×
Copyright 2024 - Desenvolvido por Hesea Tecnologia e Sistemas

Em defesa de crianças e adolescentes

Promotoria busca garantir direitos coletivos da população infanto-juvenil

Entrevista
Por Aloysio Balbi
26 de junho de 2023 - 0h01
(Foto: Arquivo pessoal)

Integrante do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro há 27 anos, dos quais mais de 20 são dedicados à atuação e defesa de crianças e adolescentes, a promotora Anik Rebello Assed Machado, é titular da 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Infância e Juventude de Campos dos Goytacazes. Pós-graduada em Direito Público, Anik também é graduada em Psicologia, e pós-graduada na área de abordagem clínica humanista-existencial e destaca demandas, projetos e ações em defesa do direito de crianças e adolescentes.

Qual a abrangência da Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Infância e Juventude de Campos?
A Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Infância e Juventude de Campos dos Goytacazes é fruto de uma iniciativa pioneira do MPRJ de criar no interior do Estado do Rio de Janeiro uma Promotoria especializada em matérias que envolvem, especificamente, a defesa de direitos coletivos de crianças e adolescentes. O Órgão existe desde 2014 e vem oportunizando a adoção de diversas providências no município de Campos, sempre voltadas para a garantia dos direitos coletivos da população infanto-juvenil em várias áreas, como da saúde, educação, assistência social, etc.

A senhora poderia identificar os pontos mais sensíveis em Campos relativos a essa promotoria?
Diversas são as demandas que envolvem violações de direitos de grupos de crianças e adolescentes que reclamam a implementação de políticas públicas para assegurar a disponibilização de serviços que variam desde a assistência médica, psicológica, acesso à educação, transporte coletivo, lazer, esporte, à implementação de programas de orientação e apoio à estrutura familiar. Nos últimos anos foi identificada no nosso município uma crescente demanda por atendimento de casos de crianças e adolescentes submetidos à violência sexual, física e psicológica, e percebida a necessidade de oferecer às vítimas atendimento multidisciplinar especializado, evitando que tivessem que percorrer várias instâncias para o registro policial do fato, exame pericial, assistência médica, psicológica, etc. Então, a partir da instauração de um inquérito civil na Promotoria da Infância, diversas providências e várias reuniões com gestores públicos, delegados de polícia, conselheiros tutelares, peritos foram realizadas e resultaram na implementação em Campos do CAAC – Centro de Atendimento a Adolescentes e Crianças vítimas de violência sexual, passando a reunir num só espaço todos os serviços que envolvem o socorro às vítimas deste tipo de crime. O equipamento funciona nas instalações do Hospital Ferreira Machado, e reúne serviços de assistência médica, psicossocial, realização de perícias técnicas e, em breve, contará também com a coleta de depoimento especial pela polícia civil em ambiente próprio e humanizado. A providência vem contribuindo muito para evitar a revitimização das crianças e adolescentes, que, antes, viam-se forçados a repetir diante de diferentes órgãos as histórias da violência sofrida.

Como é feito o trabalho de identificação destas demandas?
O Ministério Público, por meio de todos os seus Órgãos, possui canais abertos ao recebimento de demandas por toda a população, sendo muito frequente o recebimento de notícias de violações de direitos coletivos de crianças e adolescentes, na Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Infância e Juventude, oriundas dos cinco Conselhos Tutelares que atuam distribuídos em diversas regiões do município de Campos. Também é comum o recebimento de denúncias pelos canais virtuais, como “Disque 100” e Ouvidoria do Ministério Público (via e-mail ou telefone 127). Uma vez recebidas, as notícias são analisadas e instaurados Inquéritos Civis para adoção de providências.

Há relação desta Promotoria com outros órgãos, como o Município, Estado e fundações. Existe essa permanente relação?
A natureza das atribuições da Promotoria implica na frequente necessidade de se buscar extrajudicialmente solução para os problemas que envolvem violações de direitos de crianças e adolescentes por falhas ou ausência de políticas públicas na área. Nesse sentido, é comum o diálogo institucional com outros entes e órgãos, como Município, Estado e fundações. Com a experiência ao longo do tempo, fica cada vez mais claro que a saúde das relações institucionais contribui para a solução célere dos problemas e evita, muitas vezes, a judicialização das questões demandadas, funcionando como verdadeira ferramenta para encontrar soluções rápidas e eficazes que possam assegurar os direitos infanto-juvenis. Além das entidades públicas, a Promotoria trabalha frequentemente de forma articulada com a rede de proteção infanto-juvenil, especialmente com os Conselhos Tutelares que constituem verdadeiro “pronto socorro” para atender com prontidão os casos de maus tratos e violência infantil.

A infância e a Juventude em Campos têm algumas particularidades que podem ser sublinhadas a partir de sua experiência?
Desde que assumi as atribuições inerentes a defesa dos direitos das crianças e adolescentes no município de Campos, há mais de 15 anos, foi possível perceber que a criação do Órgão especializado da Promotoria representou um grande avanço na atuação do Ministério Público no município de Campos dos Goytacazes, já que, em razão da grande extensão territorial e densidade populacional, o atendimento prioritário às demandas na dimensão coletiva eram, por vezes, suplantados pelos inúmeros casos individuais que exigiam providências céleres e urgentes. A separação das atribuições em dois órgãos distintos, para a proteção dos direitos das crianças e adolescentes, entre individuais e coletivos, com certeza, vem demonstrando que a iniciativa do MPRJ oportunizou grandes benefícios para Campos, na medida em que propiciou o cumprimento do papel do Ministério Público na defesa dos direitos sociais. A busca por providências que atendam a população infanto-juvenil em caráter coletivo impacta também, nos casos individuais, numa espécie de efeito positivo em cascata.

