O Jornal Terceira Via desta semana destaca a reportagem “Igreja dividida pela língua e por ritos” (clique aqui). O bispo da Diocese de Campos, Dom Roberto Francisco Ferreria Paz, destaca a situação que envolve católicos tradicionalistas, moderados e progressitas atualmente. A decisão do Papa Francisco, que busca integrar fiéis e padronizar ritos litúrgicos; ao minimizar o uso do Latim em cerimônias, preferindo o idioma local, reacendeu o clima de divisão entre os fiéis. Isto já ocorreu em 1981, e fez de Campos um forte reduto de católicos conservadores do Brasil, resistentes à modernidade proposta pelo Concílio Vaticano II. Nesta entrevista, o líder católico local discorre sobre crises e conflitos.
A partir da manifestação do Papa Francisco em reprimir o uso do Latim em missas, como a Diocese de Campos pretende proceder?
Não se trata de reprimir o Latim que é uma língua oficial. O que não é mais permissivo é o rito extraordinário. Este não é só uma questão do uso do Latim e não do vernáculo. É a estrutura da teologia da missa. O Vaticano, segundo o sacrossanto Concílio fez uma reforma litúrgica que visava a participação da educação do laicato do povo de Deus para tomar consciência. Inclusive, há toda uma nova visão do sacrifício da missa, como ceia, como banquete sacrifical, como comunhão. Então, não é só o assunto do Latim, porque a missa de Paulo VI e a missa do Vaticano II o rito ordinário pode ser celebrado em Latim. Para celebrar a missa em Latim de Paulo VI não há nenhum problema. O que há é o rito extraordinário, pois quem reza em vários grupos tradicionalistas essa missa em rito extraordinário diz que é a “única verdadeira”. Estão fechados. O problema é teológico, não é de língua; é a maneira de conceber a estrutura da missa. Há um contexto conflitivo. São grupo que não aceitam mais o magistério de Francisco; não aceitam o Concílio Vaticano II. Este é o “xis” da questão, o centro do conflito. Não é só problema do Latim. Eu gosto do Latim, mas o que está em jogo é o rito extraordinário que, para esses grupos é o único verdadeiro. Eles desconhecem a validade e a legitimidade da missa de Paulo VI que, aliás, ocasionou a ruptura, o cisma de 1981 aqui em Campos.
Já é sabida a insatisfação de católicos tradicionalistas sobre a posição do papa em relação ao uso do Latim nas cerimônias. Acha que isso pode promover mais divisões e contendas?
O Papa Francisco restringiu o rito latino extraordinário para manter a unidade. Nós não podemos sob a alegação de que queremos rezar um rito, desconhecer o que foi a reforma do Concílio Vaticano II. Este foi uma nova primavera, um Pentecostes da Igreja Católica. A inculturação da fé não se limita à uma língua, ao vernáculo. É também uma linguagem simbólica, a participação do povo; é também o acesso da mulher. São várias questões que o Concílio do Vaticano trouxe, entre elas a descentralização da igreja, a importância do bispo diocesano, o laicato. Veja que o rito extraordinário defendido de uma forma ideológica, que é em si o missal extraordinário de 1962 não tem nada de equivocado naquele momento. Mas, eles estão fazendo de um uso ideológico, justamente de missal de 1962, para opor-se ao Vaticano II e as reformas trazidas por esse Concílio de renovação profunda da igreja, da pastoral. Por exemplo, o uso da palavra de Deus é fundamental; as duas mesas da missa privilegiar a eucaristia e o banquete.
Campos é uma cidade onde tradicionalistas católicos têm bastante força e adesão. Como avalia essa situação?
Eu diria que há três setores em Campos. Temos a Diocese que segue a Francisco; temos a Administração Apostólica São João Maria Vianey que também considera justificada a intervenção do Papa; e tem os tradicionalistas que estão fora dessa Administração liderada por Dom Rifan, que o hostilizam, e que até o chamam de “traidor”. Então, há esses tradicionalistas irredutíveis que já não estão dentro da Igreja Católica. Para quem não aceita o Concílio Vaticano II; quem não está com o Papa não está com a Igreja.
Campos tem dois bispos. Isto demonstra divisão ou soma dentro do catolicismo?
Na verdade, Campos não tem dois bispos diocesanos. Quem cuida da diocese e do território é um só, que sou eu. Dom Fernando Rifan, um amigo, um irmão, ele é bispo ou prelado é nomeado pelo Papa para uma circunscrição e uma administração pessoal. Ele tem jurisdição apenas sobre essas pessoas que pertencem a esse rito, e que querem permanecer nele. São duas circunscrições diferentes. Eu tenho, justamente, na pastoral jurisdição sobre eles também. Não são iguais os dois bispos. A Diocese de Campos é uma só. Claro que há certa confusão, por serem dois bispos. Seria, talvez, menos confuso, se fosse um bispo e apenas um padre responsável pela administração. Explicar isso para as pessoas é difícil, pois o cisma ainda é muito recente, foi de 1981 a 2000. Houve a paz aqui com a criação da Administração Apostólica São João Maria Vianey que foi a saída para a crise.
