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Entrevista com Maria Cristina Torres Lima: ‘Presidir o Coppam é um desafio’

Para ela estabelecer o que é histórico, cultural e antigo para poder preservar o patrimônio arquitetônico de Campos

Geral
Por Ocinei Trindade
9 de julho de 2018 - 0h01

Muitos anos depois de ter sido presidente da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, autarquia municipal que leva o nome de seu pai, a professora Maria Cristina Torres Lima retornou ao cargo. Está à frente da gestão da cultura de Campos desde o início do governo Rafael Diniz. Atuante nas áreas da educação, das artes e dos eventos culturais há décadas, Cristina Lima (como é mais conhecida) encara vários desafios e busca soluções em uma pasta com orçamento cada vez mais reduzido. Nesta entrevista, ela aborda temas que são destaque na agenda do município. Além de presidir a FCJOL, Cristina Lima assumiu recentemente a presidência do Conselho de Preservação do Patrimônio Arquitetônico Municipal (Coppam), setor que é alvo de críticas e possui diversas demandas.

1- Desde 1990, a senhora participa de governos como gestora da área de Cultura em Campos, tendo participado de distintas administrações. Nesse período, existe um momento mais difícil ou mais favorável? Ou todas as gestões públicas oferecem os mesmos desafios?

Eu nunca trabalhei na abastança, sempre com a dificuldade financeira porque no nosso país, de uma forma geral, a cultura é a última que recebe e a primeira que perde. Então, nos diversos períodos, nas diversas administrações, eu sempre trabalhei com a dificuldade financeira no investimento em cultura. Fazendo um retrospecto, no primeiro governo, em 1989, de Anthony Garotinho, existia grande dificuldade, nós não tínhamos os royalties; já no governo Sérgio Mendes, os royalties apareceram, mas de forma bem menor. Depois, na fase da riqueza, que foram os prefeitos que se sucederam, o prefeito Arnaldo Viana e depois o Mocaiber, e mais recentemente ainda o governo Rosinha Garotinho, a coisa cresceu em termos de verba para investimento em cultura e eu não estava. Exceto no governo de Mocaiber, onde atuei como gerente de cultura, mas sem ordenar despesas. Então, eu estou acostumada a lidar com a falta de recurso, mas isso ao mesmo tempo que é angustiante é desafiante, porque não tendo dinheiro você tem que encontrar saída para realizar os projetos, para fazer acontecer. Tem que ser criativo, buscar parceria, estratégias e, mesmo diante às dificuldades encontradas e limitações financeiras, esta gestão nos dá autonomia para realizarmos, dentro das ferramentas que possuímos, de maneira a agregar benefícios ao município, principalmente na área da cultura.

2 – O orçamento municipal foi bastante enxugado desde o início do governo Rafael Diniz por questões de ajustes financeiros da prefeitura, e a Cultura também passou a contar com menos verba para atuar. Qual é sua previsão de orçamento anual e como esse valor tem sido investido?

O nosso orçamento de 2018 tem previsão de R$ 3 milhões, o que é relativamente muito pouco se nós pensarmos que a última Bienal, de 2016, custou de R$3 a R$ 4 milhões para dez dias de evento. Atualmente, essa verba tem sido investida em vários projetos, valorizando principalmente o artista local e na manutenção dos equipamentos culturais, que foram bastante otimizados nesse um ano e meio. Tem sido uma dificuldade muito grande, manter aberto o que temos e reabrir o que foi fechado, como o Teatro de Bolso.

3 – Atualmente, quais destaques da agenda cultural do município a senhora poderia destacar em Campos? Que dicas de arte e cultura costuma recomendar?

