Nascido no município de Natividade, no Noroeste Fluminense, que sofre grande influência de Minas Gerais, ao se pensar médico, Dr. Luiz Bandoli optou pelo concorrido vestibular da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG). O currículo do médico alergista.
Hoje, ele se divide entre Campos e Itaperuna, os dois principais polos de saúde do interior do Estado do Rio de Janeiro. Eterno pesquisador, ele sabe tudo sobre alergia e como resolver esse problema que compromete a saúde das pessoas, desde a alergia alimentar até a respiratória.
Dr. Luiz Bandoli, por esse acúmulo de saber, passa a ser articulista quinzenal do J3News, escrevendo sobre a sua especialidade médica, um tema de interesse geral. Assertivo e didático, tende a ter uma legião de leitores.
Vamos começar com o fato de que muitas crianças nascem, por exemplo, com alergia alimentar e muitas vezes não se diagnostica em um caso leve. Como é isso?
Os sintomas de alergia, de modo geral, acabam se manifestando muitas das vezes nos primeiros meses ou anos de vida, às vezes mais tardiamente, na primeira infância. Os pais não se familiarizam com aqueles sintomas leves, e muitas vezes acabam deixando passar. Mas quando os sintomas se apresentam de uma forma muito mais exagerada, fica nítido que o tratamento é necessário. Esse diagnóstico de uma forma precoce é essencial, porque lá na frente, na adolescência ou na fase adulta, isso certamente será potencializado se não tiver sido tratado.
Então, na dúvida, o correto é optar pelo diagnóstico?
Isso é uma regra de ouro, não somente nas doenças alérgicas. Vamos pensar no quadro de uma alergia alimentar, em que o paciente tem sintomas leves, como uma dermatite, uma lesão cutânea. Os pais não acham que aquilo seja motivo de preocupação. Chegará um momento em que o paciente poderá fazer uma reação um pouco mais grave.
Os pais de primeira viagem, como se diz, têm muita preocupação, exatamente nessa primeira idade da infância, mas a alergia pode se desenvolver assim no curso da vida. Está correto?
Com certeza. Vamos supor… você deve conhecer alguém que comeu camarão a vida toda e nunca teve reação alérgica. Chega à fase adulta e, ao ingerir, essa pessoa tem uma reação alérgica. Como isso acontece? À medida que ficamos longos períodos sem ingerir determinados alimentos, que temos um potencial a desenvolver alergia, o nosso corpo esquece que a proteína daquele alimento não é nociva. Com isso, ao ingerir esse alimento, uma reação alérgica pode acontecer e a pessoa passa a ter alergia àquele alimento, no exemplo aqui, o camarão. A alergia à dipirona e outros medicamentos é uma alergia que também pode se iniciar na fase adulta da vida.
Fale sobre o processo de dessensibilização?
As reações alérgicas podem acontecer por vários caminhos no nosso organismo. Nas alimentares, a gente tem a IgE mediada, que é o anticorpo da alergia que o nosso corpo produz, e a não IgE mediada, que é desencadeado por células do sistema imunológico. A IgE mediada tem como sintomas o quadro bem clássico. Podemos citar uma alergia ao leite, por exemplo. O paciente, após o contato, vai fazer um edema palpebral (que é o angioedema); pode fazer o edema de glote, que é o popular fechar a garganta; pode ter o choque anafilático, que vai gerar alterações cardiovasculares e sistêmicas. A anafilaxia é o quadro mais grave, mais severo. Esse paciente, que faz esse quadro mais exagerado, tem um aumento da IgE no exame de sangue. Para ele é indicado fazer a dessensibilização. O processo de dessensibilização vai ensinar ao organismo do paciente que ao entrar em contato com a proteína daquele alimento, não tem necessidade de ter essa reação tão exagerada. Com isso, o paciente passa a ser tolerante ao alimento que fizemos a dessensibilização.
E a alergia respiratória?
