Dr. Makhoul Moussallem foi sepultado em Campos no último dia 1, em Campos
Por Aloysio Balbi e Marcos Curvello
Seriam necessárias mais de quatros mãos, não somente as duas de cada jornalista que assinam essa reportagem, para contar a história de um par de outras, mais precisamente, as do médico Makhoul Moussallem, que, desde de quarta-feira (1º), é saudade. Tudo nele girava em torno das mãos, que, no curso de 50 anos de medicina, salvaram vidas e mais vidas, intervindo na parte mais complexa e mais estudada do corpo humano: o cérebro. Dizem que conhecemos apenas 10% dele, o cérebro, mas Makhoul parecia conhecer mais.
Mãos que tinham a exata e precisa dimensão do tamanho da pequenina partícula dos neurônios, ou seja, poderia ser definido como um neurocirurgião de mão cheia, como se diz na gíria. O médico formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, tomou seu destino nas próprias mãos, e, ao longo da vida, deparou-se com as ironias deste mesmo destino. A perda da mãe dos seus filhos, a jornalista Souad, vencida por um câncer, não deixou de ser uma trapaça do destino. Depois, em 2002, quando sofreu um infarto e decidiu que suas mãos passariam, a partir de então, a operar outras coisas, entre elas a gestão da medicina e também a política, aposentar o bisturi foi algo que contrariou à sua predestinação.
Continuou mexendo com cérebros, mas, desta vez, com suas ideias, sempre passos à frente do seu tempo. Candidato por mais de uma vez à prefeitura de Campos pelo PT, Makhoul Moussallem empolgava principalmente os jovens, com a eloquência do seu discurso e sua coragem. O homem de sangue árabe tinha veias que pulsavam fortes diante das injustiças sociais, e foi exatamente isso que o levou à política, optando pelo Partido dos Trabalhadores (PT), que, naquele tempo, representava o contrário de tudo que hoje se transformou na opinião dos críticos.
Gestor da Medicina
Mas não era apenas o discurso. As mãos de Makhoul passaram a operar gestões, e suas digitais estão espalhadas como marca em várias administrações de entidades e unidades médicas. Pode-se dizer que foi o fundador da Cooperativa de Médicos, a Unimed de Campos. Antes, implantou no Instituto de Medicina Nuclear (IMNE), juntamente do Dr. Herbert Sidney Neves, o primeiro serviço de Tomografia Computadorizada da região. Os dois trabalharam juntos à frente deste segmento de diagnóstico por vários anos. Depois, veio a dirigir o Hospital Escola Álvaro Alvin e presidiu a própria entidade mantenedora deste hospital em tempos distintos.
Mãos de administrador
Makhoul era antes de tudo um inquieto. Fez até televisão, para o nosso orgulho, na 3ª Via TV, apresentando um programa sobre Medicina e Saúde. Escrevia artigos para jornais e recebia solicitações diversas para conferências em todas as áreas. Nos filhos, Felipe, Camila e Luana, habitava seu orgulho. Deixou os filhos voarem. E, por ironia, Luana, médica como ele, que vive na França, não pôde voar para o último adeus.
Teve uma vida plena. Quando a filha Luana namorou o cantor e compositor Caetano Veloso, Makhoul teria dito a ele “se isso se consolidar, você terá um sogro bem difícil”, obviamente, brincando. Ao contrário do namoro, o tempo avançou e, poucos anos depois, mais uma ironia, com o diagnóstico de câncer, a doença que interrompeu seu casamento, com a morte os separando. Iniciava uma luta contra o câncer, que ele estava ganhando, até que foi alcançado pela covid-19. Ironicamente, morreu no hospital que ajudou a fundar.
A sinuca de bico
Nos últimos anos, estabeleceu uma relação estável com a médica pediatra Vera Marques. Makhoul tinha uma eterna criança nele e optar em viver pelo resto da vida com uma pediatra parecia uma boa ideia, teria dito. Quando possível, se isolava em sua casa em Atafona. O homem que conseguiu tudo que ambicionou com suas próprias mãos, mostrava que, mesmo com tudo isso, elas, as mãos, continuavam com precisão de cirurgião. Makhoul manuseava um taco de sinuca como fazia com o bisturi. Jogar sinuca era uma de suas paixões, depois da família e da medicina. Já tinha colocado a política na caçapa, embora não negasse conselhos, principalmente aos mais jovens.
No caminhar de 75 anos de vida, Makhoul Moussallem com aquelas raras mãos, apertou muitas outras, e honrou, como poucos, este gesto, quer como comprimento ou como garantia de um acordo firmado. Quando veio a pandemia, sabedor de que era do grupo de risco, deixou de apertar mãos. Por ironia, a vida o colocou em uma posição que bolas e tacos nunca conseguiram antes, a chamada sinuca de bico. No fundo, ele diria que não houve ironia alguma e sim a vida e suas coisas. Poucos, devido ao protocolo de segurança, foram ao sepultamento de Makhoul no cemitério do Caju. Mas, o homem das mãos raras, teve certamente centenas de outras, de longe, acenando para ele, em um silencioso adeus.
