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Maior obra de engenharia do país no Século XIX, Canal Campos-Macaé vira esgoto a céu aberto

Com 106 Km de extensão, ele é o segundo maior canal artificial do mundo

Campos
Por Redação
4 de abril de 2017 - 14h29
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O despejo de esgoto transformou o Canal Campos-Macaé em valão (foto: Silvana Rust)

O descaso com o história de Campos produz injustiças. Talvez a maior delas seja chamar de “valão” aquele que foi o maior prodígio da engenharia brasileira no Século XIX: o Canal Campos-Macaé. Com 106 quilômetros de extensão ligando as duas maiores cidades da região, ele é o segundo maior canal artificial do mundo, perdendo apenas para o Canal de Suez, no Egito. Abandonado, ele costuma ser lembrado pelos campistas apenas pelo mau cheiro que exala no trecho urbano, sobretudo perto do Mercado Municipal.

A ideia de sua construção surgiu pela primeira vez numa obra escrita pelo bispo José Joaquim de Azeredo Coutinho em 1794. O religioso defendia uma ligação entre os rios Macaé e Paraíba do Sul, passando pelos rios Ururaí e Macabu e pelas lagoas Feia e de Carapebus, para facilitar o transporte de produtos agrícolas entre Campos e Macaé, que era feito em grande parte por carros de boi. Uma travessia por canal também eliminaria os perigos da navegação pelo litoral: eram comuns os naufrágios na foz do Rio Paraíba a caminho do Porto do Imbetiba.

A necessidade da construção do canal foi reforçada em 1843, quando a Câmara de Campos enviou um ofício à presidência da Província do Rio de Janeiro mostrando a urgência da obra. A abertura da hidrovia teria início em 1º de outubro de 1844, sob responsabilidade da Companhia União Industrial, que na época utilizava mão de obra escrava. Ao custo de 2 mil contos de réis e muitas vidas perdidas em desmoronamentos de terra, o canal ganhou sua forma ao longo de quase três décadas. Tinha 15 metros de largura e 6,6 metros de profundidade, o suficiente para receber balsas com mais de 220 metros de comprimento. Era uma façanha de engenharia tão prodigiosa que, por quatro vezes, o Imperador Dom Pedro II inspecionou as obras pessoalmente.

Em 19 de fevereiro de 1872 – 28 anos depois de iniciada a construção -, o Vapor “Visconde”, rebocando uma prancha com 11 passageiros, partia de Campos para Macaé, marcando o início da navegação no canal. O ponto de partida era a Lagoa do Furtado, localizada onde hoje está o Parque Alberto Sampaio. Em dezembro do mesmo ano, a lagoa seria interligada com o Rio Paraíba, permitindo que o canal recebesse água e, em tempos de cheia, servisse como meio de escoamento para evitar enchentes na área urbana.

Mas a grandiosidade do canal não resistiu à modernização do transporte. A utilização da hidrovia se tornou obsoleta em 1874, quando entrou em operação a ligação ferroviária entre as duas cidades. O transporte, que por via fluvial era feito em dois dias, passou a ser feito em poucas horas e a um custo menor de operação. Depois anos depois de ser inaugurado, o Canal Campos-Macaé perdia seu lugar para o trem.

Ainda hoje, alguns trechos do canal continuam preservados. Em Quissamã, ele é navegável e está integrado à paisagem rural, servindo à irrigação. Em Carapebus, cercado de matas, corta o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba. Em Macaé, atravessa uma área preservada de manguezal. Em sua foz, no entanto, ele se mistura a uma grande quantidade de esgoto e lixo doméstico.

Em Campos, sua ligação com o Rio Paraíba do Sul foi fechada na década de 1940 pelo Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS). Nos anos 80, o trecho entre as Ruas Gil de Góis e Tenente Coronel Cardoso foi coberto pelo então prefeito José Carlos Barbosa para a construção do Parque Alberto Sampaio.

Mas foi a poluição do canal que provocou sua maior agonia. Assoreado pelo grande despejo de matéria orgânica, seu leito se tornou foco de ratos e mosquitos. Percebendo o descaso e a necessidade urgente de tomar providências, um grupo de pesquisadores e ambientalistas enviou ao Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro (Inepac) um pedido de tombamento da hidrovia. No dia 30 de dezembro de 2002, ela foi tombada como patrimônio histórico.

O tombamento parece não ter significado grande coisa. Mesmo com as recentes obras realizadas pela prefeitura, que conferiram ao canal arcos modernos com iluminação artística e calçadas com acessibilidade, o despejo de esgoto e lixo continuou sendo um problema cuja solução ainda parece distante. E o Campos-Macaé – agora chamado de Nova Beira Valão – ainda aguarda seu reconhecimento histórico.

o Canal Campos Macaé era navegável

No começo do Século XX, o Canal Campos-Macaé era navegável

Especialistas apontam soluções

O arquiteto Humberto Neto Chagas acha que o fechamento do canal é a pior das opções. “Seria como varrer a sujeira para baixo do tapete”. Em sua opinião, o melhor caminho seria conter o despejo de esgoto em suas águas – um trabalho desenvolvido em conjunto pelo poder público e pela concessionária Águas do Paraíba. “O que temos hoje é o resultado de maus tratos que o canal vem sofrendo há décadas”. Humberto também defende a limpeza de seu leito no trecho urbano e a alimentação do canal com a água que corre no Paraíba. Aos críticos da proposta, ele cita o exemplo dos canais de Amsterdã, na Holanda, que são utilizados para navegação e se tornaram um atrativo turístico. Na opinião do professor e ambientalista Aristides Arthur Soffiati, o canal pode e deve ser restaurado, apesar do seu estado lamentável atual. “Cabe ao poder público manter os canais limpos e acessíveis. Nas pontas, ele deve ser despoluído, dragado e oferecido à população como área de lazer. Seria uma operação estrutural que devolveria ao valão sua condição de canal”, comenta.