No dia 6 de outubro, eleitores de 5.571 municípios do Brasil poderão escolher o prefeito e o vereador de sua preferência. Alguns especialistas consideram o pleito um dos mais difíceis e disputados. Este ano, em Campos dos Goytacazes, são sete candidatos à Prefeitura Municipal e 391 candidatos a vereador, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A Câmara de Vereadores local possui 25 vagas. A função do vereador nem sempre é bem compreendida pela população. No país, as campanhas costumam destacar mais os candidatos do Executivo. O papel do Legislativo também é de suma importância na democracia republicana, embora alguns eleitores não saibam precisar qual é a função de um vereador.
Nas ruas centrais, a reportagem perguntou a alguns eleitores sobre o papel do vereador e da Câmara Municipal para o funcionamento da cidade. O morador do Parque Imperial, Fábio Jordão, tem dúvidas. “Não sei bem. Acho que ele pode ajudar ao prefeito, mas eu não sei o grau. Não pesquiso muito para votar em vereador. Ainda não sei em quem votarei”, diz. A moradora do Parque São Matheus, Geovana Maria, hesita na resposta. “Creio que ele administra as coisas do bairro, faz projeto para o prefeito aprovar. A gente chega ao prefeito com a ajuda do vereador”, deduz. Já o taxista José Amaral, morador do Parque Novo Mundo, foi mais incisivo ao cogitar: “O vereador faz as leis, faz projetos de lei para a Câmara aprovar”, define.
Ainda de acordo com o TSE, o vereador integra o Poder Legislativo, atuando na Câmara Municipal. Entre suas funções estão: criar, propor e apresentar projetos de leis municipais, direcionadas para temas como transporte público, educação municipal, serviços de atenção básica à saúde, saneamento básico e determinados impostos. São atribuições do parlamentar garantir leis de matéria urbanística, como o plano diretor da cidade; qualquer lei que diga respeito à competência do município; estabelecer organização dos serviços municipais; analisar, discutir e aprovar a Lei Orçamentária Anual, enviada à Câmara pela Prefeitura, o que define a aplicação dos recursos da cidade no ano seguinte; apresentar moção de apoio ou de protesto sobre temas de interesse público; julgar as ações do prefeito.
A palavra “vereador” se origina do grego, “verea”, e significa “vereda” ou “caminho”. O vereador tem a tarefa de ligação entre o governo e o povo. De acordo com o TSE, a Constituição Federal e as leis orgânicas municipais estabelecem tudo o que o vereador pode e não pode fazer durante o mandato. Em supostos casos de irregularidades, é possível apresentar denúncias ao Ministério Público. Cabe, ainda, ao eleitor, fiscalizar o trabalho de cada vereador nas sessões ordinárias, nos gabinetes e nas manifestações ou situações públicas nos temas de interesse da sociedade.
Para Rodrigo Lira, professor da Universidade Candido Mendes (Ucam), os vereadores têm o papel de legislar as questões urbanas, mobilidades, aspectos ligados à qualidade de vida do cidadão, mas, principalmente, a fiscalização do Executivo Municipal. “Isso proporciona equilíbrio de forças no âmbito local. É uma escolha muito importante para a democracia, para a qualidade de vida dos cidadãos. Muitas pessoas escolhem pelo viés ideológico, mas, infelizmente, diante da crise de representação e de participação da democracia brasileira, a gente tem muitas vezes uma escolha fisiológica, o pior dos mundos. Há determinados políticos que não geram o retorno necessário de qualidade de vida e bem-estar para a sociedade”, analisa.
