Fisioterapeuta e osteopata, ela é mestre na ciência da reabilitação. Especializada no tratamento da coluna vertebral com 30 anos de experiência, Patrícia Baracat é professora universitária e membro do Comitê de Educação da Sociedade Internacional de Ortopedia e Reabilitação das Escolioses.
Também é presidente da Associação Brasileira de Tratamento da Escoliose. Nesta entrevista, ela fala exatamente de um problema que não tem hora para aparecer: a dor, principalmente a lombar.
A fisioterapia tem avançado e conseguido resultados expressivos no tratamento desse tipo de dor, que quase todos definem como insuportável.
A fisioterapia é relativamente nova, não é isso?
Sim, a fisioterapia é muito recente. No Brasil, ela foi iniciada em 1969 então é uma profissão relativamente jovem. Mas a reabilitação já existe há muito tempo, porque os exercícios e algumas técnicas de recuperação de funções e movimentos já são descritas há milênios. Se a gente pensar que Galeno é de 130 anos depois de Cristo, podemos ter uma ideia da antiguidade da necessidade da reabilitação. Então, assim, conhecemos técnicas, principalmente sobre a coluna, como a tração sobre a coluna, de 200 anos antes de Cristo. No Brasil a fisioterapia foi decretada como profissão em 1969 devido a necessidade de um presidente ser reabilitado após, se eu não me engano, um AVC.
A longevidade das pessoas virou ponto-chave. Pessoas se preparando para o segundo tempo da vida? A demanda 50+ aumentou?
Sim. A demanda aumentou consideravelmente a partir dessa idade, mas ouso dizer que com o envelhecimento da população, com certeza, vai aumentar ainda mais no mundo inteiro; as previsões para 2050 são de muito mais pessoas idosas do que nos dias atuais. Então, sim, todas as doenças degenerativas têm aumentado em proporção, e a coluna é a que mais sofre com isso, tendo uma enorme demanda na fisioterapia. Como eu sou especialista em coluna, no meu consultório chegam pacientes de todas as idades, desde um bebê com torcicolo congênito, que pode ter sido por mal posicionamento durante o período fetal ou por razões diversas. Adolescentes com escoliose, que é uma condição da coluna comum na adolescência devido ao crescimento acelerado desta fase da vida. Adultos que podem ter uma lesão no esporte ou uma lesão por uma atividade física de alta demanda,mas também por sedentarismo, como pessoas que trabalham por período prolongado sentadas… então os dois extremos, tanto quem fica muito sentado, quanto o que faz exercício com carga excessiva e mal adaptado às condições de quem o pratica. Com o passar do tempo, a força muscular fica insuficiente para suportar o efeito do tempo sobre as estruturas articulares, os desgastes. Então, na verdade, o envelhecimento, sim, vai gerar mais necessidade de reabilitação, mas não é verdade que essa necessidade aconteça só com o envelhecimento.
Pode falar mais sobre isso?
Bom, além do envelhecimento, algumas pessoas não têm uma boa adaptação, uma boa condição física, são sedentários e falta boa estrutura de sustentação para o corpo. O corpo foi feito para se manter em movimento, ossos, músculos e articulações foram feitos para isso, para nos transportar, permitir funções de vida diária. Nós devemos nos mover ao longo do nosso dia. Não nascemos sentados, não nascemos para ficar sentados. Nossa condição bípede é uma condição que nos permite grande liberdade articular para o movimento. E, infelizmente, a tecnologia também fez com que as pessoas se movimentassem menos.O celular está na sua mão. Eu quando era criança, por exemplo, tinha que atravessar a minha casa inteira para chegar ao telefone fixo. Hoje, o telefone está na mão, o controle remoto está na mão, o computador, tudo… Imagina o trabalho que a gente tinha quando era mais jovem, quando era adolescente para se comunicar, brincar com os amigos, hoje os adolescentes jogam deitados em suas camas, falam com amigos em ligações de grupo das suas casas, sentados ou deitados, não há movimento. Cada vez a gente tem menos demanda de movimento. E isso está afetando diretamente a coluna, nosso esqueleto e mobilidade.
O que você recomenda para as pessoas que estão passando os 50 em termos de atividade física?
Eu recomendo o que a pessoa gosta de fazer. O pilates é muito legal. Ele tem algumas indicações bastante específicas. Vai fortalecer a coluna, o que é fantástico e vai gerar mobilidade. O pilates é um bom exercício. Mas não é só ele. Eu gosto muito de pensar no que a pessoa gosta de fazer. O que eu pergunto ao meu paciente é o que você quer fazer. E a minha função é dar condições à pessoa de fazer aquilo que ela quer. Por exemplo, tem pessoas que gostam mais de estar ao ar livre, gostam de fazer exercícios ao ar livre. Nesse caso, uma caminhada é fantástica, uma corridinha, nadar. Tem pessoas que gostam de esportes como tênis, beach tênis. O ideal é adequar a atividade física ao gosto da pessoa para que haja o prazer em fazer. O esporte com prazer é um benefício enorme, liberando os hormônios de bem-estar no nosso corpo. Isso faz muita diferença em relação à saúde mental, à qualidade de vida. Mas essa atividade tem que ser feita de uma maneira correta e segura. é importante preparar o corpo dessa pessoa para o esporte que ela quer.
