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Psicólogo Salvador Corrêa aborda sexualidade e restrição de celular na escola

Ele encerra uma série de entrevistas baseada na reportagem especial do J3News desta semana

Comportamento
Por Ocinei Trindade
20 de dezembro de 2024 - 10h20
Psicólogo Salvador Correa (Foto: Silvana Rust)

A reportagem especial do J3News desta semana, “Sexualidade e uso do celular estão na pauta para a volta às aulas” (leia aqui) conta com a participação do psicólogo, pesquisador e ativista Salvador Corrêa. Nesta entrevista, ele comenta sobre restrição do celular no ambiente escolar, tema destacado durante a semana em todo o Brasil com aprovação no Congresso Nacional. Nesta entrevista, ele também analisa a Lei Municipal N° 9.532 que determina autorização por escrito de pais de alunos, para que estes possam ou não participar de aulas ou atividades que abordem gênero e temas sobre sexualidade.

O Governo de São Paulo aprovou lei que proíbe uso de celulares em sala de aula e restringe o aparelho em determinadas situações no ambiente escolar. O Congresso Nacional aprovou restrições também.  Como psicólogo, qual a sua opinião sobre isto?

O uso do celular na sociedade atual é inevitável.  Não é o recurso em si o problema, mas a forma como ele é usado. Nas escolas já ocorrem regras sobre o uso do celular, muitas já possuem alguma norma a respeito em seu regimento. A educação também precisa se ocupar do debate sobre o uso consciente do celular. Talvez o caminho não seja proibir totalmente, mas propor um uso ético e consciente, no momento certo, com propósito claro. Talvez esse debate seja mais uma oportunidade para ensinar regras e valores humanos como respeito.

Como avalia o uso do celular em sala de aula? Poderia apontar vantagem ou desvantagem no aspecto psicológico?

Mesmo que o uso do celular seja limitado em sala de aula, a presença das tecnologias de informação e comunicação, é, não só inevitável, como desejável. A educação se transforma assim como a sociedade.  Há autores da psicologia que defendem que estamos em um momento de revolução das TICS (como ocorreu na Revolução Industrial  –  que reorganizou as relações de trabalho impactando em toda sociedade, inclusive emergindo a psicologia como ciência).  Assim, o momento atual transforma a própria forma do educar.  É inevitável, com o advento das Inteligências Artificiais, dialogar com essa tecnologia. Uma das vantagens do uso do celular em sala de aula é produzir reflexões críticas acerca das pesquisas, aprender a perguntar melhor e, especialmente, produzir profundas reflexões sobre atitude ética e coletividades.  Talvez, um dos maiores desafios seja manter o foco dos alunos no propósito da aula, aprender a lidar com as respostas prontas (nesse sentido a tecnologia nos obriga a sair do “copiar/colar”) para um caminho de produção autêntica (por que não artística?). Nesse contexto, é crucial que ensinemos aos alunos a conexão com o que há de mais humano em si, o contato consigo mesmo em sua aprendizagem; sua capacidade de expressar seus sentimentos, valores e cultura, em todas as formas de arte.

Outra questão diz respeito à Lei Municipal N° 9.532 que “assegura aos pais e responsáveis o direito de vedar a participação de seus filhos ou tutelados em atividades pedagógicas relacionadas a ideologia de gênero nas escolas públicas e privadas localizadas no município de Campos dos Goytacazes. Como psicólogo e ativista, de que modo observa esta Lei Municipal e o que ela pode provocar quanto à educação de crianças e adolescentes?

Essa é uma lei inconstitucional e já há movimentos sociais com ações na justiça contra ela. Já sabemos que ela vai cair. Lamentavelmente, há uma parcela da sociedade que acredita em “ideologia de gênero”, termo que não é reconhecido por nenhum  cientista que pesquisa gênero e sexualidade. Essa lei é um retrocesso, pois dificulta o debate sobre violência de gênero (numa cidade que tem crimes graves de feminicídio e LGBTQIAPNBfobia como a nossa). Ela expressamente proíbe trabalhar a temática de “igualdade de gênero”, “orientação sexual”, “identidade de gênero”, sob discurso de proteção. No entanto, o que vemos é que quando a prevenção fracassa, a violência cresce (como nos lembra Sônia Corrêa). Muitos dos abusos sexuais que afetam crianças e adolescentes ocorrem dentro das casas e por pessoas próximas. Em ações sobre educação e sexualidade, muitos desses casos são descobertos, acolhidos, com suporte em rede. Estamos no Dezembro Vermelho, mês alusivo à prevenção ao HIV e AIDS. Essa lei dificulta o trabalho de prevenção nas escolas, especialmente voltada para jovens e adolescentes. Tem um impacto muito negativo para o Programa Saúde na Escola e outros projetos na educação que seguem os Parâmetros Curriculares e a Lei de Diretrizes e Bases, que organizam o sistema educacional brasileiro, em que esses temas são incluídos.

Quanto à educação sexual e abordagens de temas relacionados ao corpo, violência sexual, e até mesmo a chamada “ideologia de gênero” nas escolas de Campos, qual deve ser a orientação psicológica para escolas públicas e privadas, além de pais de crianças?

Nenhuma escola trabalha ideologia de gênero, a não ser para dizer que ela não existe, pois não é um conceito reconhecido nem por pesquisadores do campo, nem pelos documentos que regem a educação brasileira. As mães e pais precisam saber que há muita pesquisa,  métodos pedagógicos, e formas de orientação psicológicas desenvolvidas para trabalhar temáticas delicadas como corpo, desenvolvimento, inclusive que podem ter impacto na prevenção da violência sexual (por exemplo, o “Boneco Semáforo do Toque” que ensina a crianças o que é parte íntima e limites de toques).

Oriento aos pais que busquem caminhos para que a educação sexual aconteça, e para que esse tema seja trabalhado de forma respeitosa, com amor e adaptado a cada fase da vida. É importante saber que a educação liberta! Mantenha uma escuta sem julgamento cada vez que as crianças e adolescentes fazerem perguntas sobre temáticas delicadas. É importante entender que as respostas precisam estar de acordo com a fase de desenvolvimento que a criança está, considerando sua faixa etária.

Busquem os serviços de orientação sexual, caso tenham dúvidas ou receio de trabalhar esse tema. A orientação de um profissional de psicologia pode fazer a diferença quando a criança apresentar, além de perguntas, mudanças comportamentais (como insônia, medo excessivo,  ou comportamentos estranhos).

Tente não fazer julgamentos precoces ou diagnósticos prévios por conta própria. Cada criança e adolescente é um universo próprio. No serviço público, também é possível orientar adolescentes como no CDIP (Centro de Doenças Infecto-Parasitárias).

Como diz a ativista Silvinha: “Aquilo que você desconhece, amedronta”. Não deixe o medo de trabalhar temas tão delicados te paralise como pai, mãe ou profissional da educação. Que possamos disseminar informação e prevenção. Como nos lembra Paulo Freire: “A educação é um ato de amor e, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa.” Paulo Freire

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