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Sexualidade e uso do celular estão na pauta para a volta às aulas

Educadores e alunos comentam polêmicas para 2025

Especial J3
Por Ocinei Trindade
15 de dezembro de 2024 - 0h01
2025|Novo ano letivo promete discussões polêmicas (Fotos: Silvana Rust)

O ano letivo de 2024 terminou com novidade polêmica em Campos dos Goytacazes. A aprovação da Lei Municipal nº 9.531 determina que as escolas devem ter autorização por escrito de pais ou responsáveis por alunos para a participação em aulas ou atividades relacionadas à orientação sexual, diversidade, identidade e igualdade de gênero, entre outros temas afins. A lei de autoria do vereador Anderson de Matos (Republicanos), sancionada pelo prefeito Wladimir Garotinho, provocou debates, apoio e críticas nas redes sociais. Outro assunto que divide opiniões é a proibição do telefone celular em sala de aula. A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 104/2015, que restringe o uso de aparelhos em escolas públicas e privadas de ensino infantil e médio. A proibição já acontece em algumas cidades e estados da federação, como São Paulo.

Em todo país|Projeto quer proibir celulares no ambiente escolar

Às vésperas da festa de formatura do Ensino Médio do Colégio Estadual Nilo Peçanha, as estudantes Ketelly Alves e Letícia Moreira falaram sobre a proibição de celulares em ambiente escolar. “Acho que o uso do celular é essencial, importante para um tipo de atividade ou algo diferente, para inovar e chamar mais a atenção. Já me atrapalhei muitas vezes. Em vez de prestar atenção na aula, estava mexendo no telefone. Porém, proibir vai criar uma grande revolta, pois é um item pessoal”, diz Ketelly. A colega de escola, Letícia, também opina: “Não concordo com proibição na escola. Em aula, fui chamada à atenção por estar mexendo no celular. Não sei se essa proibição por lei vai pegar”, cogita.

A pedagoga e especialista em Educação, Denise Tinoco, afirma que, em pelo menos 16 Estados brasileiros, o uso de celulares e outros dispositivos eletrônicos já foi proibido em sala de aula. “As autoridades brasileiras seguem estudos internacionais e experiências bem sucedidas pelo mundo afora. O Ministro da Educação, Camilo Santana, também já se pronunciou dizendo que a tecnologia é importante, mas que precisa ter seu uso limitado e supervisionado. Em alguns países, o uso de celulares é extremamente proibido dentro de todo o espaço físico da escola. Em outras situações, ele é permitido para atividades pedagógicas lideradas e supervisionadas, muitas vezes sem acesso à internet. No Brasil, a aprovação de tal Lei pelo Estado de São Paulo, revigora o debate sobre o tema e ascende a possibilidade de aprovação onde ainda existe resistência”, diz.

Denise atua no Sistema Municipal de Ensino há mais de 40 anos. “Tenho acesso às múltiplas realidades das redes pública e privada de educação. Concordo com a proibição geral do uso de celulares dentro das escolas da educação Infantil e do Ensino Fundamental. Estamos vivenciando o apodrecimento cerebral de crianças, adolescentes e, até dos adultos, com o consumo excessivo de conteúdos superficiais das redes sociais. Assim que o Estado do Rio de Janeiro ou Governo Federal proibirem, penso que os municípios poderão normatizar a matéria nas Redes de Educação fortalecendo seus Sistemas de Ensino”, sugere.

Para o psicólogo Salvador Corrêa, escolas já possuem regras sobre o uso do celular. “A educação também precisa se ocupar do debate sobre o uso consciente do celular. Talvez, o caminho não seja proibir totalmente, mas propor um uso ético e consciente. Talvez, esse debate seja mais uma oportunidade para ensinar regras e valores humanos, como o respeito”.

Vereador|Anderson de Matos (Foto: Arquivo Pessoal)

Questões sexuais nas escolas
O vereador Anderson de Matos defende com afinco a Lei nº 9.532, criada por ele e aprovada pela Câmara Municipal. “Não existe acreditar ou deixar de acreditar se a Lei vai ser colocada em prática. Está em vigor e será positivada mediante casos concretos que ocorram. Ninguém poderá se eximir do cumprimento sob nenhum pretexto. Trata-se de uma Lei justa e democrática. A fiscalização ocorrerá mediante denúncias de inobservância desta Lei”. O parlamentar do partido Republicanos complementa: “A ideologia de gênero é uma teoria feminista, sem comprovação científica, que afirma que as pessoas não nascem homem ou mulher. De acordo com eles, o gênero pode ser escolhido independentemente do sexo biológico. Temos a obrigação de propagar a filosofia do respeito, do diálogo e da compreensão na sociedade com ética e responsabilidade, debatendo qualquer assunto e expondo a visão de mundo plural para que os leitores ou ouvintes formem suas próprias opiniões. O papel da escola no desenvolvimento da criança e do adolescente menor de idade deve passar pelo crivo dos pais ou responsáveis”, afirma.

