

Ontem tive um pesadelo. Meu filho, cujo sonho era ser policial, tinha seis meses na polícia e quase nenhuma experiência mais profunda com armas de fogo, a não ser prática de tiro esportivo como diversão. Depois de rigoroso concurso público, para o qual dedicou parte de sua juventude estudando, virou delegado.
Um belo dia, ao chegar na delegacia foi informado de uma missão da qual participaria, para invadir uma favela e prender criminosos. No dia escolhido por quem manda, meu filho e mais algumas centenas de outros iguais a ele foram para o ponto de combate, cumprir o determinado. Prenderam muitos e mataram mais de cem. Nesse dia meu filho não voltou para casa, porque morreu também. Do seu lado, outros tombaram, um ficou sem a perna e há outros internados. Não era em Gaza, mas no Rio de Janeiro.
Acordei descabelado, suado e, por que não dizer, pensando nos filhos dos outros, que morreram, morrem e morrerão em todas essas batalhas. Porque elas continuarão. Há gente lucrando com elas. Da minha janela, apesar da guerra cotidiana, continuei a ver o tráfico vender drogas. Nada mudou, apesar da quantidade de sangue derramada dias antes.
Fiquei com algumas perguntas para refletir: no morro onde meu filho foi lutar e morreu, não se plantam, muito menos se produzem, drogas. De igual modo, não se fabricam fuzis. Quando, os verdadeiros dono do movimento e senhores da guerra serão procurados onde se encontram? Meu filho tinha como propósito, ao entrar na polícia, prender quem cometesse crimes, independente de quem fosse. No pesadelo, morreu de tiro, senão morreria de desgosto, porque não conseguiria fazer o que pretendia, contra quem manda. A polícia, com atuação comandada pela política, blinda essas pessoas. Ou você já viu cabo prender coronel?
A segunda das perguntas: se nada muda com a morte de várias pessoas, porque matar? Isso não passa por qualquer critério de eficiência. Imagine você, dono de uma oficina, tivesse um empregado que, para consertar oitenta carros, destruísse outros cento e vinte. Seria considerado eficiente? Você pagaria feliz a conta dos clientes com os veículos destruídos?
Por último, se quem manda defende como correta essa prática, por que não manda os seus próprios filhos para a frente de batalha? Matar filho dos outros é mole, quando é o nosso, é bom que fique apenas no pesadelo.
Meu filho chegou. Beijei-lhe a testa e lhe disse: que bom que você é médico!
“O conteúdo dos artigos é de responsabilidade exclusiva dos autores e não representa a opinião do J3News”.