O mês de abril é marcado no país e no mundo pela luta por mais empatia e inclusão para as pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). No dia 2 de abril, é celebrado o Dia Mundial de Conscientização Sobre o Autismo.
A data foi estabelecida no calendário da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2007, com o intuito de difundir informações para a população e, desta forma, combater a discriminação e o preconceito que cercam as pessoas afetadas pelo transtorno.
De acordo com o Senado Federal, a estimativa é de que haja, no mínimo, 2 milhões de pessoas com TEA, mas o país ainda não dispõe de números oficiais sobre o contingente real. No último Censo Demográfico divulgado pelo IBGE, em 2022, foram inseridas pela primeira vez questões específicas sobre o tema.
O Governo Federal publicou no último dia 2 de abril que agora o TEA faz parte da Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência. “São mais de R$ 540 milhões investidos na rede de cuidados. Mais acesso, mais inclusão, mais direitos garantidos”, disse a publicação.
Realidade em Campos
Em resposta à reportagem, a Prefeitura de Campos declarou que a rede municipal de ensino atende, atualmente, cerca de 1.100 alunos com diagnóstico de TEA.
Mais de 1.180 famílias atípicas (com TEA e outros transtornos) são assistidas por três entidades conveniadas com a Prefeitura: Associação de Pais e Pessoas Especiais (Apape), Associação de Pais, Amigos dos Excepcionais (Apae) e Associação de Proteção e Orientação aos Excepcionais (Apoe). O dado foi apurado pela reportagem do J3News na última semana, em conversas com representantes de cada uma das instituições.
A cidade sedia ainda o maior projeto esportivo para pessoas com deficiência do país: o Paraesporte, que hoje assiste 400 famílias vinculadas à Apape, Apae e Apoe, promovendo a inclusão por meio da prática de várias modalidades esportivas.
A Apape, por exemplo, atende atualmente no Centro de Referência do Autismo 400 famílias, inscritas no programa de proteção social especial para pessoas com deficiência. O atendimento com equipe transdisciplinar especializada trabalha em cumprimento à Lei Berenice Piana, que institui a Política Nacional dos Direitos da Pessoa com TEA. Em parceria com a Fundação CDL, pessoas assistidas pela entidade, já com autonomia desenvolvida, são encaminhadas ao mercado de trabalho, recebendo a oportunidade do primeiro emprego.
Em maio do ano passado, a primeira-dama Tassiana Oliveira visitou as dependências do Centro de Referência de Atendimento e Monitoramento de Portadores de Doenças do Neurodesenvolvimento, situado na Cidade da Criança. De acordo com o município, o equipamento passava por obras de reforma e melhorias, para se tornar um dos serviços do Programa NeuroAção. Depois da visita, o município não fez novas atualizações sobre o funcionamento do espaço.
Ao contrário do ano passado, em 2025 a Prefeitura não realizou nenhum evento aberto ao público no dia 2, em menção à luta pela causa. Ao menos, nada que tenha sido divulgado.
Programação na cidade
A principal iniciativa em Campos em menção ao Dia Mundial do Autismo, foi o evento promovido na última quarta-feira (2) – pelo quinto ano consecutivo – pelo vereador Leon Gomes (PDT), no Jardim São Benedito. Pai atípico, Leon é uma das principais representatividades engajadas na causa no município, desde que assumiu o primeiro mandato na Câmara de Vereadores, em 2021. Com o tema “Inclusão é regra”, o encontro reuniu famílias típicas e atípicas, com atividades interativas, brinquedos, diversão e especialmente, inclusão.
“A ideia é mostrar que se pode fazer inclusão com pouco. Porque às vezes se diz que é necessário gastar muito para isso, o que não é real. Depende do olhar, da empatia. A nossa luta é para que tanto o poder público como a sociedade em geral entendam que é importante abrir espaço para momentos de lazer como esse. Porque não é o que acontece nos outros dias do ano”, pontua. E acrescenta:
A realidade é que pais e mães atípicos no dia a dia dificilmente têm a oportunidade de levar seus filhos em uma pracinha da cidade, em um parquinho dentro de um shopping, porque não são oferecidos a estrutura e o suporte necessários, nem há empatia da sociedade. E essas famílias acabam ficando isoladas em suas casas. O que é muito ruim. Porque uma criança atípica precisa da convivência com crianças típicas para desenvolver a socialização fora do seu universo”, diz.
Dias antes do evento, a maquiadora Ester Gomes, mãe atípica, fez um relato emocionado nas redes sociais e chamou atenção para o significado de falar do dia 3 de abril, bem de todos os outros dias seguintes e todo o ano, para o avanço da luta pela causa.
“Com o dia 2 chegando, a gente fica observando as movimentações nas escolas, nos consultórios, toda uma programação especial. Sou mãe do Benjamin, uma criança autista, e quero falar aqui sobre o dia 3 de abril. Sim, o dia 3. Porque é nesse dia que tudo volta ao normal para a nossa família e de milhares de mães e pais atípicos. Não adianta vários setores e segmentos fazerem a melhor programação possível na semana específica, se durante todo o resto do ano a família atípica não tiver o acolhimento, a escuta, que ela realmente merece. O dia 3 de abril sempre chega outra vez. E com ele, chegam juntos a indiferença, o preconceito, a discriminação dos nossos filhos”, alertou.
