Patrimônio do município de Campos dos Goytacazes, o Mosteiro de São Bento, situado no distrito de Mussurepe, completa, em 2019, 329 anos do início de sua construção e de um legado não somente religioso. Isso porque o passado desse edifício transpassa os limites da religião católica: é história, é memória coletiva. Esse Mosteiro marca a presença dos monges beneditinos na região da Baixada Campista desde 1648, há 371 anos, e marca também aqueles que vivenciaram momentos de paz e comunhão nesse espaço que, hoje, está interditado. O prédio, considerado um dos mais antigos da região Norte Fluminense, passa por uma reforma a fim de que se retomem, em breve, as atividades de outrora.
Por 40 anos, Gerson Amaro Ribeiro, de 75, trabalhou ali, mas desde seus tempos de menino, participa ativamente da vida religiosa e cultural do Mosteiro de São Bento. Ele, que era morador de Cazumbá, também na Baixada, frequentava a catequese e as missas todas as semanas e recorda, com carinho, da época em que treinava futebol no campo do Mosteiro e frequentava as sessões de cinema que aconteciam no edifício, bem como as festas, quermesses e bingos.
“Hoje moro em frente, mas, à época, minha casa ficava a 2 km do Mosteiro e eu ia a pé todos os dias. Fazia parte do time de futebol, o Palmeira, organizado pelos monges e, junto aos meus colegas, assisti a muitos filmes aqui. Era um tempo muito bom… Tão bom que, com 17 anos, pedi para trabalhar como auxiliar de Serviços Gerais e com 35 fui promovido a ‘faz tudo’, de zelador a administrador do Cemitério, onde ainda atuo como coveiro particular, mesmo após a aposentadoria”, contou Gerson que, com a mesma bicicleta de antes, percorre o terreno diariamente para fazer a manutenção dos jazidos.
Esse carinho que Gerson tem pelo Mosteiro foi passado para seu filho, Alessandro, que já ocupou o mesmo cargo de seu pai e, após formar-se em contabilidade, passou a exercer a função de auxiliar administrativo do local. Ele diz que a motivação que levou Gerson a dedicar a vida ao Mosteiro é a mesma que o faz permanecer ali: a tradição familiar. “Além do meu pai, meu bisavó também foi funcionário do Mosteiro. Hoje, faço faculdade de Administração e, mesmo com o diploma, não pretendo sair daqui, afinal, a história do mosteiro é também a da minha família”, afirmou.
Gerson e Alessandro veem com bons olhos a reforma do prédio, que foi iniciada em 2016. O objetivo dessa intervenção é restaurar cada um dos espaços de modo que os fiéis possam voltar a frequentar as cerimônias religiosas, além de possibilitar a realização de visitas guiadas de estudantes e pesquisadores ao local. Segundo o atual administrador do Mosteiro de São Bento, Dom Bernardo Queiroz, “não há uma previsão para que as obras sejam finalizadas, mas essas já estão na fase final, concluindo o telhado, e a próxima etapa será a recuperação da rede elétrica da igreja do complexo monástico”.
O diretor do Arquivo Público Municipal de Campos, Carlos Freitas destaca que o Mosteiro de São Bento, é um dos poucos remanescentes da arquitetura religiosa brasileira ainda de pé. “Sua restauração torna-se imprescindível para que futuras gerações possam admirá-lo e percorrer seus espaços para ter a noção do que poderia ser viver num espaço assim construído. O futuro agradecerá”, destaca Freitas.
A presidente da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL) e do Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural (Coppam), Maria Cristina Lima, também ressalta a importância que essa edificação tem para a história de Campos. “Esse prédio que data do século XVII é um dos mais significativos patrimônios históricos, arquitetônicos e religiosos de Campos, uma vez que registra o estabelecimento da fé católica na nossa cidade. A sua restauração é imprescindível para que o preservemos de modo que as novas gerações tenham conhecimento de nosso passado”, salientou Cristina.
História
De acordo com os registros dos documentos oficiais da paróquia de Nossa Senhora do Rosário, o Mosteiro simboliza a chegada a Campos, em 1635, do primeiro monge vindo do Rio de Janeiro, Frei Fernando de São Bento, para tomar posse das terras recebidas em doações. “Essa é uma das mais imponentes construções do século XVII e é considerada uma relíquia do chamado barroco tardio. Desde então, os religiosos beneditinos iniciaram em Campos ações voltadas à construção de um legado de fé e cultura promovendo o desenvolvimento da região nos aspectos social, cultural e econômico. Frei Fernando foi o primeiro deles e exercer um papel de importância na colonização da cidade, sendo o administrador das terras de Salvador Correa”, explicou Ricardo Gomes, assessor da Diocese de Campos.
