Há mais de dois anos, aguarda-se o início do uso de armas de fogo pela Guarda Civil Municipal de Campos dos Goytacazes, desde a aprovação do Estatuto da GCM elaborado pelo Poder Executivo Municipal, em 15 de dezembro de 2022. Um ano depois, o prefeito Wladimir Garotinho assinou acordo de cooperação técnica entre a Prefeitura e a Superintendência da Polícia Federal, com o objetivo de autorizar porte de arma de fogo para a GCM. De acordo com o Conselho Comunitário de Segurança, ainda há incertezas sobre a implementação desse serviço armado. Há rumores de que alguns guardas estariam por conta própria tentando obter o porte junto à PF, pois, supostamente, apenas um grupo seria autorizado a usar armas no futuro. O governo negou essa intenção. Enquanto isso, especula-se como será uma GCM armada sem data definida.
No dia 7 de maio, acontecerá na CDL Campos, um encontro do Conselho Comunitário de Segurança, composto por policiais militares e civis, integrantes da Prefeitura de Campos e do Instituto de Segurança Pública. Nilthon Moulin é o atual presidente do Conselho, além de servidor municipal que presta serviço à Polícia Civil, em Campos. Ele elaborou um relatório de oito páginas para ser apresentado ao governo municipal sobre dúvidas que não foram esclarecidas até o momento de como, na prática, se dará o treinamento para armar a GCM, e se todos os integrantes da corporação terão direito a portar armas em serviço.
“Como presidente do Conselho, encaminhei um ofício para o cerimonial do prefeito para responder alguns questionamentos. A Guarda Municipal não tem comparecido já há alguns meses aos encontros do Conselho Comunitário de Segurança Pública. A GCM, por ter duas categorias, gera dúvidas de quem poderia ter porte de armas para trabalhar. Há informações de que alguns guardas estariam pagando por exame, garantindo nome em listagem que eu não tive acesso. Há muitas coisas obscuras ainda sobre essas questões”. Moulin complementa:
“Defendo que todos possam ter direito ao porte de armas, baseado na Lei Municipal nº 8.408/2013, na Decisão do STF na ADPF 995 e Lei nº 13.022/2014, e no Princípio da Proporcionalidade. Negar o porte de arma a qualquer integrante da GCM que esteja exposto aos mesmos níveis de periculosidade equivalente reconhecidos pela administração municipal poderia violar o princípio da isonomia e colocar a segurança desses agentes em risco desnecessário. Portanto, a implementação do direito ao porte de arma de fogo deve ser realizada de maneira abrangente, contemplando todos os integrantes da Guarda Municipal de Campos que cumprirem os requisitos legais e passarem pelos processos de formação e avaliação adequados”.
A reportagem procurou a GCM e a Prefeitura de Campos para falarem da situação. Por meio de nota, foi informado que a implantação do armamento da Guarda Civil segue em curso, dentro de um processo descrito como “cauteloso, monitorado, revisado, minucioso e eficaz. Todo o procedimento é acompanhado de perto pela Polícia Federal, que também supervisiona a qualificação contínua dos agentes”.
Armamento de forma gradativa
Apesar das expectativas da população e dos próprios servidores, o armamento ainda não foi efetivado na prática porque a implementação requer uma série de etapas técnicas e legais. A Prefeitura informou que não houve entraves que interrompessem o processo, mas que todos os ritos exigidos para a liberação e uso do armamento por agentes municipais estão sendo rigorosamente seguidos.
“A proposta é que o armamento dos guardas seja feito de forma gradativa. Apenas os agentes considerados aptos — ou seja, aqueles que passarem por todos os testes e treinamentos exigidos — receberão o porte. O efetivo atual da GCM é de 640 servidores, número que será ampliado com a incorporação de 180 novos guardas recém-aprovados em concurso público. Esses novos agentes, no entanto, não iniciarão suas atividades já portando armas”, diz a nota.
Ainda não há uma data exata para a conclusão de todas as etapas. O processo de armamento, conforme exemplo de outras cidades brasileiras, costuma levar de quatro a seis anos. Em Campos, a tramitação completa do projeto teve início há dois anos.
“A Guarda Municipal esclarece ainda que não autorizou qualquer servidor a arcar com custos próprios relacionados a treinamento ou aquisição de licença de porte de arma junto à Polícia Federal. Todos os treinamentos exigidos serão realizados por instrutores qualificados e no tempo apropriado, conforme determina o cronograma e as diretrizes legais do processo”, conclui a GCM.
