A reportagem especial do J3News desta semana, “Sexualidade e uso do celular estão na pauta para a volta às aulas” (leia aqui) traz depoimento e observações da psicóloga Dilma Dias sobre os dois temas que repercutem entre educadores, autoridades, famílias e estudantes. Nesta entrevista, ela comenta sobre os supostos efeitos e problemas que podem acontecer no ambiente escolar com a possibilidade de proibir telefones celulares em Campos dos Goytacazes e em todo o país. Ela também analisa a Lei Municipal N° 9.532 que determina autorização por escrito de pais de alunos, para que estes possam ou não participar de aulas ou atividades que abordem gênero e temas sobre sexualidade.
O Governo de São Paulo aprovou lei que proíbe uso de celulares em sala de aula e restringe o aparelho em determinadas situações no ambiente escolar. Há debates sobre esta questão no Congresso Nacional. Como psicóloga, caso uma lei semelhante seja discutida ou votada pela Câmara Municipal ou se o Congresso Nacional, qual a sua opinião sobre isto?
Todos sabemos o quanto o uso do celular trouxe inúmeros benefícios, mas também significativos prejuízos para a saúde mental de todos nós. De certa forma, o aparelho tem gerado altos níveis de ansiedade, especialmente em relação ao tempo de resposta, curtidas e comentários nas redes sociais. Além disso, fomenta um processo de comparação constante com a vida dos outros, que pode ser extremamente prejudicial.
Na educação, os prejuízos também são evidentes. O hábito da leitura de livros foi praticamente substituído por uma leitura simplificada e superficial, muitas vezes limitada a pesquisas rápidas na internet. Essa mudança compromete a capacidade de compreensão mais profunda e reflexiva. Além disso, o famoso “copiar e colar” tornou-se comum, prejudicando o desenvolvimento do pensamento crítico e da criatividade dos estudantes.
Por outro lado, é inegável que a tecnologia, quando utilizada de forma consciente, oferece grandes facilidades, especialmente para os estudos. Porém, o uso inadequado acaba trazendo danos consideráveis. É nesse contexto que surge a importância da lei que regula o uso de celulares em ambientes escolares. Se fora das escolas já enfrentamos enormes desafios relacionados a esses aparelhos, dentro delas os impactos podem ser ainda maiores. Pesquisas e estudos mostram os prejuízos à aprendizagem, atenção, concentração e até mesmo à sociabilidade. Os jovens, imersos no mundo digital, muitas vezes deixam de interagir presencialmente, limitando suas conversas ao ambiente virtual, mesmo estando na companhia de outras pessoas.
Embora a lei seja relevante e necessária no atual cenário, talvez fosse mais adequado investir em iniciativas conjuntas entre escolas e famílias. Esse trabalho deveria focar em educar sobre o uso responsável da tecnologia, destacando que o ambiente escolar não é o local apropriado para sua utilização indiscriminada. Muitas famílias justificam a necessidade do celular como um meio de comunicação com seus filhos, mas é importante lembrar que, antes da popularização dos aparelhos, existiam outras formas eficazes de contato.
Assim, a lei se torna uma ferramenta para resgatar o foco no aprendizado. Contudo, sua eficácia depende de um esforço maior, incluindo a educação digital tanto para os alunos quanto para os pais. Em algumas escolas, principalmente particulares, a proibição do uso de celulares já era uma prática anterior à lei. No entanto, estudos mostram que muitos jovens enfrentam sintomas de abstinência ao serem privados do aparelho, reforçando a necessidade de um acompanhamento adequado para lidar com essas questões.
Portanto, além de implementar a lei, é essencial promover um trabalho educativo nas famílias para orientar sobre o uso consciente do celular. Se as famílias permitem que os filhos levem o aparelho para a escola, é fundamental definir em quais momentos ele pode ser utilizado, garantindo que a tecnologia volte a ser um facilitador e não uma distração ou fonte de danos.
Há uma discussão sobre permitir ou não o uso do celular em determinados momentos e locais da escola, como nas áreas comuns, durante os intervalos, na entrada ou na saída do turno escolar. No entanto, sabemos que os prejuízos não estão restritos à sala de aula. O uso indiscriminado também afeta a sociabilidade e, em alguns casos, pode expor os alunos a riscos, como a possibilidade de assaltos durante o trajeto de casa para a escola.
Apesar dos benefícios que a tecnologia oferece, é inegável que esses riscos existem. Por isso, a implementação dessa lei é importante, pois visa recuperar a saúde mental e a concentração dos estudantes. No entanto, a lei, por si só, não é suficiente. É necessário um trabalho educacional paralelo, focado no uso consciente e responsável do celular. O objetivo não deve ser apenas a proibição, mas também a conscientização sobre o bom uso da tecnologia.
Como avalia o uso do celular em sala de aula? Poderia apontar vantagem ou desvantagem no aspecto psicológico?
De forma mais objetiva, os principais prejuízos associados ao uso inadequado do celular incluem problemas de atenção, concentração e aprendizagem, além de um aumento na ansiedade e na baixa autoestima. Esses aspectos estão muitas vezes relacionados aos níveis de comparação entre os jovens, que acabam observando postagens de outras pessoas e se sentindo inferiores.
O bullying também é um impacto relevante. Situações vexatórias surgem quando fotos ou vídeos de alunos são compartilhados sem consentimento, com o intuito de humilhar. A sociabilidade é outro ponto crítico: muitos estudantes ficam imersos no mundo digital e não interagem diretamente com as pessoas ao seu redor.
O termo “nomofobia” — a angústia ou ansiedade gerada pela ausência do celular — ilustra um problema crescente. Alunos relatam sofrimento ao esquecerem o aparelho em casa, ficarem sem bateria ou perderem acesso à internet. Esses episódios podem gerar irritabilidade exacerbada e dificultar ainda mais a concentração e o aprendizado.