Os demais religiosos que passaram por ali também contribuíram para o desenvolvimento da Baixada Campista. Ricardo destaca o monge alemão Dom Bonifácio Plum que deixou uma herança de fé e de cultura. “Ele foi o responsável por construiu, em Baixa Grande, a Igreja de Nossa Senhora das Graças, o Colégio Santa Teresinha e, em Santo Amaro, pôs de pé uma das torres da igreja do Padroeiro da Baixada Campista. Dedicado à evangelização e à catequese, Dom Bonifácio foi um religioso que deixou saudades”, concluiu.
Arquitetura
O Mosteiro de São Bento, que levou mais de 100 anos para ficar pronto, tem aproximadamente 1.970m² de área construída, suas paredes são de cal e adobe cozido e é constituído por quatro alas com cinco quartos, sala de espera, lavanderia, banheiros, cozinhas, entre outros aposentos em seu interior. Contudo, devido às más condições estruturais ocasionadas pelo tempo e também por causa da obra de restauração, a entrada no prédio não é permitida. Do lado de fora, há ainda um coreto em que, no passado, realizavam-se as festas religiosas. É importante citar que, em 1965, um incêndio destruiu as imagens e os altares em madeira, entre elas as imagens de São Bento, Santa Escolástica e Nossa Senhora do Rosário. Muitos livros que contavam a história da fé religiosa também foram queimados nessa ocasião.
Além desse conjunto arquitetônico formado pelo edifício principal (capela e convento) e do cemitério, em que estão sepultados sete religiosos que já atuaram ali, os monges beneditinos também construíram 34 capelas, espalhadas pela Baixada Campista e imediações, como em Barra do Furado e até no Açu. Dessas 34, 32 pertencem à diocese de Campos e somente duas — a igreja localizada no próprio local e outra situada no Farol de São Thomé (Igreja de Nossa Senhora das Rosas) — continuam sob a administração do Mosteiro.
A fim de preservar esse marco da cultura religiosa no município, o Mosteiro de São Bento foi tombado pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural (Coppam), órgão da Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes, através da Resolução nº 004/2012, publicado no Diário Oficial de 14 de março de 2012.
E o Arquivo Público Municipal?
Quando se fala sobre o patrimônio histórico material de Campos dos Goytacazes, uma importante edificação vem à memória: o Solar da Fazenda do Colégio dos Jesuítas, o edifício mais antigo do município, onde funciona, desde 2001, o Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho, situado na localidade de Tocos, também na Baixada Campista. No dia 27 de fevereiro de 2019, os cabos de energia do
prédio foram furtados e, desde então, esse está às escuras, prejudicando o andamento de pesquisas e a memória da cidade de Campos, do estado do Rio de Janeiro e do Brasil.
O historiador e pesquisador Carlos Eugênio Soares publicou em sua página na rede social Facebook um manifesto dos professores e pesquisadores das Instituições de Ensino Superior de Campos dos Goytacazes a favor do Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho. Em seu texto, ele solicita à Prefeitura de Campos que o problema seja solucionado “com máxima urgência”, e ainda cita outras questões como a frequente falta de água e as más condições de trabalho dos guardas e demais funcionários do local.
No manifesto, o historiador lembra ainda que o Arquivo foi criado pela Lei nº 7060 de 18 de maio de 2001 e inaugurado em 28 de março de 2002, graças ao projeto elaborado pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), com a supervisão do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ) e o apoio da FENORTE.
“Nestes 18 anos de existência, o arquivo contribuiu em muito com inúmeras pesquisas em todo o Brasil, não apenas com seus fundos documentais, tal como o Monitor Campista, que tem o acervo mais antigo e mais completo de jornais do Brasil, mas também com artefatos arqueológicos, que remontam os séculos XVII, XVIII e XIX, contribuindo para que os pesquisadores saibam como os primeiros habitantes de Campos viviam e como se desenvolveu a sociedade campista dos séculos posteriores”, frisou Eugênio Soares.
A equipe de reportagem do Jornal Terceira Via entrou em contato com a prefeitura de Campos que respondeu que “o reparo e manutenção da rede danificada está em fase de orçamento”.