Eu destacaria não só as promoções da prefeitura, mas também o fomento que se instalou no município para que outras pessoas possam também fazer cultura, como é o caso da Academia Campista de Letras, a Academia Pedralva Letras e Artes, o Instituto Histórico Geográfico e a Casa de Cultura Villa Maria. É muito importante ressaltar que não só a prefeitura tem tido a liderança na promoção dos projetos e eventos, mas também tem incentivado que outras instituições realizem seus próprios projetos e eventos. Para mim, a programação do Teatro de Bolso tem sido impecável, em nível de qualidade artística, de presença de público, de formação de plateia. Já chegou o momento, que o professor Hélio Coelho, por exemplo, afirmou que há muito tempo não se sentia tão dividido quanto ir ao Trianon ou ao Teatro de Bolso, numa mesma noite. Isso para a gente é muito sintomático de que a coisa vem acontecendo. Eu indicaria também as programações do Arquivo Público Municipal, que dobrou o número de visitantes na nossa gestão. E eu falaria também do Museu de Campos.

4 – As leis de incentivos à cultura na sua opinião têm ajudado ou contribuído para a realização de projetos no município?

As leis de incentivo vêm ajudando sim, de forma tímida, mas começa a acontecer, como por exemplo, o Mercado Cultural, que contou com a Lei de Incentivo à Cultura do Estado. E como o apoio que a ONG Orquestrando a Vida vem recebendo do Grupo IMNE. A Petrobras também tem ocupado o Teatro com espetáculos de nível nacional. Já está acontecendo, mas precisa de mais robustez.

5 – O Brasil tem passado por uma longa crise política e econômica. Vários setores do país têm sido afetados. Do ponto de vista da gestão pública, como é lidar com as demandas locais que costumam contar com verbas municipais para realização de projetos e espetáculos? O carnaval, por exemplo, quando Campos voltará a realizá-lo?

Se não tem verba pública, nós oferecemos o que temos, que são os espaços, o apoio. Esse é um ótimo momento para que o artista se distancie do paternalismo público. É hora de todos nós nos reinventarmos. Nós como gestores, e o artista como promotor, que tem que ser. Por isso, a parceria tem sido importante, onde a gente dá o espaço e o artista promove e se promove, junto com a prefeitura e com a iniciativa privada, com o que puder. É o momento de nos reinventarmos juntos. Já o carnaval, como todas as outras manifestações culturais, necessita de investimento. Então, ele só vai acontecer, do ponto de vista do investimento público, quando a prefeitura tiver disponibilidade financeira. Já foi tentado a parceria público privada, com várias instituições, o que não foi à frente. Foi feita uma comissão paritária, para reestruturar o Carnaval de Campos em nível de documentação, para as agremiações estarem formalizadas e aptas a receberem verba pública.

6- Em sua opinião, como observa os movimentos artísticos no município? As pessoas têm produzido arte e cultura nas periferias, por exemplo. Como a senhora observa as novas gerações que tentam se expressar por meio de ritmos populares, grafismo, muralismo, manifestações de rua, música alternativa? O antigo e o novo têm espaço na cultura atualmente?

Todo mundo está tendo espaço e a escola nesse ponto tem um papel importantíssimo. É importante que a arte vá pelo viés da educação. Acho que é uma coisa que a gente precisa consolidar, embora esteja indo. Acredito que os movimentos estão em forma crescente e quando se fala em movimento artístico, não se fala só em coletivos, se fala em grupos de teatro, academias de dança e tudo isso está muito aquecido no momento. As pessoas voltaram a ocupar os espaços, o movimento artístico voltou a produzir e agora a gente trabalha em reconstruir as plateias que foram perdidas. O Mercado Cultural também foi um condutor e ponto de encontro dessas artes. Promovido por parceria público privada, contou com oito oficinas que juntaram todas essas formas de arte e fechou com apresentação de 200 jovens no Trianon. O antigo e o novo têm espaço, vêm até nós e os espaços estão abertos.

7 – As parcerias público-privadas são citadas em diversas realizações culturais. Este tipo de iniciativa tem funcionado em Campos e como a senhora avalia o apoio cultural que parte de empresas e apoiadores individuais?

Como disse, isso já existe, mas de uma forma ainda muito tímida. Essa é uma das diretrizes do governo, a parceria público privada, para que não onere custos ao município, na realização de ações e na cultura não é diferente, como o estudo que vem sendo desenvolvido para a reabertura dos equipamentos fechados, além de outras parcerias que alimentam a cultura, nos equipamentos hoje em funcionamento no município.