Existem pacientes, sim, propensos à alergia respiratória. Podem ter uma asma, ter uma rinite. Esse paciente tem que ser bem avaliado em consulta médica. Após a consulta, alguns pacientes têm a indicação de fazer o prick test, no qual coloca-se umas gotinhas do extrato alergênico no braço do paciente e aguardamos por alguns minutos a reação acontecer. Esse teste serve para aferir a positividade aos aeroalérgenos e assim poder indicar as vacinas para alergia, que é a imunoterapia. Então, o paciente vai fazer a imunoterapia, que é feita para ácaro, para fungo, para pelo de cão, pelo de gato, pólen de plantas, para mosquito que causam aquela reação alérgica respiratória no paciente. Com a imunoterapia, você está ensinando o organismo dele para quando entrar em contato com tudo que foi positivo no teste, ele não tenha mais a crise respiratória. O mesmo acontece com a alergia alimentar. A gente vai ofertando frações daquele alimento para o paciente de uma forma inicialmente diluída até chegar no alimento propriamente dito, reeducando o organismo dele para que quando for exposto àquela proteína não reaja.
O senhor fica no eixo Campos-Itaperuna, dois polos médicos bem consolidados. Como é isso?
Pergunta difícil, porque acho que as duas populações não se assemelham na questão epidemiológica das doenças alérgicas no modo geral. Mas aqui em Campos acaba tendo um agravante com relação à Itaperuna, principalmente no que diz respeito à parte respiratória, em consequência da queima de canaviais. Então, a gente vê justamente no período que isso ocorre, a queima dos canaviais no entorno da cidade, um aumento de casos de alergia respiratória.
Mas clinicar simultaneamente em Campos e Itaperuna é um excelente cartão de visitas para um médico jovem. Não acha?
É um excelente cartão de visita sim e me orgulho disso. A gente se divide na diversidade da forma como pode, tentando atender as demandas das duas populações da melhor forma possível.
Vamos falar mais um pouco da questão da alimentação, uma preocupação dos pais. Podemos?
Devemos. A introdução alimentar dos bebês acontece a partir, mais ou menos, no sexto mês de vida. Hoje em dia, sabemos que do sexto mês até o primeiro ano de vida, temos a janela imunológica. Nesse período você deve ofertar, introduzir na alimentação do paciente, os alimentos que têm um potencial para ser alergênico para todos. Os mais comuns são leite, ovo, frutos do mar, amendoim e castanhas de modo geral. Você vai introduzindo esses alimentos nessa faixa do sexto mês até o nono mês de vida. Feito isso, a chance do paciente desencadear uma reação alérgica no futuro é muito menor.
Tem muita gente que associa a sua especialidade com a pediatria. Isso acontece?
Sim, sim, sim. As doenças imuno-alérgicas têm também uma maior prevalência no início da vida, o que pode causar essa impressão de maior associação à pediatria. Na verdade, para você se tornar um alergista, existem dois caminhos. Fazer a residência de pediatria como base e depois fazer a residência em alergia e imunologia pediátrica. E em seguida a prova de título da ASBAI, que é a Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia. Ou então fazer a residência de clínica médica e depois outra em residência de alergia e imunologia clínica, e aí faz a prova de título. Quando você faz a prova de título, você é associado à ASBAI, estando habilitado, capacitado para atender tanto adulto quanto criança.
Falamos muito na questão alimentar no início da vida, mas com a longevidade essa questão também é importante?
Sim. Na outra ponta, a gente tem as pessoas que estão envelhecendo, ganhando mais tempo de vida. Nos congressos internacionais, e mesmo nos nacionais, esse assunto é sempre pautado: a saúde do idoso. Isso porque essas doenças que começam na infância podem se prolongar, chegando na terceira idade. Com isso, temos que estar atentos aos cuidados ao paciente idoso.
E essa questão da qualidade dos alimentos no cotidiano das pessoas?
Eu acho que com os tempos modernos as pessoas querem otimizar tudo, principalmente o tempo. Aí entram em cena os alimentos ultraprocessados. Os ultraprocessados, quando ingeridos em grande quantidade e de forma rotineira, podem comprometer o trato gastrointestinal do paciente. Isso pode causar uma inflamação, que pode ser o pontapé para as alergias alimentares, como a esofagite eosinofílica, por exemplo, que é um tipo alergia alimentar relativamente nova e que temos visto aumentar a sua predominância.
O senhor vai estrear como articulista do J3News escrevendo um artigo sobre tudo isso. Está animado?
Sim. É uma possibilidade de interagir com pais, com pessoas sobre tudo isso que conversamos aqui, abordando os avanços nesta área. Espero que os leitores gostem.