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Violência psicológica é o crime que mais atinge as mulheres

Segundo o ISP, casos correspondem a 40% dos registros que chegaram às delegacias do Estado

Especial J3
Por Gabriela Lessa
26 de novembro de 2023 - 0h01

Casos | Em Campos, houve um aumento de 33%, segundo Deam

Campos dos Goytacazes vem registrando cada vez mais casos de agressão contra a mulher, que enquadra vários tipos de violência: física, moral, patrimonial, psicológica e sexual. De acordo com o Dossiê Mulher 2023, divulgado pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), no final de outubro, a violência psicológica foi classificada como a mais praticada pelo segundo ano consecutivo, totalizando 40% do número de ocorrências. Em 2022, foram registradas 2.035 ocorrências totais, sendo 825 pelo crime de violência psicológica.   

Logo após, segundo dados do documento, estão os crimes de violência física (686), moral (439), patrimonial (204), sexual (151). No ano anterior, seguiu a mesma ordem: violência psicológica (718), física (640), moral (324), patrimonial (199) e sexual (171). 

Com relação aos dados gerais de 2023, até o mês de outubro, a delegada titular da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (Deam), Madeleine Dykeman, informou que houve um aumento de 85,77% nos registros de violência contra a mulher (2.376 casos), se comparado a 2022, no mesmo período (1.279). No entanto, o atendimento foi otimizado na delegacia, com a criação de dois núcleos que determinaram o aumento de ocorrências: Núcleo de Crimes de Menor Potencial Ofensivo (praticados contra a mulher, mas não doméstico, como briga entre vizinhas, por exemplo) e Núcleo de Crimes Sexuais.

“Houve um aumento no número de registros, mas também um aumento de 172% dos crimes de menor potencial ofensivo, que, muitas vezes, não eram registrados antes e passaram a ser com a criação do novo núcleo. Então, nós acreditamos que ampliamos, com os mesmos recursos, a capacidade de atendimento, totalizando esse aumento de registros”, explica. 

Delegada | Madeleine Dykeman

O caso mais recente de violência, que repercutiu na mídia, foi o de uma adolescente de 13 anos, morta a tiros pelo companheiro de 47 anos, no bairro da Tapera, em Campos. Segundo a Deam, o autor teria um relacionamento com a jovem há cerca de um ano e o homem não aceitou o término. Após atirar na menina, ele teria atirado na própria nunca e foi levado em estado grave para o Hospital Ferreira Machado (HFM), mas não resistiu e morreu durante cirurgia.

De acordo com os números de todo o Estado, mais da metade dos crimes aconteceram dentro de casa e foram cometidos, em sua maioria (67,6%), por alguém conhecido, segundo o Dossiê Mulher. A maior parte das vítimas tinha entre 30 e 59 anos, e mais da metade era negra. 

A Lei Maria da Penha foi aplicada em 63,5% dos casos, reforçando o contexto de violência doméstica e familiar, de acordo com o ISP, que explica que a violência psicológica costuma ser a porta de entrada para outras formas de violência. 

Sobre a violência psicológica 

Segundo a psicóloga Nágila Coutinho, a violência psicológica se inicia de forma lenta e silenciosa, progredindo em intensidade e consequências. “Por tratar-se de uma forma de agressão que ocorre por intermédio de palavras e gestos, comumente não é identificada pela vítima. Sendo, desta forma, disfarçada por sua prática naturalizada ou associada a demais formas de violência”, explica.

Esse tipo de violência se enquadra em qualquer comportamento que provoque danos emocionais, diminuição da autoestima ou controle de comportamentos, crenças e decisões, e possui a intenção de fragilizar o estado emocional e psicológico da vítima, conforme análise de Nágila Coutinho.  

“Normalmente, a vítima confunde a sua percepção dos acontecimentos e da personalidade do agressor, tendo dificuldades de identificar a situação. Alguns indicadores são comuns, como: você tem a impressão de que perdeu a ‘essência’; você se sente distante de pessoas importantes, como amigos e familiares; você se sente dependente emocionalmente do outro; e você muda de comportamento quando está com a pessoa”, fala a psicóloga.  

A delegada Madeleine Dykeman destaca a importância de todas as mulheres saberem os tipos de violências existentes, porque, muitas vezes, podem estar passando pela violência psicológica sem entender que estão sendo vítimas de um crime. 

