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Entrevista com Adriana Medeiros: intérprete de palavras e paixões

Antes de se formar em Letras e de lecionar, o fascínio por teatro, música e poesia ajudou a viver e a contar muitas histórias

Entrevista
Por Ocinei Trindade
19 de março de 2019 - 11h04

Atriz, professora, cantora, poeta, além de mãe e avó, Adriana Medeiros é destaque (Foto: Ricardo Avelino)

Quando encena o espetáculo “Um Dedo de Prosa e uma Alma de Poesias Musicais”, Adriana Medeiros apresenta-se assim: “Sou filha de uma bordadeira repleta de sabedoria, que lutou para que suas crias tivessem boa educação e ética. No Candomblé, sou filha de Oxum Apará e Oxossi, que representam elementos dos rios e das matas. Sou mãe de Caiã (carreira solo), negra, professora, cantriz, aprendiz eterna do exercício com as palavras, intérprete, campista de nascimento e avó de minha Bella Amora”.

Formada em Letras, orgulha-se dos professores que teve como Sandra Viana, Deneval Filho, Rita Maia. Cursa Licenciatura em Teatro no IFF Campos e pós-graduação em Artes pelo Instituto Brasileiro de Ensino. Começou nos palcos nos anos 1970, no IEPAM, com Vânia Ventura. Em 1982 quando fazia parte de Grupo Jovem interpretei uma Medusa no espetáculo “Cantos e Contos do Fundo do Mar”. Já são 37 anos de fabulação. Adriana Medeiros fez “Feriado Nacional”, “A Ópera do Malandro”, “Arena Conta Zumbi”, “O Blá,Blá Blá (premiada no Festival de Teatro de Macaé)”, “As Bodas do Rei” (de Paulo Marcos de Carvalho e direção de José Sisneiros) ,“Sarau da Preta”, entre outras peças.

Em 2005, participou do espetáculo “O Auto do Ururau” que recebeu o Prêmio Shell de música, sob a batuta de Caíque Botikay. Vencedora de muitos festivais de poesia, Adriana hesita sobre os prêmios alcançados. “É que interpretar, para mim, mais importante que premiações”, diz.

Por atuar em tantas atividades nas artes e na educação, como gosta de ser conhecida? Professora, atriz ou poeta ou a outras? O rótulo é irrelevante?

Como gosto de ser conhecida… como outras (risos). Como intérprete, como alguém que se esforça para ser melhor todos os dias nos seus ofícios… Difícil isso! Não gosto de rótulos.

Você tem participado de espetáculos teatrais e performances em outros espaços menos convencionais. Como tem sido? O que destacaria nos últimos tempos?

Na verdade, esses espaços não convencionais fazem parte do meu exercício teatral há tempos. Já fiz uma performance em um supermercado da cidade…foi hilário. Foi num repente. Me deu vontade de experimentar e lá estava eu fazendo o teatro do invisível. Paguei muitas mensalidades da escola de Caiã dizendo poesias em shoppings e bares. Mas há alguns meses fizemos uma disciplina no IFF em que a performance era o carro chefe. Performar é um exercício de experimentação, de descoberta, de provocação, é uma catarse. Estamos passando por um momento extremante delicado, impreciso e cruel. A performance nos possibilita levar ao outro, de forma expressiva, que é possível respirar o mesmo ar, por exemplo. Que podemos assumir nossos erros, que o silêncio é um grito e que não podemos fingir que a arte não está em toda parte. Os destaques pra mim são a construção e a apresentação do Sarau das Preta, e o trabalho de pesquisa que fazemos para a preparação dos shows do Bloco Vista Cansada. Do Sarau, gosto do desenho de ter cinco mulheres em cena, de dizer poemas de cunho político, feminino e feminista. Gosto de entender palavra como arte, literatura como arte. Gosto de ver a platéia emocionada e instigada. Dos shows, gosto da nossa ousadia, dos arranjos do Matheus Nicolau, da precisão do Renato Arpoador, da harmonia de Vânia Navarro e das surpresas de Léo Navarro.

Fazer teatro em Campos ou no Brasil nunca pareceu tarefa fácil, não é? Como tem sido para você? Como vê o interesse do público e dos artistas da cidade?