O senhor é a favorável ou contrário a liturgia em Latim? Por quê?
Eu não sou contrário ao Latim. O rito extraordinário agora tem mais restrições. Não foi proibido. Aqui eu não vou permiti-lo porque já existe a Administração ApostólicaSão João Maria Vianey que tem esse encargo e essa incumbência pelo próprio Papa. As pessoas que querem rezar o rito extraordinário em Latim vão na Administração Apostólica, participam de uma missa lá. Eu não farei em minhas igrejas missas do rito extraordinário. Um sacerdote que quer reza a missa em Latim não precisa pedir permissão. Volto a insistir: a polêmica não é a missa em Latim ou Português, mas rito ordinário e rito extraordinário.
Sobre a diversidade dentro do catolicismo, como observa os chamados carismáticos, progressistas (teologia da libertação) e tradicionalistas conservadores?
A palavra “católico” quer dizer universal. Sempre a Igreja Catolica comportou escolas de espirituaides e teológicas,e tendências de movimentos diferenciados, como a Renovação Carismática, que é mais que um movimento, e que tem sua importância e finalidade: o batismo no Espírito Santo, os carismas, os dons. Mas há também a Teologia da Libertação ou Teologia do Povo, descanônica, que o Papa Francisco aceita. O Papa João Paulo II considerava a Teologia da Libertação conveniente e necessária. Uma verdadeira Teologia da Libertação também é importante. Ser progressista ou ser conservador também depende do tema da circustância. Eu sou como dizia Dom Boaventura Kloppenburg, “eu sou conservador na família, na moral, na ecologia, da vida, mas sou libertador porque quero a justiça social,a reforma agrária, a democracia participativa”. Todo cristão pode ser ao mesmo tempo progressista e conservador. Acredito que ninguém progressista em tudo, e ninguém é conservador em tudo. Hoje, essa distinção depende muito do contexto, da conjuntura. Essas categorias só servem para dividir e nós precisamos mais de diálogo, um debate mais aberto, sobretudo fundamentado na Palavra de Deus, na espiritualidade. Não devemos esquecer que somos todos irmãos.
Em dois milênios a Igreja Católica atravessou várias crises. Essa última manifestação de Francisco que revê decisão de Bento 16 sobre o uso do Latim seria mais uma?
Eu não diria que estamos em crise. Há conflitos,sim. A Igreja Católica teve cismas muito mais sérios. Que se vê hoje é uma certa contestação, mas também no tempo de Paulo VI havia contestação do Concílio. Já Pio X enfrentou também opinião de grupos ultraconservadores e modernistas. A Igreja como a nave de Pedro sempre terá uma tensão com o mundanismo, isto é bíblico, a divisão no sentido negativo , não no sentido positivo da criação, mas o mundo em situação de negação a Cristo, sempre existirá uma tensão, pessoas que não compreendem. Não devemos esquecer que a oitava bem-aventurança é a perseguição pela fé. Então, uma Igreja que se diz seguidora de Cristo será perseguida e terá situações críticas de enfrentamento. Isto longe de debilitá-la ou enfraquecê-la a fortalece. Digamos que a Igerja de Laodiceia que estava toda adaptada, era conformista, nadava na riqueza; e gostava das banheiras quentes. Era uma igreja tíbia, nem cheirava, nem fedia, não fazia diferença. O pior que devemos temer é o cristianismo “light”, como mingau que não tem forma ou consistência. Precisamos de cristãos definidos. Claro, não intolerantes nem rígidos, inflexíveis, intransigentes, mas firmes e fortes na fé.
Comente ou destaque algo sobre este momento do catolicismo
O cristianismo e o catolicismo estão mudando para outros lugares geográficos, como África, Ásia, Oceania. O mais importante é essa nova evangelização que Francisco lidera. E já o primeiro papa da América Latina é um sinal dos tempos. A Igreja está justamente deixando o Ocindente e voltando-se às novas culturas, aos novos continentes. Para uns, isso é o declínio, mas vejo como o declínio de um mundo para construção de outro. Não devemos esquecer que não é a crise da igreja, mas uma crise civilizatória do próprio Ocidente, da forma de viver o cristianismo. Não é a verdadeira Igreja de Cristo que está em questão. Ao contrário. Ela é a esperança e vai navegar para águas mais profundas, que são as novas culturas, as novas populações. Quantos bilhões de pessoas ainda devem conhecer a Cristo? Devemos carregas as baterias onde ainda Cristo é desconhecido. Francisco nos propões ser uma igreha “em saída”, missionária, servidora, misericordiosa, capaz de sonhar com um futuro diferente, inclusiva para toda humanidade.