Vida e morte
A morte do médico Makhoul Moussallem por complicações da covid-19 veio dar rosto à doença em Campos. Homem público como o deputado estadual Gil Vianna, morto também pelo novo coronavírus em maio, o neurocirurgião era conhecido por quase todos. Exerceu os mais elevados cargos em unidades de Saúde e entidades representativas de classe, o que ajudou a pavimentar um caminho até a política. Foi três vezes candidato a prefeito. Nunca se elegeu, mas a importância de sua trajetória pôde ser percebida nitidamente com sua morte, ilustrando isso as manifestações de pesar, assinadas por representantes dos três Poderes, partidos, empresas e órgãos da sociedade civil.
Nasceu em 1945, na cidade Karaoun, no Líbano. Aos 9 anos, migrou para o Brasil junto com a mãe, Josephine Aboumra, e os irmãos, Bassam, Amer e Naual. Após desembarcar no Rio de janeiro, a família veio para Campos onde o patriarca, Halim Moussallem, havia se estabelecido.
Em 1969, aos 24 anos, formou-se em Medicina pela UFF. Especializou-se em neurologia e tornou-se um neurocirurgião de renome nacional. Defensor da saúde pública e universal, foi responsável pela implantação do primeiro pronto socorro de Campos, onde prestava atendimento gratuito à população antes da criação do Sistema Único de Saúde (SUS).
Dedicação à Saúde
Esteve à frente, por duas gestões, da Fundação Benedito Pereira Nunes, mantenedora da Faculdade de Medicina de Campos (FMC), instituição de ensino em que lecionou entre os anos de 1973 e 2009 e, novamente, em 2018. Participou da criação do primeiro Congresso Médico de Campos e da fundação do Sindicato dos Médicos do município.
Chefiou o serviço de neurocirurgia da Santa Casa de Misericórdia de Campos, do Hospital Ferreira Machado (HFM) e do Hospital Escola Álvaro Alvim (HEAA), do qual também foi diretor. Dirigiu, também, o Hospital Pró-Clínicas.
Presidiu a Sociedade de Neurocirurgia do Estado do Rio de Janeiro (SNCRJ) e a Sociedade Fluminense de Medicina e Cirurgia, por duas gestões. Elegeu-se vice-presidente da Associação Médica Brasileira (AMB) e vice-presidente da Associação Médica Fluminense (AMF) e ajudou a fundar a Unimed/Campos, da qual esteve à frente por cinco anos.
Foi conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj), do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Federação das Unimeds do Estado do Rio de Janeiro.
Carreira na política
A atuação em postos chave de entidades médicas permitiu a Makhoul um salto para a política, uma vocação familiar, já que seu pai, Halim, havia sido vereador em Karaoun. Foi candidato a prefeito de Campos por três vezes pelo PT.
Na primeira, em 2004, obteve 33.628 votos no primeiro turno da eleição que terminou com a vitória de Carlos Alberto Campista.
Com a cassação de Campista por compra de votos e a convocação de eleição suplementar em 2006, voltou a concorrer. Foi novamente derrotado.
Em 2012, lançou nova candidatura, recebendo 61.143 votos e ficando em segundo lugar, atrás da então prefeita Rosinha Garotinho, que tentava a reeleição.
Em julho de 2019, o prefeito Rafael Diniz nomeou Makhoul para o cargo de assessor especial, com lotação em seu próprio gabinete. O neurocirurgião tinha o objetivo de desenvolver um projeto que garantisse atendimento de saúde à população mais carente de Campos.
Depoimentos
Qualquer homenagem que se venha a fazer ao Dr. Makhoul Moussallem ainda será pequena diante do meio
século que dedicou ao exercício da Medicina. Ele é dono de uma biografia que não é só de um profissional de qualidade e dedicação raras, mas, também, de um tipo de ser humano que não vemos nascer todos os dias. Receba nossa eterna gratidão.
Tive a honra de ter sido aluna dele. Comecei a admirá-lo nessa época, pela dinâmica das aulas e a forma como levantava nosso astral, mas sempre com pé no chão. Foi presença constante na história da Medicina em Campos. Na
Sociedade Fluminense de Medicina e Cirurgia, estreitamos convivência. Era corajoso e preocupado com a saúde
da população. Uma vida iluminada.
Odisseia Carvalho é vice-presidente do PT em Campos (Arquivo)
Odisséia Carvalho | Presidente do PT – Campos
Dr. Makhoul foi um médico humanista, dedicado ao conhecimento, à ciência, e, principalmente, com um olhar para
o paciente como ser humano. Sua trajetória de vida foi baseada em princípios, honestidade e franqueza. Venceu
tantas batalhas, venceu o câncer, mas não a Covid-19. Espero que continuemos a lembrar dele como um homem
bondoso, solidário e fiel à profissão
É com muita tristeza que recebemos a notícia do falecimento de Dr. Makhoul Moussallem. Makhoul foi, além de um
amigo pessoal, um conselheiro que me ajudou bastante ao longo desses anos. Um homem público que deixa um enorme legado profissional na Saúde de nossa cidade, e também na política, onde com convicção defendia seus ideais. Uma perda irreparável para Campos.
Geraldo Machado | Advogado
Para mim, que formei com ele e alguns outros, o que alguém chamou um dia de uma “tendência renovadora na vida da nossa sofrida Campos” (ele, presidente da SFMC, eu, da OAB), vai o referencial mais próximo. A dor é imensa! Somente amenizada pela doce lembrança de uma relação marcada por franqueza, lealdade, dedicação e admiração.