“Se você me diz que vai sair/Sozinha eu não deixo você ir/Entenda que no meu coração/Tem amor demais, meu bem/E essa é a razão/Do meu ciúme/Ciúme de você/Ciúme de você/Ciúme de você”. Na voz do Raça Negra, a balada pagodeira fez muito sucesso nos anos 90 e embala a realidade de muitos casais até hoje.
Embora possa ser dirigido a qualquer objeto material e não seja incomum entre amigos e familiares, a manifestação clássica e mais frequente do ciúme ocorre nas relações românticas. O sentimento não respeita sexo nem faixa etária, atinge homens e mulheres, jovens namorados e casais veteranos. Normalmente, o ciúme inicia como um discreto incômodo, um leve mal-estar, porém, mal administrado, pode se converter num transtorno patológico de graves consequências. Pessoas matam por ciúme. Pessoas se matam por ciúme.
Em síntese, o ciúme afetivo pode ser definido como o medo de perder a pessoa amada. Como o ciumento é atormentado pela imaginação de ser trocado ou enganado a qualquer momento, esse medo lhe é sempre real, ainda que todas as evidências certifiquem a fidelidade do parceiro. O ciumento não apenas acredita que o companheiro possa traí-lo, como também nutre expectativa de que isso venha a ocorrer. Portanto, na mente do ciumento, sua relação é sempre a três (no mínimo). Trata-se de um sentimento tão corrosivo que, em muitos casos, a confirmação da infidelidade atenua o sofrimento (o ciúme reside na dúvida; quando se tem certeza da traição, surgem outros desassossegos emocionais, como raiva, ódio, desespero, tristeza).
A falta de consciência de seu próprio valor é marca do ciumento, logo ele depende tanto da atenção do outro. Por insegurança, o ciumento prioriza os seus próprios interesses e está sempre em posição de demandar; quando o parceiro não supre as suas necessidades, passa a criticá-lo e a cobrar infindáveis provas de amor. O ciumento vampiriza a relação, sugando toda a sua energia. No fundo, o ciumento é um egoísta solitário, inapto para lidar consigo mesmo.
Um grande inimigo no enfrentamento do ciúme é a compreensão de que o ciúme dialoga fraternalmente com o amor (o senso comum toma o ciúme como uma contingência praticamente compulsória da paixão). Nesse sentido, o ciúme seria necessário para “apimentar” a relação. Para muitos casais, o ciúme funciona como um termômetro emocional: maior o amor, mais reações ciumentas. Caso um parceiro tente provocar ciúme no outro, sem sucesso, logo surgirá a indagação: “Estranho… será que ele não me ama?” Se, numa mesa de bar, entre amigos, alguém conta as peripécias que já fez por ciúme, arrisca-se iniciar uma animada competição para ver quem realizou loucura maior. A sociedade romantiza e valida o ciúme, não por acaso ele vira sucesso nas novelas e no cancioneiro popular.
Ao contrário do que se pensa, o ciúme é antitético ao amor, pois este só germina no terreno da liberdade. O amor requer autonomia para ser quem se é; portanto, a maneira mais verdadeira de fazer a pessoa amada ficar é deixar a porta sempre aberta para que possa ir. Quando se tem o outro como seu “tudo” ou sua “vida”, que horizonte sobra quando, asfixiado pelo ciúme, esse outro se vai, senão a morte? O amor liberta, o ciúme aprisiona; o amor suaviza, o ciúme acirra; o amor doa, o ciúme reivindica; o amor alegra, o ciúme deprime; o amor edifica, o ciúme destrói. Pimenta é muito bom, mas a do ciúme é ardida demais.