Fumar já foi glamuroso e um hábito sujeito apenas ao bom senso dos fumantes. Nas décadas de 1980 e 1990, era comum pessoas acenderem cigarros em quaisquer lugares: nas filas dos bancos, nos restaurantes, nos aviões e até nos hospitais. Foi o aumento da ocorrência de doenças provocadas pelo tabagismo, principalmente o câncer, não somente nos fumantes ativos, mas também nos passivos, que levou à aprovação de leis rígidas que puseram fim às propagandas de cigarros, à associação do produto a eventos culturais e esportivos e ao consumo de tabaco em locais públicos, fechados ou abertos. Nos últimos anos, porém, a popularização do cigarro eletrônico, ou vaper, trouxe de volta a discussão acerca dos males e dos limites legais do fumo.
A Lei 9.294, conhecida como Lei Antifumo determina que, “é proibido o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo fechado, privado ou público”. O advogado Amyr Moussalem explica que as especificações, no entanto, não se aplicam ao vaper.
“Somos regidos pelo princípio da legalidade. Temos que seguir o que a lei determina. No caso do cigarro, são considerados produtos de combustão e produtos fumígenos que produzem fumaça. O vaper, no entanto, não tem combustão e não produz fumaça, mas vapor. Por isso, não se aplicaria. Ele não se enquadra nas prerrogativas que a lei determina”, disse.
A Lei foi criada em um momento em que ainda não existia o cigarro eletrônico, portanto, não havia espaço para contestar, nem os malefícios à saúde e nem o incômodo gerado pelo vapor, que é descrito por alguns como excessivo e de aroma forte. A estudante Ana Carolina Maia diz que se incomoda e que já reclamou em alguns estabelecimentos. Em alguns casos, teve sucesso.
“Acho muito incômodo, tanto quanto o cigarro comum. É muita fumaça, muito mais que o cigarro e tem cheiros fortes e variados. As pessoas que usam, por saberem que não é proibido, não se preocupam com quem está à volta e somos obrigados a conviver com isso. Espero que a lei seja revista em breve”, diz a estudante.
Ainda de acordo com o advogado, os estabelecimentos, a fim de evitar desentendimentos entre os clientes, podem proibir o uso do vaper, mas atendendo a algumas regras.
“O direito do consumidor diz que as ações ou informações ao próprio consumidor têm que ser expostas, têm que ser expressas e claras. Da mesma forma que tem a proibição do cigarro, com placas, tem que ter um específico para o vaper. Como tem que ter um específico para permitir ou não animais. Então, o proprietário do estabelecimento pode determinar que naquele local não é permitido o uso de vaper e tem que ser expresso” explica.
O empresário Sérgio Ribeiro é proprietário de um boate e Pelinca, que conta com um espaço aberto, no qual os fumantes podem fazer uso de cigarros, incluindo eletrônicos, sem perder o que está acontecendo dentro da casa de shows. Mesmo assim, encontra resistência em alguns casos.
“Temos uma área aberta e, em 99% dos casos, o segurança orienta para fumarem nesse espaço. Em algumas exceções, algum mal educado aparece, mas sempre o segurança orienta a irem para a área externa, mesmo o vaper. Minha orientação sempre é essa, já que a casa tem área de fumantes. Ali, por ser aberto, a pessoa que é mais educada vai normalmente para lá. Mas tem gente que tem dificuldade e, quando você fala, insiste na questão de que não tem cheiro, mas essa é nossa orientação”, disse o empresário.
Saúde
O médico, cirurgião de cabeça e pescoço, Raphael Sepulcri explica que, quem acredita que o cigarro eletrônico não faz mal está enganado.
“Não é uma coisa regulamentada, não existe regulamentação no Brasil da substância que você pode colocar ali e da quantidade dessa substância. Por exemplo, quanto de nicotina ou de outras substâncias que podem causar câncer. Não tem regulamentação. O fabricante pode colocar o que quiser. A própria Anvisa é contra e deu vários pareceres de que não é seguro. O que os estudos mais novos estão mostrando são tantos problemas respiratórios quanto o cigarro normal, até risco de câncer. Então, ele causa tanto malefício quanto o cigarro normal”, disse.
A auxiliar administrativa Carina Magalhães começou a usar o cigarro eletrônico para substituir o convencional e percebeu os malefícios.
“Eu já fumava o cigarro normal e ficava muito irritada por causa do cheiro nas mãos, no cabelo. Quando começou a virar modinha, todo mundo usando e dizendo que era bom e não fazia mal, eu experimentei. Não é ruim, é bom, o problema é o após. Eu já tinha pigarro, por conta do cigarro, e, com o eletrônico, piorou muito. Para treinar, era quase impossível, de tanta falta de ar. Além disso, começaram muitos relatos pelo mal que fazia e, com isso, eu parei”, relatou.
Raphael Sepulcri alerta que já há relatos de doenças relacionadas ao cigarro eletrônico.
“Já existe um trabalho relacionando o vaper ao câncer de cabeça e pescoço. Quando eu falo cabeça e pescoço, falo de toda região. É um câncer que inclui a laringe, a faringe, a boca, enfim todos esses tipos de câncer. Os cigarros eletrônicos contêm nicotina e esses sabores que colocam camuflam outras substâncias. As pessoas realmente estão fumando um negócio que não fazem nem ideia do que é”, alerta o especialista.