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Prefeitura avalia assumir obras e preservar fachada do Hotel Flávio

Custos seriam lançados na dívida ativa e ficariam a cargo de proprietários

Campos
Por Yan Tavares
3 de dezembro de 2023 - 7h00
Foto: Josh

Mais de um ano após o incêndio que destruiu grande parte das dependências do Hotel Flávio, a Prefeitura de Campos sinalizou, agora, uma iniciativa pela a preservação do imóvel.

O governo municipal afirmou que está avaliando – técnica e juridicamente – a possibilidade da adoção de medidas para que as obras de escoramento da fachada do prédio histórico sejam feitas pelo próprio poder público. Os custos da iniciativa seriam lançados em dívida ativa, cujo pagamento ficaria a cargo dos proprietários.

Em 19 de novembro de 2022, o hotel, tombado pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico de Campos (Coppam), situado na Rua Carlos Lacerda, no Centro, foi atingido por um incêndio de grandes proporções. Ninguém se feriu, mas as chamas consumiram toda a parte interna do imóvel. Dois dias depois, o local ainda continha fumaça.

A Prefeitura esclareceu, em nota, à reportagem que vem atuando desde então pela conservação das partes remanescentes do prédio, principalmente a sua fachada.

“As principais preocupações passam pelo risco de desabamento e pela consequente necessidade de isolar a área para pedestres, o que tem prejudicado o acesso ao entorno do imóvel”. E completa a nota:

“Foram executadas, desde o início de dezembro de 2022, diversas visitas técnicas por parte de equipes do poder público, incluindo agentes técnicos da sociedade civil. Foram realizadas reuniões com a família proprietária do imóvel, dentre as quais o Coppam determinou prazo para a realização das obras de escoramento da fachada.”

O poder público municipal não diz qual prazo foi determinado, mas afirma que ele já se esgotou e, diante disso, projeta fazer os reparos necessários, lançando os custos em dívida ativa, “fazendo cumprir o disposto na Lei Municipal n. 8487/2013”.

História | Imponente palacete tinha quatro pavimentos e abrigou a família do Visconde de Araruama no século XIX – Foto: Josh

Imbróglio

Em abril deste ano, os proprietários Arthur Henrique Lima, Dora Lima e Paulo Marcos de Mendonça Lima participaram de uma reunião junto ao Coppam. A iniciativa teve o objetivo de definir providências urgentes pela preservação do prédio histórico. O resultado foi que, na semana seguinte, seria apresentado um orçamento pelos reparos na semana seguinte. Não houve mais nenhuma atualização.

Um mês antes, o J3News trouxe com exclusividade a informação de que análises feitas por uma equipe técnica dos proprietários sinalizaram que “o escoramento do prédio do antigo Hotel Flávio, além de não ser indicado, provavelmente provocaria o desabamento total da edificação remanescente, pois não seria suficiente para a sua estabilização”.

Antes disso, dois prazos já haviam sido descumpridos. Quatro dias após o incêndio, a Prefeitura deu 24 horas aos proprietários para que fosse feito o escoramento do prédio histórico, com intuito de evitar o desabamento da estrutura restante. Nenhuma iniciativa foi tomada. Em dezembro, novamente um prazo de 24 horas foi imposto e expirou sem resposta.

Agora, após mais de um ano do incêndio, o J3 entrou em contato com a família para saber se há alguma medida sendo tomada. Um dos herdeiros, Paulo Marcos de Mendonça Lima, respondeu à reportagem neste sábado (2):

“Nós não conseguimos um orçamento até hoje para o escoramento, mas estamos à disposição para conversar com a Prefeitura”, afirmou.

História

Com quatro pavimentos, o Hotel Flávio foi construído no século XIX e pertenceu aos familiares do Visconde de Araruama. O tombamento pelo Coppam aconteceu em 12 de setembro de 2013.

“No século XIX, esse imponente palacete serviu de moradia ao Barão de Itaoca, último presidente da Câmara antes do golpe republicano de 15 de novembro de 1889. O imóvel foi adquirido por Flávio Fernandes Medina, que transferiu o hotel de mesmo nome (Hotel Flávio), então localizado na Av. XV de Novembro, para o palacete”, relata a historiadora Rafaela Machado.

Foto: Reprodução/Redes Sociais

Doutora em história e diretora do Arquivo Público Municipal, Rafaela disse lamentar a atual situação e espera que o prédio tenha um desfecho positivo.

“O Hotel Flávio atualmente pertence a uma família que é descendente do Visconde Araruama, a Carneiro Mendonça, que mora no Rio de Janeiro. A história cobra um preço alto ao povo que lhe é indiferente. É torcer para que a fachada seja preservada e para que o local não vire um novo estacionamento”, completa.

