Problemas vão de ocupação irregular à poluição

Especial J3
Por Ocinei Trindade
23 de junho de 2024 - 0h01

O município de Campos dos Goytacazes possui alguns belos cenários compostos por grandes e importantes lagoas. A maior delas, a Lagoa Feia, no limite com Quissamã, sofre com a diminuição do volume de água por conta de aterros. Na área rural, a Lagoa de Cima, muito frequentada por banhistas, enfrenta ocupações irregulares de suas margens e falta de saneamento. Já na área urbana, a Lagoa do Vigário está em um parque municipal criado há oito anos em Guarus, ainda pouco conhecido. Insegurança, poluição e despejo de lixo estão entre as queixas dos frequentadores. Manter e recuperar áreas com potenciais ambiental e turístico desafiam autoridades e pesquisadores diante de tantos desequilíbrios. Sem ações preventivas e educativas, por exemplo, os riscos de degradação ou enchentes aumentam.

Lagoa Feia|A maior do município sofre com a diminuição do volume de água por conta de aterros (Foto: Arquivo J3News)

O geógrafo Vinicius Lima é professor-pesquisador de pós-doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf). Ele considera que Campos e demais municípios do entorno formam uma “verdadeira” região dos lagos, pois conta com 74 lagoas e lagunas. “Quando colocamos na perspectiva da evolução da paisagem, podemos dizer, sem margem de dúvidas, que as lagoas de Campos e região se encontram em condições bem piores do que estavam até a metade do século passado. Boa parte delas foi drenada por obras de engenharia realizadas durante a Ditadura Militar. Nossas lagoas nunca foram protegidas e as alterações humanas na paisagem têm gerado cenários nada positivos. Construção de diques, canais que conectam uma, duas ou três lagoas, sem o devido manejo, além do despejo de efluentes e o descarte de resíduos são alguns dos impactos antrópicos nesses ecossistemas”, explica Vinicius.

Tensões às margens da lagoa
Em setembro de 2016, na gestão da ex-prefeita Rosinha Garotinho, foi inaugurado o Parque Municipal Lagoa do Vigário, entre os bairros Vicente Dias e Alvorada, no subdistrito de Guarus, bem próximo ao Rio Paraíba do Sul.  Cercada por muitas construções irregulares, a lagoa foi “escondida” na paisagem urbana por várias décadas. Demolições de casas e criação de área de lazer trouxeram de volta a visualização do espelho d’água.  “A lagoa estava escondida por muitos anos. Tinha gente que nem sabia que ela existia. Toda a cidade pode desfrutar do parque. A natureza ajuda a manter a saúde física e mental”, diz a moradora Nancy Boechat. A reportagem conversou com um casal que visitava o lugar pela primeira vez, mas que preferiu não se identificar. “Ficamos bem surpresos com a beleza do lugar”, resumiu.

Durante a pandemia, o parque municipal ficou abandonado pelo poder público. Há um ano, a Prefeitura de Campos fez algumas reformas. Foram instalados grades nas calçadas e equipamentos de ginástica, além de recuperação dos banheiros. No entanto, o despejo de lixo na área, nos canais e na própria lagoa é comum por parte de algumas pessoas. “Venho pouco pela falta de vigilância. O potencial é grande, mas o cuidado é pequeno por parte dos moradores e poder público. Não é só limpeza das áreas. É preciso educação e conscientização das pessoas”, diz o empresário Jeferson Xavier.

A eventual presença de usuários de drogas é um tema que moradores evitam tocar, temendo represálias de suspeitos que vivem no entorno. A dona de casa Eliane Machado levou o neto. Ela elogia o lugar, mas não se sente segura para visitar em determinados horários do dia. “Falta fiscalização. Não tem alguém da Guarda Municipal ou Polícia Militar. Sempre é necessário limpeza”, diz Edmilson Gomes, que costuma passear com a cadela e o neto. A dona de casa, Sedimar Maciel, pratica exercícios físicos no local. “Pouca gente de Campos conhece isso aqui. Não valorizam. Podem melhorar limpeza e iluminação”, diz.

