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Ambientalista sobre Lagoa de Cima, em Campos: “Nunca esteve tão ameaçada”

O pesquisador e escritor Aristides Soffiati analisa os riscos ambientais que comprometem o sistema hídrico atualmente

Meio Ambiente
Por Ocinei Trindade
12 de outubro de 2023 - 18h00
Lixo e instalações de quiosques e bares nas margens da Lagoa de Cima
(Fotos: Ocinei Trindade)

A reportagem especial do J3News desta semana aborda uma série de riscos ambientais na Lagoa de Cima, cartão postal da cidade de Campos dos Goytacazes. Ocupações e construções irregulares estão entre os principais problemas, além de poluição, falta de saneamento e necessidade de uma série de obras e intervenções por parte do Poder Público. Na matéria “Falta de fiscalização ameaça Lagoa de Cima” (clique aqui), o professor, escritor e ambientalista Aristides Soffiati analisa a situação atual do complexo hídrico. Nesta entrevista, ele afirma em detalhes que a Lagoa de Cima nunca esteve tão ameaçada pela degradação ambiental.

Como o Poder Público pode e deve atuar para impedir esse quadro de degradação e expansão em área de proteção ambiental?

Desde o Plano Diretor de 1991, a Prefeitura tem uma dívida com a Lagoa de Cima, entre outras. Nesse Plano, ficou definido que a Lagoa seria protegida por uma Área de Proteção Ambiental, figura que concilia proteção ambiental com ocupação humana. A APA foi confirmada no Plano Diretor Participativo de 2008. A proteção está no papel até hoje. A Lagoa de Cima é um bem ambiental ímpar. Trata-se da única lagoa serrana de Campos, de longa data comparada a um lago suíço. Já houve a tentativa de criar um Conselho Gestor para a APA, mas não vingou. Entra ano e sai ano; entra prefeito e sai prefeito, com a Lagoa sendo degradada progressivamente.

A APA é reconhecida de que modo em Lagoa de Cima?

A APA é ignorada pela maioria da população que vive em São Benedito e em Santa Rita. Para alguns, a ignorância é proposital. Geralmente, são pessoas ricas que avançam seus imóveis sobre as margens da Lagoa.

Aristides Soffiati

Quais são os limites de ocupação de terrenos próximos à Lagoa de Cima?

Pela lei, deve haver uma Área Marginal de Proteção de 30 metros porque a Lagoa foi incluída na zona urbana. No entanto, quando uma lagoa é transformada numa Unidade de Conservação, a definição da faixa marginal de proteção é definida em diploma legal da autoridade que criou a UC.

O que apregoa a legislação ambiental sobre o que é regular ou não nessa região?

Existem três demarcações: a federal, a estadual e a municipal. Nenhuma é respeitada. O mais ajuizado seria considerar a demarcação mais ampla como a válida. Mas demarcar e reconhecer a demarcação apenas não basta. É preciso fiscalização. Talvez até mais: a demarcação física.

Como observa a atuação de órgãos municipais e estaduais em relação à conservação da Lagoa de Cima e seu entorno?

A Lagoa de Cima está entregue a sua sorte. É comum aparecerem aventureiros e oportunistas inventando “projetos de desenvolvimento” para ela. Recentemente, um vereador propôs uma demarcação mínima da Lagoa para que suas margens fossem ocupadas por empreendimentos turísticos e comerciais. Até em dique em torno da Lagoa ele propôs. A Prefeitura também deixou escapar a intenção de construir uma ponte no centro da Lagoa para ligar Santa Rita a São Benedito. Ela teria 1.500 metros de extensão. A Prefeitura não negou a intenção. Apenas disse que a ponte teria 150 metros, o que seria impossível. Já se pensou em construir um dique no início do Rio Ururaí, quando ele sai da Lagoa. A intenção era estabilizar o nível da Lagoa de Cima.

Proprietário de imóvel avança sobre a faixa de areia e faz cercamento de árvores às margens da Lagoa de Cima; próximo à instalação de quiosque e rampa irregulares proibidas por lei, apesar de fiscalização acontecer no local

Quais são os maiores riscos ou problemas para rios e a própria Lagoa de Cima diante da falta de conservação aparente?

Com o apoio da Prefeitura, o DER construiu uma rodovia na margem da Çagoa. Ela fica embaixo d’água nos tempos de enchente. As margens foram desprovidas de vegetação protetora. Os frequentadores da Lagoa costumam deixar grandes volumes de lixo em suas margens. Proprietários continuam avançando sobre suas margens. Houve até um prefeito que desapropriou uma grande área pertencente ao Estado do Rio, e a entregou a um casal de hoteleiros para a construção de uma pousada que entraria no espelho d’água. A iniciativa fracassou. Um proprietário rural desmantelou um morro e usou a terra para isolar a lagoinha da Lagoa de Cima. Os rios Imbé e Urubu, que desembocam na Lagoa, tiveram seus cursos finais canalizados e mudados de lugar pelo extinto DNOS. O Rio Ururaí foi canalizado entre a BR-101 e sua foz, na Lagoa Feia.

Quais observações têm feito nos últimos tempos em ações ou inações do Poder Público na região da Lagoa de Cima?

As ameaças mais recentes foram a proposta de transformar a lagoa numa espécie de shopping turístico por um vereador e a ideia de uma ponte sobre a parte mais larga da Lagoa. No dia a dia, ela sofre redução de suas dimensões, com avanços e aterros em suas margens; lixo deixado por frequentadores; e riscos derivados do desmatamento no Imbé, nas margens dos rios e em suas margens. Como dito, entra governo e sai governo e o complexo hídrico da Lagoa só se degrada. Medidas são anunciadas mas nunca executadas.

O que gostaria de destacar sobre o tema que não foi questionado?  

Nunca o complexo hídrico, compreendendo a Lagoa, seus rios formadores e o Rio Ururaí, por onde a Lagoa de Cima deflui, esteve mais ameaçado. O conjunto tornou-se muito sensível às mudanças climáticas. Uma chuva mais forte, isola comunidades que vivem no complexo. Pontes caem com facilidade. Nesses momentos, entra em cena a Defesa Civil, que, por princípio, só atua em catástrofes. Passada a crise, tudo é esquecido até a próxima. O conjunto hídrico necessita de um projeto estrutural para a lagoa. A APA tem de ser demarcada. O Conselho Gestor precisa ser instituído. Um plano de reflorestamento do entorno precisa ser implementado. As atividades na Lagoa de Cima precisam ser regulamentadas.

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