Quem viveu e respirou a história do Hotel Flávio

A equipe de reportagem do J3News encontrou, em Campos, uma família com muita história e apreço pelo Hotel Flávio. Dona Rosely Maria Botelho Caldas, 74 anos, viveu dos 4 aos 18 anos no antigo hotel. Ela conta que seu pai, Duarte Padilha Botelho, alugou o hotel entre 1951 e 1967. Ali, sua família morou e empreendeu, durante pouco mais de uma década.

Foto: Josh


“Somos de Miracema. O meu pai era garçom em um hotel na cidade. Ele contava que um dia recebeu o cartão de um hóspede lá, dizendo para que ele o procurasse quando quisesse administrar o próprio hotel. Depois de uma rápida aventura pelo Rio de Janeiro, papai então tomou a decisão, ao lado da minha mãe, Ana Jardim Botelho, de vir para Campos. Viemos de trem, em 1951, com uma prima minha também conosco. O cartão era de um advogado. O Hotel Flávio, à época, estava disponível para ser alugado. Meu pai foi um expedicionário do exército (a Força Expedicionária Brasileira foi o agrupamento militar do Exército Brasileiro enviado à Europa para lutar na Segunda Guerra Mundial). Coragem não lhe faltava. Então, apostou alto e assumiu o hotel”, relata.

Dona Rosely guarda até hoje memórias dos tempos vividos no hotel, como fotos do seu aniversário de 15 anos, realizado no prédio histórico. A reportagem teve acesso também a um quadro decorativo com uma imagem de Jesus Cristo que, segundo Dona Rosely, ficava no primeiro andar do hotel, no salão de refeições. E hoje ela guarda com carinho.

A mãe, Ana Botelho, faleceu um mês antes do incêndio. Pouco antes, a família recebeu uma homenagem, com um banner trazendo uma montagem com a foto de Dona Ana ao lado da fachada do hotel.

“Meus pais encontraram o prédio sujo, mal cuidado. Logo nos primeiros meses, trabalharam muito e conseguiram de 70 a 100 hóspedes. Meu pai tomava conta do hotel e minha mãe era responsável pela cozinha. Eu aprendi a ler no hotel, copiando as letras dos pedidos dos hóspedes”, conta.

Ela pontua, ainda, que, em 1967, com o seu casamento e a aposentadoria do pai, a família decidiu descansar e, assim, deixar a gestão do hotel.
“Vivíamos em um ambiente familiar entre os hóspedes. Durante a noite, ficávamos todos juntos, envolvidos por conversas e jogos. Por outro lado, minhas amigas da escola não conseguiam ir me visitar. Os pais delas não entendiam um hotel como lugar de família”, relata Rosely.

Desde o incêndio, ela não conseguiu mais sequer passar pela Rua Carlos Lacerda, no local onde fica o prédio histórico. “Fiquei arrasada quando soube. Temos um carinho muito grande pelo hotel. Minha mãe sempre falava que o sonho dela era voltar para lá. Ainda que seja demolido, para mim vai sempre continuar lá. É um pedaço de mim”, conclui.

Dona Rosely, à época com 15 anos, ao lado dos seus pais, Duarte Padilha e Ana Jardim Botelho, no Hotel Flávio. Foto: Arquivo Pessoal.

Trânsito interditado e queixa de comerciantes

Por conta da situação envolvendo o antigo Hotel Flávio, a Rua Carlos Lacerda permanece interditada no trecho próximo ao prédio histórico – decisão tomada pela Defesa Civil em novembro do ano passado. Por consequência, o comércio na região tem sido afetado e as queixas são constantes no local:

Alberto Manhães, comerciante local. Foto: Josh


“A gente já não sabe mais a quem recorrer. Estamos vendo cada vez mais lojas fechando pelo Centro. E não temos incentivo algum do poder público. As duas lojas ao lado do hotel foram para outros locais. Nós estamos ficando abandonados aqui. O movimento vem caindo constantemente”, disse o comerciante Alberto Manhães.

O empresário Cliveraldo Pinto também reclama da situação. “O comércio acabou aqui (trecho da rua interditada). Antes, muito mais gente passava, via a loja e parava. Hoje, não temos movimento e a sensação de insegurança é cada vez maior”, afirma.

“Hoje, o que mantém o meu empreendimento são as vendas online. Porque se depender do presencial, a gente não consegue mais”, relata Josias Silva.

Duas lojas que ficavam ao lado do prédio antigo hoje estão fechadas. Uma delas era o cartório do 6° ofício, que chegou a ser atingido por um desabamento de parte do prédio em 2018. Uma loja de artigos decorativos que funcionava ao lado do cartório também precisou mudar de endereço.

Sobre os transtornos relatados pelos comerciantes, a Prefeitura não respondeu.