Dizem que o amor a gente não escolhe, principalmente quando se trata de alguém da família, como um pai, um filho, uma mãe e irmãos. Aquele sentimento tão grande e tão natural parece nascer com a pessoa e não ter explicação.
Mas e quando se sente o amor por alguém que não faz parte do nosso núcleo familiar de sangue? Será que ele pode chegar a uma dimensão tão grande, capaz de tornar o parentesco sanguíneo, um mero detalhe? Isso é muito comum em famílias com pessoas adotadas, onde o amor simplesmente surge e a afinidade e construção familiar cresce em cada experiência vivida dentro de um lar.
Talvez, a adoção seja a forma mais conhecida pela sociedade, mas existem outras famílias que surgem tão naturalmente e tão verdadeiras, quanto o processo da adoção. Este é o caso do jovem Victor Hugo Dias Bezerra Vasconcelos Barros, de 23 anos, estudante de direito. Quando ainda era menor de idade, no dia 18 de maio de 2012 substituiu o sobrenome do pai biológico pelo sobrenome do padrasto. “Nunca tive muito contato com meu pai biológico e desde pequeno, quando eu tinha dois anos, minha mãe casou com o meu padrasto. O meu pai de sangue esteve aqui na cidade há alguns anos, mas aquilo foi indiferente para mim, sempre me apresentei às pessoas com o sobrenome do meu padrasto que foi a pessoa que me criou”, disse Victor Hugo.
Ainda de acordo com o estudante, que também seguirá os caminhos do pai advogado, a possibilidade da troca do sobrenome foi apresentada pelo padrasto, Valério Vasconcelos Barros. Ao ser questionado sobre a possível troca de nome, o estudante não pensou duas vezes e decidiu pela mudança. “Acredito que meu pai biológico ainda nem saiba desta mudança, mas esta decisão foi tomada mais por uma simbologia e retribuição ao carinho e a criação que meu padrasto me proporcionou a vida inteira”, contou o estudante que foi a primeira pessoa do Estado do Rio de Janeiro a realizar este tipo de processo judicial.
O jovem também contou que na época da transição, por ser menor de idade, o Ministério Público foi ouvido, porém, como a lei era muito recente – foi criada no ano de 2009 – a promotoria foi contra a mudança, já que desconhecida da Lei 11.924/2009, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Quando finalmente consegui ter o sobrenome do meu pai, precisei mudar todos os meus outros documentos. Quando a mudança realmente aconteceu meu pai ficou muito emocionado, assim como minha mãe, que sempre teve muito diálogo comigo, me contando toda a verdade desde a minha infância, então ela me proporcionou todo o apoio para que essa troca se concretizasse”, finalizou Victor Hugo.
Segundo a defensora Rita Bicudo, o abandono paterno pode tornar possível a troca de nome. “Como o nome é um elemento da personalidade, identificador e individualizador da pessoa na sociedade e no âmbito familiar, o abandono paterno se sobrepõe ao interesse público da imutabilidade do registro, tornando-se possível a devida alteração”, explicou Rita.
A defensora ainda explica que em se tratando de adoção a maior de idade, a ação poderá ser proposta pelo adotante ou em conjunto entre o adotante e adotando. Quando se tratar de menor idade, porém, a ação deverá ser proposta pelo adotante, com o consentimento da genitora e terá que haver nos autos, provas que demonstrem o vínculo socioafetivo entre o adotante e o adotando e consequentemente ser este o melhor interesse para o menor. “Para proceder ao processo, a pessoa deve ir a juízo através de advogado ou defensor público, propondo esta demanda junto a uma das Varas de Família (adotando maior de 18 anos) ou junto ao Juizado da Infância e da Juventude (menor de 18 anos).
Nesse tipo de ação é imprescindível a atuação de equipe, de uma assistente social e psicó- logo da justiça, que se encarregam de elaborar o estudo social e a avaliação psicológica, com o fim de comprovar se existe ou não o vínculo socioafetivo e o melhor interesse para o adotando”, especificou a defensora. Rita finalizou esclarecendo que os próprios tribunais superiores já vêm entendendo também ser desnecessário o consentimento do pai biológico, nos casos de adoção de filho maior de idade por adotante com quem já firmada a paternidade socioafetiva, já que o direito discutido envolve a defesa de interesse individual e disponível de consentimento dos pais.