Vinícius Lima|Pesquisador (Foto: Arquivo Pessoal)

O pesquisador da Uenf, Vinícius Lima, destaca a situação da Lagoa do Vigário. “Chama à atenção o alto grau de adensamento urbano e os riscos a isso associados, como inundações, por exemplo. Recentemente, participei de uma banca de mestrado onde o autor apontava o alto risco às inundações, visto que a Lagoa do Vigário é um meandro abandonado do Rio Paraíba do Sul. Sua proximidade, além da baixa declividade do relevo, e, por se encontrar numa planície fluviomarinha, a colocam em posição de risco ao desastre natural”.

O Parque Municipal Lagoa do Vigário possui pista para caminhadas e corridas que se estende até a sede da Secretaria de Defesa Civil. O secretário, Alcemir Pascouto, diz estar atento à situação desta e de outras lagoas campistas: As lagoas sofreram com aterramento e ocupação irregular ao longo de décadas. Eu já pesquei nessa lagoa. Buscamos prevenção de problemas em rios, canais e lagoas para evitar enchentes ou alagamentos. Córregos e lagoas precisam de mais atenção com parcerias de outros órgãos públicos. É um desafio diminuir riscos de alagamentos. Temos atentado para os canais e valas que dão acesso à Lagoa do Vigário”, cita.

Ocupações irregulares
Se por décadas a ocupação irregular dos terrenos no entorno da Lagoa do Vigário se tornou um problema que se reflete até hoje, a situação se repete em outras regiões de Campos. A Lagoa de Cima, por exemplo, enfrenta o avanço de cercas e ampliação de terrenos por invasores sem nenhum impedimento. Este assunto foi tema da reportagem “Falta de fiscalização ameaça Lagoa de Cima”, publicada pelo J3News, em oito de outubro de 2023. Quase nove meses depois, os problemas continuam. Em alguns locais, até aumentaram.

Em um dos trechos do balneário, donos de quiosques e moradores locais perderam espaço antes usado para estacionamento e área de banhistas. Temendo represálias, eles preferem não se identificar, mas reclamam de um morador que decidiu, por conta própria, cercar árvores ampliando seu terreno às margens da Lagoa de Cima e limitando o acesso de visitantes para a área de lazer. Este fato foi mencionado na reportagem de 2023. Prefeitura de Campos e o Instituto Estadual do Ambiente transferiram entre si a responsabilidade de coibir esse tipo de ação, supostamente irregular e criminosa.  Mais uma vez, o Inea foi procurado e se restringiu a dizer que “o uso e a ocupação do solo são atribuições do município, a quem compete fiscalizar”. A reportagem voltou a procurar a assessoria de comunicação da PMCG mas não obteve retorno até a publicação desta edição.

Problemas e soluções
As dificuldades encontradas em Lagoa de Cima e na Lagoa do Vigário continuam sendo um desafio para pesquisadores, ambientalistas, autoridades e parte da população. Preservar e recuperar esses ecossistemas ameaçados por contínuos desmatamentos, poluição e ocupações irregulares seguem como enormes obstáculos. O pesquisador Vinicius Lima lembra que a Política Nacional de Recursos Hídricos diz que “a gestão das águas deve ser feita de forma integrada: Para tanto, é necessário diálogo entre a Sociedade Civil, o Poder Público e a Universidade”. Ele complementa: “As soluções são sempre complexas, uma vez que envolve remoção de pessoas e todos os problemas decorrentes disso. Ainda, todos os rios e lagoas da nossa região estão conectados direta ou indiretamente, sejam por águas superficiais, sejam por águas subsuperficiais. Sempre há soluções. A grande questão é quanto e, quem pagará. O Poder Público no Brasil está atrasado quando o assunto é recuperação de ambientes alterados. Isso, porque nossa história é a de tentar corrigir a natureza e não a de entender a dinâmica do ambiente. Nós precisamos pensar em soluções baseadas na natureza, respeitando seus limites e potenciais de usos”, conclui.

Fatos relatados por moradores e frequentadores da Lagoa do Vigário, referentes à falta de segurança e policiamento no local, foram questionados com a Secretaria de Estado da Polícia Militar. Algumas pessoas chegaram a sugerir a implantação do programa “Segurança Presente”. Um email foi enviado à assessoria de comunicação da PM para que comentasse e se posicionasse sobre as reclamações, mas até o fechamento desta edição não houve resposta.