Miséria é miséria em qualquer canto, né? Acho que em um país onde a mídia é a vedete, tudo fica difícil. Gostaria de viver desse ofício, de ter tempo para ler aquilo que quero e escrever depois, de me apresentar como atriz ou poeta e não ouvir de volta que isso não é profissão… É difícil. Muito. Mais difícil ainda quando se é mulher, negra, com meio século de histórias já traçadas na pele…vivendo em uma cidade que não reconhece seus artistas, que pouco assiste seus interpretes, que devora colunas sociais e se procura ali. Numa cidade onde os artistas que atuam não vão assistir seus colegas de classe, os que escrevem não vão a lançamentos de livros, os que fazem música, não vão a shows. “Sucupira” é muito estranha nesse quesito. As pessoas vão ao teatro e shows quando são globais. Acho que elas pensam que são palco, sei lá. Temos pessoas talentosas que precisam ser aplaudidas. A arte do seu quintal não é menor que do quintal do outro. Ela precisa ser regada pela presença, pelo aplauso, pelo reconhecimento… Sucupira é um universo paralelo. Eu acho.

Você participou da ocupação do Teatro de Bolso em 2016, movimento que ganhou destaque na mídia e nas relações políticas locais. Como avalia aquele momento e o resultado disso?

Caramba!! 2016!? Foi uma loucura! Era um momento de grande impacto político na cidade por estarmos vivendo um caos e um a inércia na cultura- falarei apenas desse ponto-. Eu não sei se a cidade e a classe vêem aquela ocupação como vejo. Penso, francamente, que se não tivéssemos ocupado o TB àquela época, ele poderia estar fechado até hoje. Foram dias de muita tensão. As negociações foram lidas de maneira equivocada. Muitos da classe não tomaram partido e a tortura psicológica foi terrível. Sabemos, cada um de nós, o que fizemos, mantivemos nossa postura até o fim. Estávamos ávidos pelo nosso espaço. Mas não fomos reconhecidos pelo que fizemos. Na reabertura do teatro sequer fomos convidados.

A verdade é que pessoas como Carlos Henrique Pasco, Edu Bicler, Dorinha Viana, Alexandre Ferran, Almir Jr., Lua Monteiro, Rosângela Queiroz, Michele Belcanto, Lívia Amorin, Mary, Fabrício Simões, Vinicius, eu e tantos outros tornamos possível o que acontece agora no TB. Fizemos parte disso. Fomos protagonistas desse espetáculo e as pessoas fizeram o que costumam fazer com aqueles que foram imprescindíveis em algum momento, elas esquecem. Mas isso deve fazer parte do jogo. É um jogo viver. É um jogo teatral.

No final, o que importa é que o TB voltou a servir ao que tem como função. Ser casa/palco/coxia e platéia para os artistas e para quem gosta de arte.

Você já participou de muitos espetáculos, um deles foi premiado com o Shell. Pode falar dessa experiência, diretor, elenco, críticas?

O Auto do Ururau é um espetáculo que poderia estar sendo encenado até hoje. Cantar, dançar e interpretar é uma das melhores coisas que um ator pode ter a chance de fazer, sobretudo quando tem um leque de artistas determinados a fazer o melhor. Ganhar um prêmio é conseqüência de um trabalho bem feito, é resultado de ter profissionais preparados para conduzir com sabedoria e afeto um elenco e uma história. Farei uma critica, não falarei sobre críticas a respeito do espetáculo, mas ao fato de que Sucupira, mais uma vez falhou. Não reconheceu a importância desse prêmio para a cidade. Não investiu em um grupo que poderia ter trazido muito reconhecimento para Campos. Isso é lamentável. Mas…

Você já quis ir embora de Campos, alçar outros voos como atriz?

Todos os dias. Agora mesmo.

Nos últimos tempos, algumas pessoas ligadas a movimentos culturais da cidade se foram. Como você lida com essas perdas? Você é saudosista ou nostálgica?

Temos um tempo. Isso é muito claro pra mim e fica mais fácil por ser aquilo em que acredito. Lamento imensamente a “volta pra casa” desses meus amigos, mas seria egoísta de minha parte preferir vê-los sofrer. Prefiro crer que nos veremos um dia. Prefiro imaginá-los fazendo algo e bebendo disso nas minhas construções. Dias desses conversava com um amigo muito querido enquanto caminhávamos no Pontal de Atafona. Disse pra ele que espiritismo pra mim não é uma ideologia que consola. É a minha maneira de ser eterna. Tenho medo de não ter tempo para algumas coisas, mas o tempo já foi generoso comigo demais.

