Com a flexibilização das regras de distanciamento social e a permissão do funcionamento de estabelecimentos comerciais como casas noturnas e bares, moradores de alguns bairros de Campos voltaram a passar por um problema que quase não existiu durante o período mais crítico da pandemia de Covid-19: a perturbação sonora. Moradores do bairro Jardim Maria Queirós, por exemplo, têm passado maus momentos às sextas e sábados, quando uma boate e um bar funcionam, inclusive com música ao vivo, com volume bem acima do permitido por lei. A Avenida Pelinca, com movimento noturno intenso, é outra área da cidade onde o problema voltou a incomodar os moradores.
A norma brasileira da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) regulamenta que o ruído em áreas residenciais não deve ultrapassar os limites de barulho estabelecidos – 55 decibéis para o período diurno, das 7h às 20h, e 50 decibéis para o período noturno, das 20h às 7h. A Lei Municipal nº 8061, que regulamenta o Código de Posturas, prevê penalidades para os infratores. A poluição sonora também é crime, previsto no artigo 54 da Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal 9.605/1998), que especifica que “a poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana” está sujeita a pena de reclusão de um a quatro anos, e multa.
Mas o desrespeito às leis é flagrante, segundo moradores da Rua Rodrigues Peixoto, Jardim Maria Queirós. Uma moradora, de 77 anos, que prefere não se identificar, conta que além da música que vem dos estabelecimentos, ainda tem o barulho que os frequentadores fazem na rua. “Às vezes o evento termina quase de manhã, eles ficam na rua gritando, dançando com música alta, tem briga, a gente não tem sossego na sexta e no sábado”, conta.
A moradora diz que compreende que os estabelecimentos precisam funcionar e diz que o maior problema não é a música ambiente, e sim a falta de fiscalização na rua, que faz com que os frequentadores se sintam à vontade para fazer barulho, porque não há quem impeça. A aposentada também diz que na rua há muitas pessoas idosas, muitas delas acamadas e que considera uma falta de respeito.
Outra moradora de um prédio próximo à boate diz que já sabe que sexta e sábado são dias de “não dormir”. “Às vezes eu sou vencida pelo cansaço e acabo dormindo, mas até conseguir é complicado. Depois de uma semana inteira de trabalho, tudo que queremos é descansar, mas com o som dos bares e dos carros fica quase impossível”, relata.
Já na Rua Pero de Góis, também no Maria de Queirós, a moradora de um prédio, que tem um bebê de quatro meses, diz que já chegou a ir para a casa da mãe, junto com o marido e a criança, para conseguir ter uma noite tranquila. “Minha bebê acorda para mamar pelo menos duas vezes, já é uma rotina cansativa, mas ficar duas noites inteiras acordada me deixou exausta. As pessoas fazem uma baderna na rua, saem gritando, é cada susto que a bebê toma e aí não volta a dormir. É um absurdo ter que deixar minha casa para conseguir dormir. Eu tenho o direito de ter paz e silêncio no meu lar”, reclama.
Na mesma rua, uma empresária de 58 anos conta que antes da pandemia estava colocando a casa à venda, porque o barulho e a baderna provocada pelos frequentadores da boate ficou insustentável. “Vocês podem ver como tem casas vazias aqui. As pessoas desistem de morar. Nós fizemos reunião dos moradores do entorno com representantes da Polícia Militar e da Fiscalização de Posturas, antes da pandemia. Foram feitas algumas ações aqui, mas no outro fim de semana volta tudo à estaca zero”, desabafa. A moradora relatou que por várias vezes já acordou com as vidraças da casa balançando, devido ao volume alto do som dos carros que ficam na rua.
“A boate é toda envidraçada, o barulho diminuiu consideravelmente, ainda incomoda e é claro que passa do limite de som permitido, mas não é ensurdecedor como antes. O que realmente prejudica mais o nosso sono é o que acontece do lado de fora do estabelecimento, as brigas, os gritos, os carros de som, as motos estourando… isso sim é o pior”, pontua.
O que dizem as autoridades
A Prefeitura de Campos disse, por meio de nota, que “as equipes da Subsecretaria de Posturas atuam em esquema de plantão 24 horas por dia, 7 dias por semana, atendendo a solicitações da população, realizando ações e acompanhando operações com outros órgãos, como, por exemplo, Guarda Civil Municipal e Polícia Militar, em todo o município. A ação dos fiscais da pasta pode ser solicitada pelo telefone 98168-3645”.
A Polícia Militar informou que o 8º Batalhão de Polícia Militar realiza ações conjuntas com os órgãos municipais visando coibir tais práticas e que a população pode fazer denúncias através do Disque-Denúncia (22) 2723-1177 ou, para casos urgentes, através da Central 190.
Queixas de moradores são antigas
Na área da Avenida Pelinca, as reclamações são as mesmas há anos. Festas, bares, shows e carros de som fazem parte da rotina noturna que os moradores têm que suportar se precisarem continuar vivendo no local.
O jornalista Maurício Xexéo mora no Edifício Michelangelo há 10 anos e, durante todo o período em que mora lá, já fez inúmeras reclamações, tanto aos órgãos fiscalizadores e de segurança, quanto relatou o problema nas redes sociais. “Aqui inclusive deixou de ser uma área mais valorizada, o valor dos imóveis residenciais caiu, porque tem que ter muita paciência para morar em meio ao barulho”, conta o jornalista.
E acrescenta: “Atualmente um bar específico é o que mais faz barulho, tem música ao vivo e não tem tratamento acústico. O que toca lá nós ouvimos nitidamente aqui. Em uma das várias vezes que eu precisei ligar para a Guarda Municipal, o atendente me pediu para diminuir o som que estava tocando na minha casa, porque ele não conseguia me ouvir direito, aí eu disse para ele que o som vinha do bar e ele se surpreendeu.”
Em dias de jogos de grande repercussão, o barulho é multiplicado, e as festas normalmente terminam pela manhã, muitas vezes com um espetáculo de mau gosto, com brigas, motocicletas com cano descarga estourando, pessoas bêbadas e alteradas falando alto. Sobre acionar os órgãos competentes, o jornalista diz que não faz mais porque desistiu. “É muito cansativo, até de reclamar nas redes sociais eu parei, a gente fala, relata, mas no outro fim de semana acontece tudo novamente”, diz.
No mesmo edifício, uma moradora, que tem dois filhos pequenos, conta que já presenciou cenas que classificou como constrangedoras, como casal mantendo relações íntimas na calçada do edifício. “O barulho é um dos problemas, mas a principal questão é a desordem generalizada”, reclama.
A queixa da utilização da área externa do prédio por frequentadores dos bares também é feita por uma moradora do Edifício Andros, na Rua Marechal Rondon, que fica em frente ao Michelangelo. Ela relatou que é comum utilizarem o jardim do prédio como banheiro e usarem até os vasos de plantas como vaso sanitário. “É revoltante ver isso tudo e não poder fazer nada, a gente pede ajuda, na verdade não é ajuda, pois a lei existe e tem que ser cumprida”, desabafa.