“A diferença entre o remédio e o veneno é a dose”. O aforismo, comumente atribuído ao médico e físico suíço Paracelso, que contribuiu para a revolução da medicina durante o Renascimento, serve de alerta em um país em que 89% da população recorre à automedicação, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico (ICTQ) feito em 2022. O hábito, condenado por especialistas, levou o paracetamol para as manchetes dos principais jornais do país. Um dos medicamentos mais usados no mundo, o analgésico e antipirético se tornou notícia ao ter seu uso sem recomendação profissional apontado como a principal causa de falência do fígado em países como EUA e Reino Unido.
Estimativas apontam vendas de 49 mil toneladas desse medicamento ao ano nos Estados Unidos, o que significa 298 comprimidos por americano a cada 12 meses. No Reino Unido, a média é de 70 unidades desse fármaco por pessoa durante o mesmo período. No Brasil, ele aparece na 19ª posição dos princípios ativos mais vendidos. E, numa lista da Anvisa com 263 remédios sem prescrição, aparece entre os 25 mais populares.
O fígado é o órgão onde o paracetamol é metabolizado e cerca de 5% do medicamento se transforma em quinoneimina, uma substância que é tóxica para o corpo. Se consumido em excesso, o remédio pode fazer com que o organismo deixe de funcionar de forma adequada, resultando em um quadro de falência hepática aguda, problema que normalmente exige internação e até transplante e está relacionado ao aumento do risco de morte.
Agências de saúde estipulam um limite para a dosagem diária de paracetamol de acordo com a faixa etária dos pacientes. Para adultos, são 4 gramas (ou 4 mil miligramas). Já para crianças de 2 a 11 anos, varia de acordo com o peso corporal, indo de 55 a 75 mg por quilo. Por fim, crianças com menos de 2 anos só devem fazer uso da medicação com prescrição médica. Desrespeitar esses limites pode ocasionar uma overdose de paracetamol.
De acordo com a Food and Drug Administration (FDA), agência regulatória estadunidense, overdoses de paracetamol foram a principal causa de falência hepática aguda nos Estados Unidos entre 1998 e 2003. Em 48% dos casos, a overdose foi acidental, pois as vítimas sequer sabiam que tinham ultrapassado o limite diário.
Um estudo de 2007 do Centro de Controle e Prevenção de Doenças americano estima que a overdose por esse medicamento leva a 56 mil visitas ao pronto-socorro, 26 mil hospitalizações e 458 mortes por ano.
Outros levantamentos apontam que o paracetamol é a causa de falência hepática em até 45% dos casos registrados nos EUA e 60% dos episódios do tipo que ocorrem no Reino Unido.
Em pronunciamento sobre o assunto, a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para o Autocuidado em Saúde (Acessa) afirmou que defende “o uso de MIPs [medicamentos isentos de prescrição] e produtos para saúde de forma responsável e o letramento em saúde, que é a busca de fontes confiáveis de informação para que uma pessoa possa tomar melhores decisões sobre a sua saúde”.