“Esse homem vai, reiteradamente, denegrir a imagem da mulher, vai menoscabar todas as ações que ela tem, vai sempre diminuí-la. E essa mulher vai ficando com a autoestima tão baixa, que ela já não se sente uma pessoa com autodeterminação para fazer as coisas. Então, diferente da violência moral (que é um xingamento ou dizer que a mulher praticou algo que não fez, difamando a honra dela, por exemplo), na violência psicológica, a mulher não tem autodeterminação diante daquele homem. Ela tem medo das coisas, ela tem medo de sair sozinha, ela toma remédios. Isso acontece em decorrência dessa fala degenerativa”, detalha.

Além disso, Madeleine complementa que, apesar de não haver agressão física ou falada, as ações determinam a violência psicológica. “Exemplo típico: o homem quer determinar a hora que ela chega e sai de casa. Ele pode não falar uma palavra, mas se ela não chegar no horário vai ter discussão; ele quer saber com quem ela fala, ele quer a senha de todos os aplicativos. Ou seja, a mulher não pode ter a sua liberdade e isso é considerado uma violência psicológica, passível de registro na delegacia. E esse é o início do ciclo, que começa na violência psicológica e depois vai aumentando a graduação, passando pela violência moral, depois física, até chegar a um possível feminicídio, tentado ou consumado. É importante encerrar esse ciclo logo no começo”, conclui. 

Encorajamento nas denúncias

Entre 2018 e 2022, houve um aumento de 33% nos registros feitos na Deam. A delegada explica que há um estudo que mostra o pico nas ocorrências no período da pandemia, devido à maior proximidade entre o autor e a vítima. No entanto, Madeleine também acredita que houve maior encorajamento das mulheres em denunciar.

“Sobretudo aqui em Campos, eu acredito que as mulheres estão mais encorajadas em realizar o registro de ocorrência, até porque estão mais informadas. E a imprensa também tem um papel fundamental nesse aspecto, porque a divulgação das prisões incentiva as mulheres a denunciarem, porque elas estão vendo que os autores estão sendo presos”, conta. 

Madeleine ainda acrescenta que existem casos em que os filhos e a falta de liberdade financeira são determinantes no impedimento da mulher para realizar o registro de ocorrência, já que, muitas vezes, não tem para onde ir e nem como se sustentar. No entanto, a Deam proporciona todo o suporte para essas mulheres.

“Quando uma mulher denuncia, aqui na delegacia é feita a parte policial e de investigação, mas, em seguida, ela será encaminhada para outros equipamentos de apoio, que é uma rede de proteção às mulheres. Então elas podem ser encaminhadas para Defensoria Pública, para regularizarem o divórcio, por exemplo; ou podem ser encaminhadas para o Ceam (Centro Especializado de Atendimento à Mulher), que é um órgão da subsecretaria de políticas para as mulheres aqui de Campos, que vai atuar na assistência social, vai instruir com profissionais da saúde. Isso vai dando força a essas mulheres, para que possam sair desse ciclo”, finaliza.

Perfil dos autores

Este ano, o ISP disponibilizou uma análise pioneira na esfera governamental sobre o perfil etário dos autores de violência contra a mulher no Estado. A maior parte dos autores, em 2022, tinha entre 30 e 59 anos (52,7%). Ao analisar o tipo de crime por idade, foi observado que, entre os autores de até 17 anos e daqueles entre 18 a 29 anos, prevaleceu a prática dos crimes da violência física (40,2% e 42,1%, respectivamente). Já nos autores de 30 a 59 anos e 60 anos ou mais, se destacaram os crimes que se enquadram como violência psicológica, com 36,1% e 35,4%, respectivamente. 

A delegada Madeleine diz que existem dois fatores determinantes quanto ao perfil do autor: o homem achar que a mulher é um objeto dele, em que pode fazer tudo o que quiser; e também o ciúme. “O ciúme, normalmente, é o argumento principal desse homem para causar essa violência psicológica. E, muitas vezes, a mulher foi afastada das suas bases de confiança, como família, amigas, porque o agressor pode criar situações para causar o afastamento. Essas falas, vinculadas a uma mulher que já está com a autoestima baixa, ganham acento. E, a partir daí, ele começa a ter maior incidência em relação a ela”, fala.