Os benefícios, embora existentes, são mais limitados e ocorrem principalmente quando o celular é utilizado com um propósito pedagógico. Sob orientação de professores, o aparelho pode enriquecer o aprendizado, permitindo pesquisas rápidas e acesso a informações culturais e acadêmicas. Contudo, esse benefício só ocorre em um contexto bem controlado.
Por outro lado, a falta de regulação amplia os malefícios. Nas escolas públicas, por exemplo, nem todos os alunos possuem celulares ou equipamentos modernos. Isso pode gerar desigualdade social, como a exclusão de estudantes que não têm acesso à tecnologia de ponta, agravando ainda mais os desafios no ambiente escolar.
Outra questão diz respeito à Lei Municipal N° 9.532, que determina autorização de pais de alunos para que estes possam ou não participar de aulas ou atividades que abordem gênero e temas sobre sexualidade. De que modo observa esta lei e o que ela pode provocar quanto à educação de crianças e adolescentes?
A respeito da Lei 9.532, considero que ela representa um retrocesso em relação ao conceito de escola que buscamos construir. A escola não é apenas um espaço de convivência e aprendizado; ela também tem o papel de formar cidadãos éticos, conscientes e críticos, capazes de refletir sobre suas relações humanas. Quando promovemos leis que favorecem a exclusão e o preconceito, estamos nos afastando do ideal de inclusão que deveria nortear o ambiente educacional.
Vivemos em tempos em que a diversidade deve ser compreendida e respeitada. Em 2020, por exemplo, houve uma grande discussão sobre a ideologia de gênero, com materiais didáticos sendo censurados ou retirados das escolas. Embora a questão tenha perdido força em alguns aspectos, ainda enfrentamos iniciativas que buscam limitar o acesso ao conhecimento, como essa lei. Isso gera um conflito: se os pais escolhem uma escola para seus filhos, é fundamental que confiem no processo educacional daquela instituição. A escola e a família precisam trabalhar juntas, em parceria, na formação das crianças e adolescentes, mas sem negar o acesso ao conhecimento.
É preocupante pensar que, ao restringir discussões sobre temas como violência de gênero, feminicídio e LGBTQIA+fobia, estamos criando barreiras para que jovens desenvolvam consciência crítica sobre essas questões. Em uma cidade como a nossa, onde índices de feminicídio e atos de preconceito são altos, a educação sobre essas temáticas é essencial para promover uma sociedade mais inclusiva e menos violenta.
A diversidade humana é uma realidade global e deve ser apresentada de forma pedagógica, com materiais adequados às faixas etárias, permitindo que crianças e adolescentes compreendam o mundo ao seu redor. Negar esse conhecimento é promover a exclusão e aumentar o preconceito. Muitas vezes, o problema não está na escola, mas na falta de supervisão familiar sobre o que os filhos acessam em casa, seja pela televisão, seja pelo celular.
O papel da escola é oferecer um ambiente pedagógico seguro e guiado, enquanto cabe às famílias apoiar e complementar essa formação dentro de casa. Quando restringimos o diálogo sobre temas relevantes e norteados por objetivos pedagógicos claros, estamos retrocedendo no que diz respeito à formação de cidadãos mais conscientes e preparados para lidar com uma sociedade diversa.
Quanto à educação sexual e abordagens de temas relacionados ao corpo, violência sexual, e até mesmo a chamada “ideologia de gênero” nas escolas de Campos, qual deve ser a orientação psicológica para escolas públicas e privadas, além de pais de crianças?
A apresentação de temas relacionados à diversidade e ao conhecimento do corpo deve ser feita de maneira criteriosa e adequada a cada faixa etária. É essencial que o processo educacional envolva a participação ativa das famílias, permitindo que elas trabalhem esses conteúdos em casa, em diálogo com o que é abordado na escola. Essa parceria entre escola e família ajuda a alinhar o que os filhos já sabem, os acessos que têm e o que é transmitido pelos cuidadores.
Muitas vezes, os pais não têm pleno controle sobre as informações que chegam aos seus filhos, seja por meio de cuidadores, seja por acessos que desconhecem. Isso torna ainda mais necessário o diálogo aberto entre escola, família e alunos. A proposta é construir essa comunicação de forma assertiva, criando um ambiente onde questões importantes possam ser discutidas de maneira saudável e segura.
No caso de crianças pequenas, por exemplo, trabalhar o conhecimento do próprio corpo não é apenas uma questão educativa, mas também uma medida de proteção. Muitas situações de abuso são veladas porque as crianças não entendem o que está acontecendo. Elas podem ter uma vaga noção de que algo está errado, mas não possuem o conhecimento ou a liberdade para buscar ajuda, já que frequentemente o agressor utiliza ameaças ou promessas para silenciá-las. Nessas situações, o abuso pode ser disfarçado como cuidado ou proteção, o que torna ainda mais difícil para a criança compreender e denunciar.
Por isso, é fundamental abordar o tema de forma apropriada a cada idade, começando pela proteção e o entendimento do próprio corpo. Isso inclui ensinar sobre limites pessoais e o respeito às diferenças. À medida que a criança cresce, esses conceitos podem ser ampliados para incluir o respeito ao corpo e à individualidade do outro, independentemente de questões de gênero.
A comunicação assertiva entre escola, família e alunos é o ponto-chave para que esses temas sejam abordados com sensibilidade e eficácia. Assim, é possível criar um ambiente de confiança, onde crianças e adolescentes possam desenvolver uma compreensão saudável sobre si mesmos e sobre o mundo ao seu redor, contribuindo para a formação de uma sociedade mais inclusiva e consciente.
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