Há 37 anos, nascia em Campos, Letícia Pereira Pinto Gicovate, filha de Laura e Maurício. Com o passar do tempo, ela se tornou irmã de Paula, esposa de Fernando e mãe de Catarina. A vida deu a Letícia oportunidade de conviver com avós adoráveis, ser publicitária, redatora, figurinista de moda e escritora. Aliás, cada vez mais escritora, garante. Ela é editora da revista Nin Magazine, voltada para o nu e o erotismo feminino, expressões de arte e política. Eros, o deus do amor, se manifesta na vida e no ofício dessa geminiana.
Nos últimos três anos, Letícia Gicovate trocou o Rio de Janeiro por Nottingham, no interior da Inglaterra, para acompanhar o marido que foi cursar Doutorado. Cidadã do mundo e com o olhar apurado para o humano, a beleza, as questões políticas e sociais, Letícia se expressa de um modo muito elegante e questionador por meio dos textos e imagens que produz e exibe em páginas virtuais, impressas e em redes sociais, por exemplo.
Parte de seu trabalho pode ser acompanhada em algumas outras revistas de moda e nas mídias digitais, como da Nin Magazine que edita. Esta publicação faz referência em seu título ao sobrenome da escritora francesa Anaïs Nin (1903-1977), famosa pelo teor erótico de seus textos, e de quem Leticia Gicovate é admiradora. Em breve passagem por Campos para estar com sua família, a escritora e editora falou um pouco de sua rotina de trabalho, impressões do Brasil e do mundo contemporâneo.
Como você se apresenta profissionalmente já que realiza tantas ocupações?
Sou publicitária por formação, atuei por muitos anos como figurinista e escritora de moda. Hoje edito minha revista de arte erótica chamada Nin e escrevo crônicas sobre o cotidiano para revistas e sites como Hysteria e Glamour. Acho que estou cada vez mais escritora.
Você vive no Reino Unido há algum tempo. Como é uma brasileira “na terra da Rainha”?
Moro há três anos numa cidade no Norte da Inglaterra chamada Nottingham, acompanhando meu marido que está completando o Doutorado, dando aulas em Universidades e fazendo parte de grupos de pesquisa. De lá escrevo para revistas brasileiras, para marcas de moda como FARM e Maria Filó. Edito e distribuo minha revista de arte erótica, Nin Magazine, que atualmente está sendo vendida também em Londres, Paris, Lisboa e Berlin.
Como analisa hoje a moda nesse famoso eixo Paris-Londres-Milão-Nova York? Há outras influências de outros lugares nessa indústria?
Por muitos anos acompanhei todas as estações, como crítica de moda para o blog da marca FARM. Tinha um olhar crítico e apaixonado, traçava paralelos entre as coleções e o momento contemporâneo, mas confesso que parei. Me desencantei com os rumos que contemplavam cada vez menos originalidade e arte, e mais a venda de sub-coleções. Hoje em dia acompanho o trabalho de Maria Grazia Chiuri, a primeira estilista mulher a dirigir a Maison Dior, que está levando toques do feminismo contemporâneo para Alta Costura. Também gosto muito da feminilidade artsy do ex-parceiro dela, Pierpaolo Piccioli, para Valentino. Entre os novos nomes, sou apaixonada pela Delpozo e Rose Aussolin. E claro, estou curiosa com os novos rumos da Chanel sem Lagerfeld, de quem eu não era muito fã.
As modelos brasileiras costumam ser destaque no exterior. E nossos estilistas? Além de Ocimar Versolatto, que pertenceu a Casa Lanvin, no fim do século passado, há outro nome do Brasil que desperte o mundo da moda atual?
Estou mais atenta à criação de amigas super bacanas que estão fazendo moda autoral e de qualidade no Rio, como a Cosmo, a Verkko, Aroeira Abe, Wymann e a Os/On.
O universo da moda sempre foi cercado de glamour e falso glamour. Filmes como “Prêt-à-Porter”, de Robert Altman, e “O Diabo veste Prada”, de David Frankel, exibem um pouco essa rotina. Você confirma o que o cinema exibe?
Acho que cabem caricaturas de todas as profissões, e sim, o universo da moda tem suas afetações. Tem sempre um pouco de realidade e muito de fantasia, o que eu sempre vi foi muito trabalho duro.
