Nesta entrevista, a psicóloga Camila Manhães de Sá, da Clínica multifuncional Plenitude, casada com o também psicólogo Bruno Pereira Rocha Gomes, e mãe de Gabriel, 12, e Davi, 7 anos, aborda, entre outros assuntos, o que está na pauta: a adultização por meio das redes sociais.
Independentemente de leis e regulamentações, ela cobra como ponto pacífico para resolver o problema a responsabilidade dos pais ou responsáveis.
No rol de assunto desta entrevista estão estresse, autismo, análises de pessoas com 50+ e uma gama de outros contextos relacionados à saúde mental, para a qual o mundo parece ter acordado.
Quando você identificou a necessidade de montar a Clínica em Campos?
Pude observar uma demanda crescente do meu público-alvo, com isso, o desejo de alcançar um número maior de pessoas na sociedade. Sou psicóloga clínica de formação, mas me desafiei a empreender movida por esse desejo maior. Assim nasceu a clínica Plenitude Espaço Integrado.
Essa equipe multidisciplinar é formada por quantos profissionais e de quais áreas?
Nossa clínica é formada por um corpo clínico multidisciplinar de médicos, psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, nutricionistas, psicopedagogos, neuropsicopedagogos e neuropsicólogos.
Como você encara essa coisa da adultização tão em voga no momento?
Penso que a adultização hoje está muito ligada às redes sociais, que expõem as crianças a conteúdos, comportamentos e padrões que não correspondem à sua faixa etária. Esse cenário se agrava quando há uma falta de responsabilidade dos pais. Entendo que é papel dos adultos filtrar conteúdos, estabelecer limites e orientar o uso da internet, mas o que temos visto, em muitos casos, é uma ausência de acompanhamento e presença. Ao delegar às redes o papel de entreter e educar, os pais deixam as crianças vulneráveis a influências que podem acelerar a perda da infância e trazer impactos emocionais e sociais negativos. Encaro a adultização como um reflexo da soma desses dois fatores: redes sociais que incentivam a performance precoce e adultos que não assumem sua função de guiar e proteger. Por isso, o diálogo, a supervisão e a presença ativa dos pais se tornam indispensáveis para resguardar o direito das crianças de viverem plenamente sua infância.
Como inverter esse processo das crianças na frente das telas?
Para inverter esse processo, os pais precisam dar o exemplo, limitar o tempo de uso e oferecer alternativas fora do digital, como brincadeiras, leitura e atividades em família. Mais do que proibir, é essencial estar presente, dialogar e orientar. Assim, a tecnologia deixa de ser vilã e passa a ser usada de forma equilibrada, preservando a infância e evitando questões negativas de ordem emocional.
Você falou em terceirização dos problemas por parte de muitos pais. Como é isso?
Hoje, muitas crianças crescem guiadas mais pelas redes sociais do que pelos próprios pais. Quando a educação é terceirizada para o digital, elas absorvem valores, padrões e comportamentos que nem sempre correspondem à sua idade, diminuindo o tempo de brincadeiras, imaginação e aprendizado natural. A presença dos pais continua sendo insubstituível: orientar, dialogar e criar experiências fora das telas é fundamental para que a tecnologia se torne uma ferramenta positiva, e não um substituto do afeto e da educação.
Mudando de assunto.. a demanda de tratamento de autismo aumentou em Campos?
Penso que, não só em Campos, mas de forma global, o aumento na procura por tratamentos para o autismo está ligado à maior conscientização, diagnóstico precoce, expansão de terapias especializadas e critérios diagnósticos mais amplos. Fatores sociais e ambientais, como exposição precoce a telas e redução da socialização, também contribuem para que dificuldades comportamentais e sociais sejam percebidas mais cedo, incentivando a busca por intervenções.
Embora saibamos que o autismo tenha causas neurológicas e genéticas complexas.
Os pais devem ficar atentos a que sinais para uma primeira avaliação?
