Amaro conta que tem seguidores de diferentes correntes políticas em suas redes sociais e que está acostumado às discussões que suas posições ocasionalmente geram. “Apesar das discordâncias, sempre debati ideias, sem ataques pessoais, que não colaboram com o debate”, conta, relembrando a discussão que terminou com o amigo na lista de contatos bloqueados. “Fiz uma postagem logo após o fim do primeiro turno e um amigo de duas décadas veio me ofender. Não satisfeito, citou meu filho, que é uma criança, com intuito realmente de me agredir. Depois, ele me procurou. Pediu desculpas, disse que preza nossa amizade, que não deveria ter me atacado e nem envolvido meu filho. Me surpreendi com a agressividade e na defesa de um político que nem ao menos o conhece”, confessa.
Para Diego, os desentendimentos dentro da própria casa levaram a um distanciamento de familiares próximos, incluindo o pai, a mãe e o irmão. “Meu posicionamento político tem sido claro há algum tempo. Achava que minha família seria capaz de lidar com a diferença e até que ganharia alguma adesão. Mas, após as primeiras discussões, mais civilizadas, fui percebendo uma radicalização do discurso e comecei a me afastar”.
Como resultado, o professor tem evitado estar em casa tanto quanto possível. “Me sinto melhor estando no trabalho, na rua ou na casa de outra pessoa. Quando não tem jeito, fico no meu quarto e só saio se precisar”, revela Diego, que também diminuiu sua presença em redes sociais. “Praticamente não acesso mais nenhuma delas e o que posso remover de conteúdo que faça referência a mim, estou removendo”.
E é nas redes sociais que o pastor Emanuel e lideranças de sua igreja vêm enfrentando desafios no trato de convicções opostas em um momento em que “a discussão política vem se dando no campo das paixões e não da razão, como já víamos no futebol e na própria religião, por exemplo”. “Esse comportamento levou a um enfrentamento violento justamente em uma postagem condenando a violência. Percebendo que minha manifestação abriu espaço justamente para aquilo que queria combater, decidi apagá-la”, recorda.
Depois, Emanuel acabou decidindo deletar o próprio perfil por entender que as redes sociais “não são, há muito tempo, um fórum de discussões, mas uma bolha de autovalidação”. A decisão, garante, foi pessoal e outros pastores continuam tendo que lidar com as diferenças online. “Alguns são mais ativos que outros nas redes, mas todos operam dentro de um acordo de bom senso. Não entramos nesta espiral de destruição que se criou”, diz, completando: “temos visto gente de diferentes correntes ideológicas se atacando mutuamente. É feio e triste o momento em que vivemos”.
A cientista política Flávia Mendes compara esse clima de hostilidade, que põem em cheque relações até então entendidas como sólidas, a uma “espécie de guerra”, em que o discurso agressivo colabora para a polarização da sociedade. “Nossa democracia é recente e frágil, não temos instituições democráticas sólidas, há desconfiança da população em todo processo político democrático, com o agravante desse discurso de eliminação de grupos divergentes e, dos indiví-duos considerados inimigos, tudo isso, contribui para que o debate nas eleições deixem de ser a partir de ideias, para se tornar uma espécie de guerra, em que o diferente tem que ser eliminado”,
analisa.
As redes sociais e os aplicativos de mensagem são os principais vetores destes conflitos. Casos de gente que deixou ou foi expulsa de grupos familiares em aplicativos de mensagens instantâneas ou estão deixando de seguir e bloqueando amigos e parentes nas redes sociais são cada vez mais frequentes. Mas o antagonismo não fica apenas na internet. Há relatos de almoços de domingo terminando em bate-boca e pessoas policiando o que dizem para não ter problemas com o empregador ou com o colega de trabalho.
Essa sensação de confronto permanente, porém, pode afetar a saúde física e emocional de quem se vê frequentemente em atrito com pessoas próximas. Diego, por exemplo, afirma que seu estado de isolamento o levou a desenvolver um quadro depressivo. “Além de me ver na situação de evitar minha família para não escutar todo tipo de absurdo, eles esperam que eu finja que está tudo bem”, relata.
O principal resultado percebido pelo professor foi um agravamento de uma insônia pré-existente. “Já tinha dificuldade para dormir antes, mas agora tem dia que simplesmente não consigo dormir”.
De acordo com a psicóloga Nílvia Coutinho, a depressão a insônia são apenas alguns dos problemas que podem ser ocasionados pelo estresse constante. “Este estado de alerta contínuo eleva o cortisol do sangue e pode adoecer o indivíduo. Além da depressão, ele pode sofrer crises de ansiedade e de pânico, gastrite, queda de cabelo, perda de libido, problemas na pele, sofrer um acidente vascular cerebral e até desenvolver câncer”, enumera.
Os efeitos deste “nós contra eles” atingir, também, a capacidade o desempenho no trabalho, aponta a psicóloga. “A pessoa adoecida emocionalmente, tem queda de produção e capacidade de decidir comprometida. Pode se tornar relapsa e comprometer todo o ambiente de trabalho”.
Soluções
Do ponto de vista da psicologia, a solução, aponta Nílvia, passa por uma “desaceleração” e de uma reavaliação do que é realmente importante. “A palavra de ordem tem que ser desacelerar. Não se deixar levar por essas paixões e pensar quais relações são significativas. Agir da forma mais responsável e ética com os outros, enquanto se busca coisas que o permitam se reconectar a si próprio, cuidar de si. Nada vale a nossa sanidade e a nossa saúde”, pondera.
Já do ponto de vista da política, o remédio, diz a cientista política Flávia Mendes, está na própria democracia. “Há uma rejeição da importância de agir coletivamente e da importância das instituições. Então há o risco da negação da política, do anti-humanismo. O que é muito contraditório, porque democracia é a construção de um projeto político coletivo. Então, desconstruir esse pensamento é algo que passa pelo debate, pelo fortalecimento da democracia via instituições, movimentos sociais, cultura e educação”.