Você pertence a uma família de pessoas muito bonitas. A tua mãe Laura Pereira Pinto sempre foi deslumbrante. O que é beleza para você e como lida com isto?
Sempre foi uma questão. Vou puxar a astrologia, tenho ascendente em Libra e a minha família é, de fato, bem bonita, então a beleza é presente na minha vida de forma que me sinto acima de tudo, uma esteta. Foi difícil reconhecer minha própria beleza entre as belezas mais exatas que me rodeiam. Hoje, tenho uma visão cada vez mais generosa sobre o belo e sobre mim.
A sua família possui alguns intelectuais e escritores, além de ideias muito firmes nas questões políticas, não é? Como avalia a situação do Brasil politicamente quando está dentro e fora do país?
Temos ideias muito diferentes, como acho que é hoje em todas as famílias. Mas, além da lucidez dos meus avós, e da história política dos que vieram antes, como meu tio-bisavô, o senador José Carlos Pereira Pinto, sigo concordando com minha mãe que é assistente social e com o meu tio, o escritor e pintor Antônio Carlos Pereira Pinto, deputado caçado pelo PDT na época da Ditadura Militar. Por eles serem idealistas, seguem valores sociais mais de acordo com o espectro da esquerda e muito me ensinaram.
Seu engajamento político passa também pelo seu ofício?
Com certeza. Como escritora, quando escrevo em primeira pessoa, minhas posições e ideias são bem claras. E como editora da Revista Nin o próprio ato de criar e editar uma revista de arte erótica já vejo como um super ato político.
Como é escrever sobre erotismo feminino? O público masculino também é alvo entre leitores?
Eu trato erotismo como uma celebração à natureza humana, é um convite a homens e mulheres a naturalizarem e tirarem da sombra algo que é saudável e vital. A diferença está em mostrar o erotismo e a sexualidade através do olhar feminino, com a curadoria de mulheres. Sempre tivemos nossos corpos expostos a partir da ótica e do desejo masculino, agora estamos assumindo o domínio dos nossos corpos e dos nossos desejos. Sem excluir ninguém.
Em pleno século 21, fala-se em empoderamento feminino, mas também há muitos tabus sexuais, machismo e feminicídio. Como avalia esse momento?
Infelizmente, a palavra feminismo ainda é cercada por muita falta de entendimento. Desde Betty Friedan (1921-2006), nos anos 1960, a imagem da feminista é cercada de preconceitos fantasiosos, mulheres feias, cabeludas, agressivas. Mas graças ao feminismo, hoje temos direito ao voto, ao mercado de trabalho, à liberdade de poder ser dona de casa ou executiva de uma multinacional. Com pelos, de salto alto, com maquiagem ou sem, de calça ou vestido. É a liberdade de viver a expressão da nossa natureza, gritando ou sussurrando, entre delicadezas ou sem precisar dos estigmas que calcaram a feminilidade como se entende. A natureza da mulher acolhe muitas potências, sutilezas e possibilidades. O feminismo é a luta para que possamos ser o que quisermos, em pé de igualdade com os homens e entre nós.
Se sente melhor e contente vivendo na Inglaterra? Como é a sua rotina lá? O que acha do desejo de brasileiros deixarem o país como aconteceu no governo Collor?
É triste e compreensível. A cada dia eu vejo uma nova pessoa querida se mudando, nas mais diferentes condições e para os mais diferentes lugares. Cientistas, escritores, jornalistas, professores, pessoas de todos os setores que se sentem minadas por uma política social opressiva; pela economia vigente que não imprime a menor confiança; da violência que parece estar cada vez mais escancarada e autorizada pelas autoridades e pela falta de esperanças.
Como é sua relação com a cidade de Campos e o Rio? Costuma comparar com sua cidade atual Nottingham?
Sim, comparo bastante! Gosto de depois de quase 20 anos no Rio estar morando numa cidade não tão grande e exaustiva. Por lá, gosto de andar tranquila a qualquer hora, de demorar pouquíssimo tempo pra ir de um extremo ao outro, de ter uma vida mais relaxada. Por outro lado, morro de saudades da vida cultural mais movimentada e diversa das grandes cidades. Vira e mexe escapo pra Londres, que fica só a duas horas de trem de onde eu moro.
Há alguma frase que você goste e use como lema pessoal? Cite-a.
“Não vemos as coisas como elas são, mas sim como nós somos” da minha musa Anaïs Nin.