Ao caminhar pelas ruas centrais de Campos, quem tem um olhar mais atento, observa os diferentes estilos arquitetônicos das construções. São marcas de épocas distintas da cidade, desde o período colonial até o modernismo de tantas nuances do século passado. Os prédios, de algum modo, nos contam histórias de famílias e proprietários, mas, sobretudo, do próprio município. Porém, grande parte desse legado está constantemente ameaçando desabar sobre nossas cabeças. Literalmente. Há vários edifícios abandonados ou mal conservados. O que fazer?
Instrumentos de presevação do patrimônio existem. Entretanto, iniciativas privadas e de governos nem sempre funcionam como deveriam. Um exemplo é o Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campos dos Goytacazes – o Coppam, recriado em outubro de 2013 por meio da Lei Municipal nº 8487. Em 2017, o Coppam não se reuniu nenhuma vez. De janeiro a março deste ano, o memso ocorreu. O motivo? Falta de quórum. Uma nova reunião está prevista para o próximo dia 10, pela manhã. Resta saber se acontecerá.
No seu primeiro artigo, define-se: “A preservação do patrimônio histórico, cultural e natural do município de Campos dos Goytacazes é dever de todos os seus cidadãos”. Logo em seguida, a lei é acrescida de um Parágrafo Único: “O Poder Público Municipal dispensará especial proteção ao patrimônio histórico, cultural e natural do Município de Campos dos Goytacazes, segundo preceitos desta lei e de regimentos para tal editados”.
Pela lei, o Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campos dos Goytacazes é constituído por 14 membros, sendo sete representantes titulares e suplentes do governo municipal (Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, Superintendência de Cultura e Preservação do Patrimônio Histórico, Secretaria Municipal de Obras, Urbanismo Infraestrutura, Superintendência de Obras, Urbanismo, Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Secretaria Municipal de Defesa Civil, Procuradoria Geral do Município); um representante (titular e suplente) do Poder Legislativo; seis representantes (titulares e suplentes) da Sociedade Civil.
Representações do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Arquitetônico Nacional) e do INEPAC (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural) são membros natos.
Atualmente, o Coppam é presidido pelo subsecretário de Educação, Rafael Damasceno. Segundo ele, as dificuldades na transição de governo impediram maior eficiência para formar o novo Coppam, e que os conselheiros têm sido convidados para as reuniões, mas admite a falta de quórum. Para o jornalista Vitor Menezes, representante da Associação de Imprensa Campista (AIC) no Coppam, tentam-se reuniões para reativação do conselho e a retomada das políticas de conservação do patrimônio municipal. “Até agora não houve quórum suficiente. O governo não indicou os seus representantes, e isso é grave. Na parte da sociedade civil, também falta mobilização. Há casas indo para o chão o tempo todo. Falta clareza na preservação. Com o ambiente parado, isso é propício para quem não quer preservar patrimônio”, comenta.
Antipolítica de preservação
A situação de precariedade de muitos imóveis históricos de Campos preocupa o arquieto Humberto Neto das Chagas, integrante da ANFEA (Associação Norte Fluminense dos Engenheiros e Arquitetos) que também participa do Coppam. “Os problemas perpassam todos os últimos governos. Há poucas conquistas e muitas perdas. Os governos, geralmente, executam antípolítica patrimonialista do que política de preservação”, considera.
Para Humberto Chagas, a cidade de Campos dá vários maus exemplos em preservação de prédios históricos. Ele cita as dificuldades da “Lira de Apolo” (prédio semidestruído por incêndio nos anos 1990 na Praça São Salvador) que é particular, mas que não consegue recuperar o imóvel, pois não há incentivos e recursos suficientes. “É complexo falar de tombamentos. O Parque Alzira Vargas transformado em “Cidade da Criança”, é um projeto governista de Rosinha Garotinho que fere vários conceitos de preservação arquitetônica e urbanística. Gastou-se muito dinheiro, não respeitou-se a história e a preservação do lugar”, critica.
Entre outras competências do Coppam, estão promover os tombamentos dos bens e imóveis;
emitir parecer prévio sobre os atos de tombamento e destombamento; dar parecer quanto à demolição, no caso de ruína iminente, modificação, transformação, restauração, pintura ou remoção de bens e imóveis tutelados e protegidos; conceder licença para obras de edifícios tombados.
Há penalidades para quem atenta contra o patrimônio público material tombado. As multas variam de 50 a 30 mil Unidades Fiscais do Município (Uficas). São infrações graves demolição do imóvel tutelado, protegido ou tombado, sem conhecimento dos órgãos municipais e do Coppam; deixar dolosamente o imóvel tutelado, preservado ou tombado ficar em ruínas, com o propósito de justificar sua demolição.