Você tem se notabilizado muito pelo tratamento da dor. Como é essa questão da dor?
A dor é mais complexa do que se imaginava antigamente. Hoje, nós sabemos que a dor tem uma característica multidimensional. O que quer dizer isso? A dor tem seus aspectos biológicos, como lesão, por exemplo. Tem uma lesão, aparentemente, tecidual, ou uma lesão sobre o sistema nervoso. E isso, nós consideramos analisando os aspectos biológicos da dor. Existem os aspectos psicológicos também e sociais também. As crenças, a cultura, o trabalho, vida social, vida em família. Tudo isso influencia na percepção da dor e deve ser considerado.
Como enfrentar isso?
Analisar como a pessoa reage aos estímulos do ambiente. Então, imagina assim, você tem a sua memória, as suas experiências culturais, os seus enfrentamentos de infância, as suas experiências emocionais, medo, crenças incapacitantes e isso interfere em como você percebe a dor. Também consideramos aspectos sociais, como é que é a vida de cada pessoa, qual é o ambiente que ela trabalha. Se é um ambiente de estresse ou um ambiente agradável. Ambiente familiar, se tem amigos. Tudo tem que ser analisado porque pode estar impactando na melhora ou piora de uma pessoa que tem dor crônica. Precisamos entender que uma pessoa sofre influência de todos esses fatores, então eu percebo a dor diferente do que você percebe. Cada um reage de uma maneira e, quando a gente trata, a gente precisa considerar todos esses aspectos.
Essa coisa da sugestão?
Às vezes, as pessoas chegam para mim e falam assim: ‘Patrícia, eu tô sentindo muita dor, eu vou viajar e eu preciso estar bem nessa viagem’. E eu já começo a rir e falo assim: “não, você vai estar bem na viagem, sabe por quê? Você está feliz com essa viagem. Essa viagem vai ser boa para você. Você está indo porque você quer’. É claro que a gente vai tratar a parte biológica, mas o fato de a pessoa estar inspirada, sentindo prazer em fazer a viagem, é um fator super positivo sobre a sua percepção de dor. Isso sempre acontece. Na maior parte das vezes não sente dor na viagem, porque está sentindo prazer. O bem-estar psicológico faz com que ela perceba menos os estímulos nocivos, os estímulos ruins.
E quando é lesão?
As lesões agudas são diferentes, mais relacionadas ao aspecto biológico, inflamatório ou não, mas devem ser tratadas de acordo com a indicação e diagnóstico médico e diagnóstico funcional de responsabilidade do fisioterapeuta. Obviamente de forma individual e personalizada. Importante observar o movimento que gera a dor ou que a pessoa não consegue executar.É Também deve haver uma abordagem complexa e multidimensional. Muitas vezes pode haver envolvimento também do momento pelo qual o indivíduo está passando você estar estressado ou deprimido, isso faz com que os seus músculos se contraiam, isso gera pequenos focos de inflamação e aumenta a dor, impactando no tratamento de forma negativa. Precisamos estar atentos e estarmos abertos a uma escuta ativa ao paciente.
Essa pequena dor na coluna, que começa a partir dos 40 anos, e que pode ser minimizada com medicamentos. Com o tempo isso se agrava?
Sim, agrava porque você está apenas anestesiando. Você está diminuindo a dor. Algumas vezes, existe uma dor primária. A dor é a própria doença. Mas quando a dor é secundária, existem danos. Você está inibindo essa dor continuamente. A dor pode ser o sinal de alguma lesão; usar analgésico é perigoso, porque você está simplesmente falando para o seu corpo ‘vamos continuar do jeito que está’ e certamente o problema vai se agravar.
Dor ou dores hoje fazem parte do vocabulário das corporações, do mundo dos negócios para definir problemas. O que acha disso?
A dor é uma palavra curta e forte. Todo mundo entende a dor como uma coisa ruim. No mundo corporativo também se usa diagnóstico, e a dor é um sintoma ruim. A gente entende a dor como talvez uma coisa boa, porque a dor é um alerta, é um alarme, então, quando você busca encontrar o porquê da dor, você está buscando um caminho para resolver o problema. Buscando uma solução. Então, se pensarmos dessa forma, a dor, negativa em um primeiro momento, pode te levar a uma solução, que é positiva.
A medicina, com seus diagnósticos de imagem, melhorou o tratamento das dores em sua área?
Sim. É uma evolução, uma ferramenta. Quando existe dano no tecido, e esse dano é grave, a medicina com sua evolução é algo bem importante. Mas é bom frisar que nem todo problema que você vê na imagem é causa de dor. Existe um estudo com 3.110 pacientes e que inclusive programei uma aula sobre isso. Usei esse estudo. Então, você vê pessoas assintomáticas, ou seja, zero dor, com degeneração da coluna, que elas nem sabiam que tinham, que descobriram por acaso. Então não podemos ligar sempre danos teciduais como as artroses, por exemplo, a presença de dor, pode não haver nenhuma relação de causa e efeito.