Resumidamente, ficarmos atentos a sinais como dificuldade de socialização e contato visual, atraso ou dificuldade na fala, movimentos repetitivos, apego intenso a rotinas, interesses restritos e sensibilidade a sons, luzes ou toque. Quando esses sinais aparecem juntos e afetam o desenvolvimento, é importante procurar avaliação especializada
Voltando ao ambiente na clínica, qual o ganho do paciente diante de uma avaliação multidisciplinar?
O tratamento multidisciplinar oferece uma visão completa do paciente e permite intervenções personalizadas. Ao trabalhar comunicação, habilidades sociais, cognitivas e motoras de forma integrada, promove desenvolvimento equilibrado, previne complicações e aumenta a autonomia e qualidade de vida.
Você acha que as pessoas estão acordando para a necessidade de saúde mental?
Sim, há sinais claros de que a sociedade está se tornando mais consciente sobre a importância da saúde mental, mas ainda há muito caminho a percorrer. Nos últimos anos, temas como ansiedade, depressão e estresse começaram a ser discutidos abertamente, e a procura por psicoterapia e programas de bem-estar aumentou. Por outro lado, ainda existem barreiras significativas: estigma, falta de acesso a serviços de qualidade e a percepção de que cuidar da mente é secundário frente às demandas do dia a dia. A consciência está crescendo, mas precisa se traduzir em ações concretas, como investimento em prevenção, educação emocional desde a infância e integração da saúde mental ao cuidado geral da população.
Como entrar na chamada fase dos 50+? Existem pessoas nessa faixa etária que acham que é tarde para serem analisadas. O que você diria para elas?
Acho que essa ideia de “tarde demais” é um mito. A psicoterapia não tem idade limite, e iniciar um processo terapêutico após os 50 (ou qualquer idade) pode trazer ganhos enormes. Muitos adultos e idosos descobrem que conseguem lidar melhor com emoções, superar traumas antigos, melhorar relacionamentos e até encontrar novas formas de se reinventar e viver com mais propósito.
Além disso, a maturidade adquirida ao longo da vida pode facilitar a reflexão, o autoconhecimento e a aplicação das estratégias aprendidas na terapia.
Então não estaria errado em dizer que uma clínica como a sua está para a mente assim como as academias estão para o corpo?
Podemos fazer essa comparação de forma bastante clara: assim como a academia fortalece e mantém o corpo saudável, uma clínica que oferece psicoterapia ajuda a cuidar, exercitar e equilibrar a mente.O corpo precisa de exercícios físicos regulares para prevenir doenças e melhorar a performance; da mesma forma, a mente se beneficia do acompanhamento psicológico para lidar com emoções, pensamentos, estresse e desafios da vida cotidiana. Em ambos os casos, o cuidado contínuo promove qualidade de vida, bem-estar e prevenção de problemas futuros.
Vamos fechar com um tema também atual, que é a medicação tarja preta, embora saiba que isso está mais ligado à área médica. Mas você não acha que as pessoas fugindo da análise encontram um refúgio nestas drogas, como antes se fazia com o álcool?
Sim, é uma observação muito pertinente. Embora a medicação tarja preta seja essencial para muitas condições médicas e psiquiátricas, existe o risco de algumas pessoas utilizarem remédios como um atalho para lidar com questões emocionais ou psicológicas, sem buscar a reflexão e o autoconhecimento que a psicoterapia proporciona.Historicamente, o álcool ou outras substâncias funcionavam como formas de “anestesia emocional”, e hoje, em alguns casos, a medicação acaba sendo vista de maneira semelhante: como um refúgio rápido para desconfortos internos, sem necessariamente tratar a raiz do problema. O ideal é que medicação e terapia caminhem juntas, quando indicada, garantindo equilíbrio: a primeira ajuda a estabilizar sintomas, e a segunda promove compreensão, ferramentas de enfrentamento e mudanças duradouras.