Quais são os projetos em curso da Promotoria?
Um dos recentes projetos implementados e que vem nos trazendo grande entusiasmo e satisfação é o Projeto Infância em Ação. A idéia nasceu da necessidade de manter um canal de comunicação direta com os próprios titulares dos direitos que devem ser assegurados pelo Órgão da Promotoria de Campos – MPRJ. As ações envolvem um conjunto de práticas voltadas para mapear as demandas por políticas públicas necessárias a assegurar os direitos previstos no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), sob a perspectiva do olhar infantil. Além de constituir uma forma genuína para a obtenção de informações que possam subsidiar o trabalho do Órgão no município, os encontros fomentam a conscientização dos direitos previstos no ECA, estimulam o senso de responsabilidade coletiva e oportunizam o aprendizado do exercício da cidadania. Tem sido extremamente motivador conversar de forma lúdica sobre políticas públicas com crianças e adolescentes perceber o interesse delas por conhecer e apropriarem-se dos próprios direitos.

Como funciona a dinâmica do Projeto Infância em Ação?
São realizados encontros periódicos na sede da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), em que o Ministério Público, por mim representado, aborda com os alunos das escolas participantes temas de diferentes eixos, com o fim de propagar informações sobre os direitos assegurados no ECA. Além da parceria com a Uenf que cedeu as instalações, o projeto conta com a contribuição voluntária de profissionais da área de educação física (Studio Fabrício Bastos), psicologia (Lucyenne Rosas) e nutrição (Karla Silva), que, por meio de rodas de conversa, atividades físicas, recreativas e alimentação saudável, transmitem informações para estimular de forma divertida e dinâmica a identificação pelos alunos das ações públicas que já existem ou que faltam na comunidade em que vivem para viabilizar o pleno exercício de seus direitos. Também foram realizados encontros com os alunos nas sedes das escolas participantes, com o objetivo de estender ao maior número possível de alunos o contato direto com a Promotoria, na busca de ampliar o debate sobre as políticas públicas regionais com os estudantes e estimular outros potenciais associados à responsabilidade coletiva em prol do bem comum, como verdadeiro aprendizado ao exercício da cidadania.

O Projeto contou com a adesão das crianças e adolescentes?
Os resultados obtidos por meio do Projeto superaram as expectativas. O primeiro módulo foi recentemente concluído com grande sucesso na coleta de informações pelas próprias crianças e adolescentes nas regiões em que vivem e estudam, de forma a contribuir para a atuação da Promotoria em busca de providências para assegurar a oferta de políticas públicas necessárias. O evento de encerramento contou com a participação de cerca de 100 crianças, com cerimônia de premiação pela participação de todos e destaque para a equipe que demonstrou maior engajamento no trabalho de campo junto à comunidade, multiplicando as informações recebidas e demonstrando a realidade de sua região com sugestões, levantamento de dados e ações, e receberá como prêmio de um passeio cultural. Também foi muito importante o apoio da Secretaria Municipal de Educação na articulação interna junto às escolas de modo a garantir, inclusive, o transporte dos grupos de alunos, acompanhados de professores, aos encontros realizados no Uenf periodicamente.

Há previsão de continuidade do Projeto?
Um novo módulo, com outras unidades escolares de diferentes regiões geográficas do município está previsto para iniciar no segundo semestre deste ano, e o canal permanente de diálogo entre a PTCIJ/MPRJ e as crianças e adolescentes segue aberto com todos os participantes do primeiro módulo. A iniciativa é pioneira e foi selecionada para concorrer na 20ª Edição do Prêmio Innovare. A experiência tem trazido grande satisfação a todos os envolvidos, por ver que o projeto vem servindo para dar voz a inúmeras crianças e adolescentes, estimulando-as a desenvolver potenciais adormecidos e municiando-as de informações para exercitar plenamente os próprios direitos.

O que ainda é necessário fazer para obtermos uma cidadania plena no que se refere às crianças e jovens em Campos?
O trabalho na área da infância envolve esforços de diversos integrantes de uma grande rede de proteção aos direitos previstos no ECA. O Ministério Público, junto com o poder judiciário, conselhos tutelares, gestores públicos da assistência social, saúde, educação, CREAS, CRAS, professores e tantos outros, são apenas mais um componente desse enredo. O pleno exercício desses direitos, sem dúvida, depende de uma rede municipal bem articulada, fortalecida e consciente da importância de seu papel, que funcione como uma verdadeira engrenagem harmoniosa em busca de criar fluxos e serviços que possam viabilizar, na prática, o desenvolvimento integral das potencialidades latentes na fase juvenil. Esse tem sido o nosso grande desafio à frente da Promotoria de Tutela Coletiva da Infância em Campos, que vem se refletindo no esforço contínuo de adotar providencias, como, por exemplo, do projeto Infância em Ação, para fomentar a articulação entre os muitos atores imbuídos da tarefa de defender os direitos infanto-juvenis e propiciar desde cedo a compreensão da importância e significado do exercício da cidadania às crianças e adolescentes.