8 – A senhora acaba de ser empossada como presidente do Coppam. O patrimônio arquitetônico e os tombamentos de prédios históricos esbarram na falta de conservação e de verbas de proprietários em manter construções de valor histórico. Porém, há prédios públicos que estão em situação comprometida como o Museu Olavo Cardoso que se encontra fechado e o Palácio da Cultura com obras inacabadas desde o governo passado. Como lidar com essas questões?

Para mim, ser empossada como presidente do Coppam é uma honra, um desafio que o prefeito Rafael Diniz me concedeu. Entendo que é necessário haver uma sensibilização da comunidade quanto à preservação desses prédios, além de estabelecer a diferença entre o que é histórico, o que é cultural e o que é antigo. Nem sempre o que é antigo tem valor histórico. Em contrapartida, vemos construções mais modernas que carregam maior valor afetivo, moral e cultural. Por isso é necessário esse equilíbrio e também criar mecanismos de compensação para que o proprietário tenha como manter e lutar pela preservação do seu bem. Vamos regulamentar a lei do Coppam para que não aconteça o que está acontecendo, proprietários que têm o imóvel e nem sempre têm condições de preservá-lo ocasionando o abandono. Sobre os equipamentos da FCJOL que se encontram fechados, já há um estudo e um grupo de trabalho debruçados sobre isso e a nossa expectativa é que sejam reabertos ainda em nossa gestão.

9- Hoje, quais seriam as prioridades em se tratando de preservação do patrimônio material e imaterial de Campos?

O objetivo é prosseguir, dar continuidade ao trabalho que já vinha sendo desenvolvido de tombamento de outros bens, a partir de pesquisas históricas e com a formação de uma equipe que possa elaborar esses trabalhos, tudo em parcerias, como a do Ministério Público. Já estamos dando andamento à regulamentação do Estatuto, junto à Procuradoria Geral do Município.

10 – A senhora sempre atuou na área da educação, das artes e da gestão cultural. São bandeiras que a senhora defende. Como esses setores têm contribuído para o desenvolvimento social e intelectual do município?

Esse setor volta a contribuir agora porque, por muitos anos, a gestão de cultura foi esquecida e foi investido muito na gestão do entretenimento. Não que o entretenimento não seja essencial, até por que todos temos esse direito garantido pela Constituição, mas agora a gente volta a criar de fato a política pública cultural. Aí sim a gente volta a contribuir com o município. Hoje fazemos uma política cultural que deixa resíduo para o desenvolvimento social e intelectual do município. Essa é a política cultural que transforma.

11- Todo mundo tem sonhos e projetos na vida pessoal e profissional. Hoje, quais suas aspirações mais importantes?

Sem sombras de dúvidas, em curto prazo a entrega do museu Olavo Cardoso que foi fechado irregularmente. Não tinha necessidade de fechá-lo. Para piorar, ainda foi tirado dele o título de museu, transformando-o em centro cultural e logo após, a obra não andou e ele foi abandonado. Quando assumimos, criamos um grupo de trabalho para realização de um estudo para reforma e reabertura dos equipamentos que foram fechados, como também o Palácio da Cultura, que inclusive já passa por algumas negociações para captação de recursos através do Ministério da Cultura e do Ministério Público, que junto a prefeitura, também busca algum tipo de compensação para a retomada e entrega da obra. Vamos fazer de tudo para reabri-los em breve.

12- Na música, na literatura e na dramaturgia, quem a senhora recomenda atualmente? Como incentivar uma pessoa a consumir arte e cultura?

Tenho me surpreendido muito com os artistas da casa. Toda vez que o Teatro de Bolso Procópio Ferreira ou o Trianon recebem um artista ou uma companhia campista, a minha surpresa é das maiores, como não me surpreendia há muitos anos. Campos tem muitos poetas, músicos e demais artistas que fazem um trabalho bom, e citar só alguns aqui seria uma injustiça de minha parte. Por isso, prefiro ficar com todos que estão fazendo a boa arte na planície.