Você é uma poeta e intérprete premiada com seus textos, Como é participar de festivais e colecionar vitórias e como é perder?

Gosto da adrenalina dos festivais, gosto de encontrar pessoas com essa devoção às letras, de ver uma gente jovem se expondo, de ver os jurados enlouquecidos, gosto da torcida, do poema vivo que é o todo. Acredita que eu sou do tipo que fico sem graça com a vitória? Acho que faço sem esforço, com fé cênica, mas sem aquela obrigação de ganhar, então nunca perco, sabe? Não há derrotas. A derrota é o fim de tudo. É sangue na ponta da espada. O duelo continua.

Você pensa em publicar seus poemas em livros ou na internet?

Penso em nada. Vou deixando acontecer. Na verdade gostaria de vê-los interpretados. Minha escrita é pra ser falada, entende?

Como artista e professora de português e literatura, como você avalia a situação da educação e da política no Brasil? Está pessimista ou otimista?

Estamos vivendo a barbárie. Isso é fato. Não vejo luz no fim do túnel, mas podemos encontrar uma saída. Somos “cidadões” otimistas. Precisamos manter isso. A diferença é que não podemos mais fazer de conta que a culpa não é nossa. A história da educação do país está um caos há muito tempo, porque vivemos em um território em que o professor é desrespeitado, humilhado, sucateado. Que profissional, sendo tratado dessa maneira, consegue ser otimista em sala de aula? Que profissional com triplas, quádruplas funções consegue ser exímio no que faz?

Pra encurtar a prosa que pode vir a ter pra lá de 100 metros, estamos vivendo um desgoverno. Nada pode ser mais amoral que o desenho desses “chefes” que não se afinam, desses ministros que sobem em goiabeira, vê Jesus Cristo cantando o hino e pede filmagem pra exibir seus fetiches.

Quem comprou os discursos dessa gente? Precisamos debater propostas, a gente regrediu para o primeiro nível de civilidade tendo que explicar o básico e tendo de volta um monte de bobagem. Temos no governo o que simboliza a podridão humana. Isso afeta a todos que tem dignidade. Estamos no fundo do poço. Vejo professores e gente que se diz cristã defendendo aquele que diz ter como livro de cabeceira um torturador de mulheres e crianças, porque isso era o que Ustra fazia. Aí penso… Senhor,que isso? Estou perdida e temerosa. Todo dia, toda hora, me sinto violentada. Mas há alguma coisa diferente com os alunos. Talvez eles estejam pressentindo algo. Estão mais questionadores, freqüentes, motivados. Algo estranho. Parece que o que eles viam como ficção ficou claro que é real.

Você está concluindo uma licenciatura em Teatro no IFF. O que pensa realizar com essa e outras formações que possui?

Costumo dizer que quem detém o poder é quem tem conhecimento. Quero me apropriar mais desse universo dramatúrgico, mas guardo os sonhos pra mim, no meu travesseiro de realidades. Pois sonhar é para os afortunados. Tenho que realizar.

Você costuma ser muito intensa nas relações pessoais e em cena. Você é assim também como mãe e como avó? Que futuro vislumbra para essas gerações?

Eu não fracasso nem quando eu fracasso. Tudo que faço é resultado de muito trabalho, estudo e dedicação. Se o resultado disso não foi o esperado pela audiência, terei que refazer e me desafiar mais uma vez. Não ligo muito para o fracasso, senão terei que dar muita importância ao sucesso. As coisas acontecem à medida que nos afinamos com elas. Deixo-me ir, sendo assim, me respiro melhor. Sem muitas expectativas, para não gerar frustrações.

Como define o sucesso e o que representa o fracasso?

Ter discernimento acerca da existência feminina. O machismo é um vilão cruel na evolução da sociedade. Entender que cada um tem a sua fé. Que essa fé pode ser no nada… Pra ser um pouquinho sarcástica. Precisa de muitas aulas de interpretação textual.

Dizem que a arte é um instrumento de transformação. Para você, do que a sociedade necessita para evoluir?

Acho que meu lema de vida é começar de novo, sempre. Por fora, por dentro. Começar de novo.

Como mulher e cidadã, você tem um lema de vida? Como você quer ser lembrada?

Como alguém que é transparente, que não tem ilusão de felicidade como obrigação, que acredita que tudo é energia. E por fim- que não sou boba nem nada- ser lembrada pela minha interpretação. Ah! Essa minha alma de cantriz! (Risos)