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Prédio do Asilo do Carmo em risco

Ação do tempo na construção impõe restauração urgente na unidade

Campos
Por Marcos Curvello
9 de julho de 2023 - 2h01
Patrimônio | Solar Santo Antônio recebeu a visita de personagens históricos importantes, como o Imperador Dom Pedro II (foto: Josh)

Testemunha das transformações por que passou a cidade de Campos dos Goytacazes nos últimos 177 anos, o prédio que sedia o Asilo do Carmo foi conhecido por diversos nomes ao longo deste tempo: Solar do Barão de Carapebus, Casa do Engenho Santo Antônio, Solar Santo Antônio e Casa da Fazenda Grande do Beco. Construído em 1846 por Joaquim Pinto Neto dos Reis, o Barão de Carapebus, recebeu visitantes ilustres, dentre os quais se destaca Dom Pedro II. Foi ali que o imperador do Brasil supostamente teria assinado, em 1883, o termo de implantação do serviço público de iluminação elétrica da cidade, pioneiro na América do Sul. Também cruzaram seus corredores, em diferentes momentos, os políticos campistas Thieres Cardoso e Tarcísio Miranda. Em 1904, passou a abrigar o Asilo da Velhice Desamparada, fundado pela conferência Vicentina São Francisco de Assis e mais tarde rebatizado com o nome conhecido hoje. Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Arquitetônico Nacional (Iphan) em 1946, seus imponentes salões superiores eram alugados para recepções, casamentos e batizados das famílias mais tradicionais da cidade, o que garantiu os recursos para manter os idosos durante as décadas seguintes. Nada disso, porém, poupou a construção da ação do tempo.

Com estrutura deteriorada por infiltrações, rachaduras e uma infestação de cupins, que fragilizaram as vigas de madeira e passaram a ameaçar a construção, o Solar foi interditado pelo Iphan e pela Defesa Civil. Os idosos foram transferidos para um prédio anexo, cujo uso teria caráter provisório, mas ainda hoje serve de moradia aos internos.

Desde então, a restauração do Solar Santo Antônio é apontada como uma necessidade, sob pena da perda do patrimônio histórico. As conversas, no entanto, esbarravam sucessivamente na necessidade de realocar os idosos para outro local. Um entre os procedimentos necessários estava um tratamento químico com duração de cerca de 45 dias para eliminar pragas.

Risco de perda e obras emergenciais

Espera | Tratativas para restauração estão longe de serem concluídas (foto: Josh)

Em maio de 2018, a Vigilância Sanitária e a Defesa Civil do Município estiveram no casarão e constataram “situação insalubre, presença de morcegos, dentre outros agravos com risco de contaminação no ambiente periférico onde vivem os idosos, além de problemas graves na estrutura por ausência de manutenção”. Cinco meses mais tarde, o Ministério da Cultura anunciou a liberação de R$ 1,5 milhão em verbas para obras emergenciais no solar, com edital e licitação feitos pelo Iphan. 

Na ocasião, o órgão afirmou que o imóvel estava em “estado avançado de degradação” e que havia “risco de perda iminente” do casarão. Entre os problemas descritos estavam estruturas danificadas, lajes comprometidas, presença de mofo, infiltrações, acúmulo de material inutilizado, cupim, poeira e indícios de presença de roedores e insetos que transmitem doenças.

Em janeiro de 2019, o beiral do telhado do casarão caiu. O acidente não deixou vítimas, mas reforçou a urgência da intervenção, que só começaria em maio daquele mesmo ano, após a homologação na Justiça de um acordo que possibilitou a transferência dos idosos para o Asilo Monsenhor Severino.

As obras duraram seis meses, porém, o contrato previa apenas intervenções pontuais, como descupinização, troca do telhado e reforço no escoramento do prédio. De forma que, mesmo com a finalização das obras, o casarão continuou interditado e os idosos voltaram a ser acolhidos no prédio anexo ao retornarem para o Asilo do Carmo, em janeiro de 2020.

Asilo mantém expectativa por restauro do Solar

Presidente | André Araújo (foto: reprodução J3News TV)

Presidente da Associação Mantenedora do Asilo de Nossa Senhora do Carmo, e da instituição, André Araújo afirma que a expectativa é de que o Solar Santo Antônio seja totalmente recuperado e possa voltar a ser utilizado, o que permitiria torná-lo, novamente, fonte de receita.

“O serviço feito na obra emergencial foi ótimo, incluindo o escoramento e o telhado. Mas, o ideal é que se faça a segunda etapa da recuperação do solar, que é o restauro. Questionei os custos a um superintendente do Iphan e ele afirmou que ficaria entre R$ 2,5 e 2,8 milhões. Isso garantiria condições de uso do prédio e permitiria que o Asilo voltasse a alugar os salões, o que ajudaria a manter nosso trabalho. Mas isso é algo que tem que partir do Iphan, pois o imóvel é tombado e não podemos nem tentar levantar dinheiro por conta própria para financiar novas obras”, diz.

O Iphan foi procurado pela reportagem e questionado sobre a possibilidade de avanço no restauro do Solar Santo Antônio, mas não havia respondido até o fechamento desta edição.

Escora | Parte do prédio histórico ameaça cair e precisa de intervenção (foto: arquivo)

O asilo abriga, atualmente, um total de 78 idosos. São 40 homens e 38 mulheres com idades entre 65 e 98 anos. O custo mensal de manutenção chega a R$ 110 mil, dos quais R$ 66 mil são financiados por um convênio com a Prefeitura de Campos. O restante é obtido por meio do aluguel de um campo de futebol society, de uma quadra de futebol de salão e de uma quadra de treino funcional, além de doações e contribuições de sócios que pagam regularmente valores a partir de R$ 10.

Há, também, campanhas quinzenais para suprir necessidades pontuais dos idosos.

“A cada 15 dias, nós verificamos o que nossos idosos precisam e fazemos campanhas para conseguir doações. Normalmente, a necessidade maior é de fraldas geriátricas, especialmente no período de frio, pois aumenta o número de trocas. Este mês, também precisamos de material de higiene pessoal, como xampu, desodorante e talco, por exemplo”, encerra André.

Importância arquitetônica e histórica

História | Graziela Escocard (foto: arquivo)

Construído na fase áurea do ciclo da cultura do açúcar, o prédio de arquitetura colonial é um solar típico, com 14 janelas na fachada principal e acesso por um lance de escadas semicircular que conduz a um pátio frontal cercado com grades de ferro trabalhadas. De acordo com a historiadora e diretora do Museu Histórico de Campos, Graziela Escocard, trata-se de um casarão do período do ciclo da cana-de-açúcar, que tem “importância histórica”.

“É um solar que precisa de atenção. Seu uso atual é de serventia assistencialista e humanitária. Mas precisamos lembrar-nos da sua importância histórica, enquanto vestígio de um passado ligado à produção açucareira em nossa região”, observa Graziela.

Arquitetura | José Luiz Puglia (foto: arquivo)

Já o arquiteto e urbanista José Luiz Puglia afirma que o Solar Santo Antônio representa “o apogeu da cultura canavieira” campista.

“É uma construção conhecida como ‘solarenga’, que são os solares rurais. Eles incluem um conjunto de prédios como o Solar dos Airizes e o Solar da Baronesa, por exemplo. Esses prédios têm características muito peculiares, como terem capelas e pátios internos. Então, é um exemplar importantíssimo para a preservação da memória arquitetônica do período colonial rural aqui de Campos”, observa.