Todavia, fazer cumprir a lei não tem sido nada fácil. A começar pelo próprio poder público municipal. Contudo, o problema atinge, em sua maioria, as propriedades particulares, como a Chacrinha ocupada por antigo solar que ficava no cruzamento das ruas Treze de Maio e Saldanha Marinho. Há mais de cinco anos, seu proprietário derrubou o imóvel para erguer um estacionamento, sem consentimento do Coppam e da Prefeitura. O investimento foi barrado por ordem judicial. O dono da propriedade também está sendo processado.
Museu Olavo Cardoso
O Museu Olavo Cardoso (MOC) inaugurado em 2006 está fechado devido ao péssimo estado em que se encontra o prédio histórico na Rua Sete de Setembro. Na época da gestão de Alexandre Mocaiber, a casa passou por obras superficiais, mas não foi restaurada, como lembra a historiadora e ex-membro do Coppam, Sylvia Paes: “Foi obra de urgência para instalação do Museu. A deterioração do prédio não foi rápida, pois já havia precariedade apontada nas varandas laterais. Com a falta de uso e de manutenção, pioraram, até chegar a cair. O abandono é a causa das ruínas dos imóveis. Eles só existem porque nós existimos neles”, define.
Quanto ao MOC, o presidente do Coppam, Rafael Damasceno, diz estar buscando junto a Termos de Ajustamento de Condutas (Tacs) do Ministério Público, verbas para reformas urgentes de conservação desse e de outros prédios, como o Palácio da Cultura, fechados há vários anos por obras inacabadas ou necesidades de obras.
Tombamentos e exemplos
De acordo com o Coppam, Campos possui 325 prédios tombados atualmente. A maioria pertence a proprietários particulares. Há intenção de ampliar a lista de imóveis a serem preservados, mas é necessário definição de metas que possam ser cumpridas dentro do que prescrevem as leis em vigor. “Vou mais além: mudar alguns detalhes dessas leis para que sejam adequadas à realidade do município”, avalia Rafael Damasceno.
O Coppam na gestão anterior concedeu incentivos aos donos de imóveis tombados com 80% de isenção no IPTU. Para o ex-presidente do órgão, Orávio de Campos, “os proprietários dos imóveis têm que ter os mesmos cuidados com os prédios como têm com a saúde”. Em antiga entrevista, Oravio destacou que o Centro Histórico da cidade é o maior centro de arquitetura eclética do Estado do Rio de Janeiro, perdendo apenas para a capital.
A servidora pública Ferdinanda Maia viveu grande parte de sua vida em uma das casas mais suntuosas da Avenida Alberto Torres, construção de 1928. O palacete com dois salões, cinco quartos, varandões e outras dependências. O imóvel não foi tombado ainda, mas faz parte de uma lista de interesses de preservação do poder público. “Considero o tombamento interessante, mas não é o suficiente para manter o patrimônio de pé. Esta casa tem quase um século e exige muitos cuidados. Os incentivos oferecidos pelos governos de se reduzir o pagamento do IPTU, por exemplo, não chegam nem perto do que se gasta para preservar um imóvel desse porte. Há um custo muito alto para manter”, afirma.
A historiadora Sylvia Paes lembra que um dos conceitos de tombamento com registros, define-se com pelo menos a presevação da fachada e do telhado. Nos últimos anos, destacam-se prédios tombados igrejas e edificações de órgãos públicos. “Há muitas queixas quandos se fala em preservação do patrimônio particular, e que mexe com valor de mercado. As pessoas não querem saber do valor histórico e de memória, mas do dinheiro no bolso”, observa.
Segundo Sylvia, Campos sempre se destacou na economia, na cultura, na sociedade política desde o período colonial. “É preciso promover orgulho do que a gente tem, e do que foi construído para nós. Muitas construções têm-se perdido no Centro da cidade, como a “Casa Terra”, única referência de arquitetura e engenharia do século 18 que tínhamos” lembra. A “Casa Terra” ficava na Rua Carlos de Lacerda e foi demolida. Seu vizinho, o antigo “Hotel Flávio” está fechado e arruinando. Passou por reforma no fim dos anos 1990, mas voltou a deteriorar. Nesta situação, estão dezenas de imóveis particulares.
Para a historiadora, não se pode comparar construções da Europa às de Campos, mas todas têm sua importância e precisam ser preservadas. “Há muitas cidades brasileiras exemplares na preservação do patrimônio arquitetônico, como Paraty, as cidades históricas de Minas Gerais e da Bahia, além de Curitiba e Belo Horizonte que cuidam de seu patrimônio e fazem deste utilidade turística que eleva a economia local”, acredita.
Ao caminhar pelas ruas centrais de Campos, os desafios não cessam. A beleza da paisagem e das construções exige cuidados. Deveres de governos e de cada cidadão que vive na cidade e olha para ela.