Indiferença dos eleitores
Apesar de ser relevante, nem todos os eleitores se mostram empolgados para eleger vereadores nas cidades brasileiras. Para o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), George Coutinho, o eleitorado brasileiro se mantém relativamente indiferente ao Legislativo. “Isso se dá, dentre outras razões, pela cultura política presidencialista, que coloca maior atenção dos cidadãos, e da opinião pública, sobre o Executivo. Contudo, os legislativos, incluindo a Câmara local, são essenciais. Elaboram leis, fiscalizam o Poder Executivo no sistema político moderno de freios e contrapesos, e, ainda, alocam recursos públicos, podendo atender demandas objetivas importantes de suas bases”, defende. Coutinho complementa:
“Sobre o eleitor, este vai se pautar por seus próprios interesses, sejam estes republicanos ou não. Essa diversidade é constitutiva de sociedades complexas, plurais e democráticas. Mas, se quisermos mirar em uma sugestão republicana, creio que vale olhar as demandas objetivas da cidade. O quanto o(a) candidato(a) a vereador(a) se engaja nessas questões? Demonstra conhecer os problemas concretos da cidade? Aponta sugestões críveis para ampliar o bem-estar local? Ainda, se apresenta disponível aos critérios de transparência e controle da sociedade civil sobre a Câmara? O discurso se pauta por valores e parâmetros dentro dos marcos do Estado Democrático de Direito? São questões que me ajudam a decidir em quem votar”, revela.
Outro pesquisador da UFF, José Luis Viana Cruz, observa sobre como a figura do vereador é encarada pela população em geral. “Acho que é resultado das práticas dos vereadores. Com o tempo, ela acaba vendo o vereador como alguém como um canal para conseguir alguma coisa para si, que o poder público do Executivo da Prefeitura não fornece. Há muitas faltas na cidade em quase todos os sentidos, em quase todos os campos. Há quem veja no vereador a oportunidade de acesso individual através do prestígio do vereador, e não como direito coletivo. Temos no jogo político, Legislativo e Executivo que restringem políticas públicas para atenderem a coletividade de maneira satisfatória. Há demandas e necessidades que não são atendidas para que o eleitor ou cidadão recorra a um político, e, através disso, consiga que ele seja atendido naquilo que a coletividade não é. Percebo nas ruas uma descrença absoluta e radical, de gente que não vê mais o vereador como um representante coletivo, e, sim, como um canal individual para conseguir atendimentos”, opina.
Diversidade e representatividade
A Câmara de Vereadores de Campos dos Goytacazes é uma das instituições mais antigas da cidade. Surgiu em 1652, muito antes da Proclamação da República. Em mais de três séculos, a cidade se transformou em diferentes aspectos. No entanto, em pleno século XXI, o Legislativo Municipal surpreende ao não contar com mulheres em uma das 25 cadeiras desde 2021. Há, ainda, poucos parlamentares negros. A professora de História, Elda Moura, diz que as eleições municipais, de modo geral, são muito diferentes das outras pelo fato de o eleitor poder votar em candidatos próximos dele:
“A gente ainda tem relações políticas muito clientelistas. Trata-se de uma herança da república oligárquica, ainda muito arraigada no nosso município. O clientelismo aqui é fomentado pela própria pobreza e má distribuição de renda. As pessoas não enxergam muito o vereador dentro de um partido, seja de esquerda, direita ou centro. Não se preocupam com o peso que tem a eleição de vereador e até mesmo de prefeito. As mulheres são a maioria do eleitorado e não há representantes femininas na Câmara, por exemplo”.
Para o historiador e professor da UFF, Eugênio Soares, desde o século XIX, em Campos, uma cidade com grande população negra, os poucos que tinham direito ao voto e a se candidatarem escolhiam homens brancos, velhos e proprietários para representá-los.
“Hoje, século XXI, Campos, uma cidade negra e feminina, a população continua sub-representada numa Câmara Municipal que conta com poucos (ou nenhum) representantes negros, mulheres, LGBTs , PcDs, etc. Isso diz muito sobre o nosso caminho político até aqui. O eleitor precisa estar atento para que o candidato realmente o represente e cumpra a função de fiscalizar o Executivo. Infelizmente, há séculos, parte do eleitorado é formada por diferentes clientelas que gravitam em torno de poderosos grupos políticos e, por conta dessa dependência, as escolhas são pragmáticas. E essas escolhas nem sempre são as melhores para a maioria dos representados”, conclui.