Questionamentos sobre guardas armados
O pesquisador Roberto Uchoa tem se dedicado nos últimos anos aos temas referentes a armas de fogo e segurança pública. Ele é mestre em Sociologia Política pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), e doutorando em Portugal, atualmente. Para ele, a questão da arma de fogo deve ser compreendida não como uma solução ou como uma ferramenta de efetividade maior no trato da segurança pública.
“A arma de fogo deve ser entendida como um instrumento para ser utilizado por uma instituição de segurança pública, dentro de um contexto de uso progressivo da força. Ela não é a solução para todos os problemas. Agora, se eu acho que a utilização desse instrumento pode auxiliar no trato da segurança pública, pode sim, mas dentro de um contexto. Não simplesmente armar por armar. Quais são os grupos que utilizarão a arma de fogo? Por que utilizarão? Qual tipo de trabalho que deverá ser efetuado? É esse debate que deve ser feito, é esse planejamento que pode ter um resultado realmente eficaz na melhoria da sensação de segurança da população”, diz Uchoa.
Sobre o uso de armas pela GCM, Roberto Uchoa faz algumas considerações. “A primeira grande preocupação é entender como será o armamento dessa guarda. Serão grupos táticos? Grupos específicos de rondas? Serão todos os guardas? Terão guardas armados nas escolas fazendo patrulha escolar? É importante saber como isso vai ser implantado e qual a evidência que sustenta a implantação. A política de segurança pública deve ser baseada em evidências, e isto é algo que a gente, infelizmente, não tem feito com tanto afinco no Brasil”, pontua.
A socióloga e professora Luciane Silva, da Uenf, tem projetos e pesquisas na área de segurança pública nos estados do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro. “Percebemos que temos grandes frentes de problemas ligados à violência e à criminalidade. A questão das drogas, do tráfico de drogas, é uma delas e, para isso, a Guarda armada não resolve. Temos questões do cotidiano, briga de vizinho, briga em bar, briga em via pública. Me pergunto se a Guarda vai ter autoridade para agir nesses casos. O melhor sobre o armamento da Guarda, o único aspecto positivo, é a possibilidade de discutir que modelo de segurança pública nós queremos. O que temos visto, tanto no governo Cláudio Castro (RJ) quanto no governo Tarcisio de Freitas (SP), é um aumento das execuções em vias públicas, é um uso truculento do poder de polícia para coagir. Eu acho que isso é muito preocupante porque uma guarda sem formação sólida vai repetir os mesmos erros que a gente já tem visto com a Polícia Militar”, opina.
Ainda de acordo com a pesquisadora da Uenf, é preciso lembrar do grande aumento de casos violência doméstica e feminicídio. “Questiono se a guarda poderia ser um braço que colaborasse com o atendimento às questões de feminicídio. A gente sempre tem a possibilidade de pensar política pública em termos comparativos, que é o que importa. Ou seja, cidades com algumas características semelhantes à de Campos que armaram a sua guarda, e encontraram efetividade no combate à criminalidade. Essa é a grande questão: se será uma política pública, de fato, eficaz”, conclui.
Decisão do STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, durante sessão do dia 20 de fevereiro último, que é constitucional a criação de leis pelos municípios para que guardas municipais atuem em ações de segurança urbana. Essas normas devem, no entanto, respeitar limites, de forma a que não se sobreponham, mas cooperem com as atribuições das polícias Civil e Militar, cujas funções são reguladas pela Constituição e por normas estaduais.
De acordo com o entendimento fixado, as guardas municipais não têm poder de investigar, mas podem fazer policiamento ostensivo e comunitário e agir diante de condutas lesivas a pessoas, bens e serviços, inclusive realizar prisões em flagrante, respeitadas as atribuições dos demais órgãos de segurança pública.
Duas Guardas armadas no RJ
No Estado do Rio, a Guarda de Volta Redonda passou a usar armas de fogo em 2009. O município foi o primeiro do Estado do Rio a armar seus guardas civis.
Já Araruama se tornou o primeiro município da Região dos Lagos e o segundo em todo o Estado a contar com uma Guarda Civil armada. A solenidade de formatura de 34 agentes foi realizada no dia 20 de dezembro de 2024. O evento celebrou o encerramento de um processo que teve início há cinco anos.