Psicóloga|Dilma Dias (Foto: Arquivo Pessoal)

A psicóloga Dilma Dias não concorda com o teor da Lei 9.532. “Ela representa um retrocesso em relação ao conceito de escola que buscamos construir. A escola não é apenas um espaço de convivência e aprendizado; ela também tem o papel de formar cidadãos éticos, conscientes e críticos, capazes de refletir sobre suas relações humanas. Quando promovemos leis que favorecem a exclusão e o preconceito, estamos nos afastando do ideal de inclusão que deveria nortear o ambiente educacional. A diversidade deve ser compreendida e respeitada. Em 2020, por exemplo, houve uma grande discussão sobre a ideologia de gênero, com materiais didáticos sendo censurados ou retirados das escolas. Embora a questão tenha perdido força em alguns aspectos, ainda enfrentamos iniciativas que buscam limitar o acesso ao conhecimento, como essa lei. Isso gera um conflito: se os pais escolhem uma escola para seus filhos, é fundamental que confiem no processo educacional da instituição. A escola e a família precisam trabalhar juntas na formação das crianças e adolescentes, sem negar o acesso ao conhecimento”, comenta.

De acordo com o psicólogo e pesquisador Salvador Corrêa, a Lei Municipal é inconstitucional. “Já há movimentos sociais com ações na Justiça. Lamentavelmente, há uma parcela da sociedade que acredita em ‘ideologia de gênero’, termo que não é reconhecido por nenhum cientista que pesquisa gênero e sexualidade. Essa lei é um retrocesso, dificulta o debate sobre violência de gênero (numa cidade que tem crimes graves de feminicídio e LGBTQIAPNBfobia). Ela expressamente proíbe trabalhar a temática de ‘igualdade de gênero’, ‘orientação sexual’, ‘identidade de gênero’, sob discurso de proteção. Quando a prevenção fracassa, a violência cresce.  Muitos dos abusos sexuais ocorrem dentro das casas e por pessoas próximas. Em ações sobre educação e sexualidade, muitos desses casos são descobertos, acolhidos, com suporte em rede. Essa lei dificulta o trabalho de prevenção nas escolas, especialmente voltada para jovens e adolescentes. Tem um impacto muito negativo para o Programa Saúde na Escola e outros projetos na educação que seguem os Parâmetros Curriculares e a Lei de Diretrizes e Bases, que organizam o sistema educacional brasileiro, em que esses temas são incluídos”.

Pedagoga|Denise Tinoco (Foto: Arquivo Pessoal)

A pedagoga Denise Tinoco questiona a Lei. “Observo o que diz o site do Supremo Tribunal Federal: ‘o direito à educação deve estar orientado para assegurar o pluralismo de ideias e combater toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão’. Além disso, o Estado brasileiro tem o dever constitucional de concretizar políticas públicas repressivas e preventivas, incluídas as de caráter social e educativo, voltadas à promoção de igualdade de gênero e de orientação sexual. O STF decidiu que as escolas públicas e privadas têm a obrigação de combater discriminações por gênero, por identidade de gênero e por orientação sexual. Também é dever das escolas combater o bullying e as discriminações de cunho machista contra meninas e homo transfóbicas, que afetam gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. Estas decisões baseiam-se em preceitos legais da Constituição Federal e Leis como a de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996 e Estatuto da Criança e do Adolescente”, destaca.

Para Denise, no cotidiano escolar, é difícil a participação das famílias junto das propostas da escola, sendo urgente estabelecer diálogo. “Conversar com as famílias apresentando os conteúdos previstos nos currículos que serão abordados nas salas de aula durante o ano letivo, são ações previstas por lei e que devem ser tarefas sistemáticas das escolas e das famílias visando o fortalecimento do ensino que é ofertado nas instituições de ensino”.

A estudante Ketelly Alves defende aulas sobre comportamento e orientações sexuais. “Eu acho muito importante. Há muitas meninas novas grávidas. É necessário saber sobre uso de camisinha e evitar gravidez na adolescência que, querendo ou não, a maioria é de risco. É importante falar sobre gênero e sexualidade para acabar com o preconceito. Pessoas preconceituosas são muito desinformadas. Assuntos sobre racismo, ideologia de gênero, religiões devem fazer parte da escola que é um lugar de ensinar”.

Secretaria de Educação
A Secretaria de Educação, Ciência e Tecnologia de Campos foi questionada sobre os dois temas. Quanto ao uso de aparelhos celulares em sala de aula. “Relatos de professores confirmam que o desempenho do aluno fica prejudicado quando o celular é utilizado sem a conotação pedagógica. Como a rede municipal de ensino atende, majoritariamente, crianças da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, a prática de uso do aparelho celular não é comum; restando apenas o grupo de Anos Finais e EJA com acesso ao celular. O banimento de uso de celular é inócuo para a maior parte do público escolar da rede municipal. Entretanto, a Seduct está finalizando uma Portaria com instruções claras e objetivas para o uso do celular em sala de aula somente para fins pedagógicos. Celulares não serão autorizados fora do contexto pedagógico. A pasta promoverá reuniões com responsáveis e campanhas internas visando ampliar a cultura da convivência social, participativa, presencial e analógica”, diz a nota.

Quanto às questões de ideologia de gênero, educação sexual e violência sexual, a Seduct limitou-se a informar que “cabe às Secretarias Municipais de Educação seguir o que está previsto na Lei que cria o Programa Nacional de Educação (PNE), que determina todas as obrigações e metas a serem cumpridas na educação básica. E a rede municipal de ensino cumpre rigorosamente essas prerrogativas e normativas”, conclui.

As entrevistas completas com o vereador Anderson de Matos e os especialistas podem ser acessadas no site do J3News ao longo desta semana.