Escrevo como quem olha planilha todo dia. Tarifa alta não é discurso! É preço, margem e risco.
Quando um cliente do tamanho dos Estados Unidos decide encarecer a entrada de produtos brasileiros, não estamos diante de uma “polêmica”, mas de uma mudança de regime e isso mexe com contratos, logística, formação de preço e principalmente com a produtividade.
O que é a tarifa de 50% na prática? A tarifa funciona como um imposto de importação. Parte desse custo vira preço ao consumidor lá fora e parte espreme a margem de quem exporta aqui, o quanto cada lado absorve depende de elasticidade de demanda, ou seja, o quão sensível o cliente é ao preço, do grau de competição e dos prazos contratuais. Na média, o resultado é previsível, já que há queda de volume, troca de mix, renegociação de prazos e condições. Além disso, a tarifa cria perda de eficiência, ou o famoso “peso morto” porque transações que antes eram viáveis deixam de acontecer, empobrecendo os dois lados.
Como isso bate no Brasil? O primeiro impacto é concentrado em manufaturas e bens de capital com maior intensidade tecnológica ou cadeias longas de suprimento. Também sofrem os produtos em que concorremos via preço e escala, porque o “pedágio” elimina justamente essa nossa vantagem. Setores com demanda mais inelástica, ou seja, quando o comprador precisa muito do produto, conseguirão repassar uma parte maior da sobretaxa, já os demais veem o pedido minguar e o estoque engordar.
Há um efeito secundário, pouco comentado e que considero muito importante, que é a desorganização logística. Quando o destino principal encarece, aumentam transbordos, estoques e prazos e, isso consome capital de giro, eleva frete unitário e destrói produtividade. O custo não aparece na etiqueta da tarifa, mas aparece no DRE da empresa.
E no nosso quintal? No Norte Fluminense, onde convivo com empresas ligadas a óleo & gás, metalmecânica, logística e serviços, o impacto virá de forma desigual. Cadeias integradas internacionalmente sentirão mais, quem vende insumos ou peças para fornecedores que exportam pode sofrer por tabela. Ao mesmo tempo, pode haver alívio pontual em insumos que, sem destino externo aumentam oferta interna e barateiam compras locais. É por isso que o diagnóstico precisa ser linha a linha e nada substitui olhar NCM, cliente e contrato.
O que eu faria se estivesse no governo? Negociar, não teatralizar já que objetivo imediato é ampliar exceções e calibrar danos setoriais. Retaliação barulhenta que encarece insumos importados só nos tornaria menos competitivos em casa.
Ataque micro ao custo Brasil do comércio, destravar drawback e regimes aduaneiros, digitalizar licenças ponta a ponta, reduzir cumulatividade de tributos na exportação e dar previsibilidade aduaneira. Isso melhoraria produtividade sem escolher “campeões”.
Abertura responsável, onde acelerar acordos e reduzir barreiras onde o ganho líquido para consumidor e eficiência for claro, além disso, a proteção prolongada cria setores dependentes… já a competição e escala curam.
O que eu faria se fosse empresa exportadora? Preço e hedge! Reprecificar com cláusulas de tarifa e revisar políticas de hedge para câmbio e insumos, ou seja, melhor um ajuste rápido do que sangrar margem por meses.
Portfólio e destino redesenhando o mix, subindo valor agregado onde couber, migrar itens mais sensíveis para outros mercados testando canais alternativos. Diversificação não é slogan,é seguro de receita.
Contratos e capital de giro renegociando prazos, estoques de segurança e gatilhos de revisão, ajustando o financiamento de giro ao novo lead time logístico. Quem depender do fluxo antigo vai faltar caixa.
Compliance de trade revisando a classificação fiscal, origem e documentação para evitar surpresas. Em ambiente de tarifa elevada, erro operacional sai caríssimo.
O que não funciona? Bolsa-setor com pacotes de socorro generalizados, pois criam dependência e distorcem incentivos. O setor pede ajuda na crise e resiste a contribuir na bonança, ou seja, as regras horizontais e previsíveis funcionam melhor do que “jeitinhos” temporários.
Reserva de mercado travestida de patriotismo fechando a economia para “compensar” o fechamento lá fora só repete nossos piores erros, com produtos caros, pouca inovação e produtividade estagnada.
Guerra de gestos com comunicados duros pode agradar na manchete, mas não destrava porto, não reduz lead time, não financia P&D e não baixa o custo do frete.
Minha posição:
Se a política pública quer mesmo mitigar danos, ela precisa de indicadores simples e verificáveis, tempo médio de desembaraço, custo de frete por tonelada-quilômetro, prazo de drawback, dispersão de preços entre fronteira e prateleira. O que não se mede, não melhora. E sim! Dá para perseguir metas anuais de redução desses custos sem inventar subsídio setorial.
Tarifas externas são fatos, não opiniões. A resposta madura é técnica! A solução é negociar exceções, abrir portas alternativas e reduzir nossos próprios atritos internos. Do lado das empresas, o jogo é a disciplina e resiliência somados ao caixa, contratos, portfólio e execução. Quem se ajustar mais rápido perde menos e muitas vezes, sai mais eficiente do outro lado. No fim, essa é a oportunidade para abandonar velhos atalhos. Em vez de “proteger para fortalecer”, precisamos concorrer para fortalecer. A produtividade é a nossa margem de segurança e a abertura responsável é o nosso multiplicador. O resto é ruído!