Empatia mais que necessária
A Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde destaca que embora algumas destas pessoas possam viver de forma independente, existem outras com deficiências severas que precisam de atenção e apoio constante ao longo de suas vidas.
“As intervenções psicossociais baseadas em evidência, tais como terapia comportamental e programas de treinamento para pais, podem reduzir as dificuldades de comunicação e de comportamento social e ter um impacto positivo no bem-estar e na qualidade de vida de pessoas com TEAs e seus cuidadores. As intervenções voltadas para pessoas com TEAs devem ser acompanhadas de atitudes e medidas amplas que garantam que os ambientes físicos e sociais sejam acessíveis, inclusivos e acolhedores”, indica o órgão federal.
Desafio diário
Taiane da Conceição é mãe da pequena Rafaela Pereira, de 4 anos. Durante o evento no Jardim São Benedito, ela encantou a equipe de reportagem pela sua relação com instrumentos musicais.
“Ela é seletiva com alguns barulhos, mas adora música. A gente vem de Baixa Grande duas vezes por semana para ela fazer o acompanhamento com fonoaudióloga, terapia, atividades pedagógicas. Desde dezembro, começou a se desenvolver bastante, soltando a voz, se comunicando melhor e socializando bem melhor também. Só de vê-la se desenvolvendo assim, vale a pena cada desafio diário” disse Taiane.
Kissila Souza é mãe do Ravi, também de 4 anos. Ela conta que tem visto seu filho avançar muito, mas sente falta de mais suporte do município.
“Ele entrou na Apape com 1 ano, sem andar e sem falar. Hoje, já desenvolveu bastante nos dois sentidos. Sinto falta de mais eventos assim, para que as crianças atípicas possam interagir melhor e se adaptar na sociedade. Ele estuda em uma escola da rede pública. Tem cuidadores, mas não tem mediadores. Seria importante que tivesse. Mas é uma realidade difícil. Temos que solicitar e passar por todo um processo burocrático”, relata.
Paula Sales é mãe da Bianca, de 3 anos. Ela detalha que no percurso de luta diária com a filha enfrentou várias dificuldades na rede pública.
“Entre os seis e os nove meses ela parou de interagir, não olhava nos olhos. Comecei a investigar, precisei trocar três vezes de pediatra na rede pública, até ter o diagnóstico, quando ela estava com 11 meses. Com encaminhamentos em mãos, não consegui vaga na rede para neuropediatra, otorrino, entre outras especialidades. Com 1 ano, ela entrou na Apape. A terapia foi um divisor de águas e hoje sabemos que ela é uma autista com QI elevado. Forma palavras, conhece formas geométricas, lê em inglês e espanhol”, comenta.
Michele Quitete é mãe do Luiz Miguel, de 6 anos, autista nível 2 de suporte. Ela conta que percebeu os primeiros sinais de autismo quando ele tinha 6 meses de vida.
“Ao amamentar, ele não olhava nos meus olhos. Outro sinal, foram os flaps com as mãozinhas. Foi chegando o primeiro aniversário, ele não fez o 1 aninho com o dedinho, como é normal nessa idade. Começou a andar e andava muito nas pontas dos pés e fazia flaps com as mãos. Não falou as primeiras palavras no tempo ‘ideal’, e isso foi chamando cada vez mais minha atenção para o autismo. Quando ele fez 1 ano e 6 meses, o levei na neuropediatra e já começamos as terapias e ela pediu que voltássemos quando ele tivesse 2 anos. Retornando, fechamos o diagnóstico”, conta.
Ela complementa ainda, falando sobre a rotina que tem hoje com Luiz Miguel, da importância de ter o suporte da mediação na escola onde ele estuda, e finaliza apontando seus maiores desafios na rotina diária:
“Temos uma rotina puxada devido às terapias. Ele faz Terapia Ocupacional, Psicóloga, Fonoaudióloga, Psicopedagoga, Psicomotricidade e Equoterapia, durante toda a semana. Também pratica esporte: Natação e Takewondo. Estuda à tarde em uma escola particular, onde com muito esforço consegui uma mediadora para ele, que é de suma importância na vida de uma criança atípica. Assim, ele consegue ser incluído na turma e participar de todas as atividades, tendo alguém que o oriente mais de perto, respeitando as suas necessidades e promovendo a inclusão. O nosso maior desafio é a inclusão, o que é muito lindo nas redes sociais, mais no dia a dia não acontece”, completa.
Posicionamento da Prefeitura
Segundo a Prefeitura, em 2025 a Secretaria de Educação já convocou cerca de 470 mediadores por meio de processo seletivo simplificado. Segundo o secretário Marcelo Feres, esses profissionais estão em fase de exames admissionais e estão sendo encaminhados para as unidades escolares.
Feres acrescentou ainda que em 2022 foi criada a Escola de Aprendizagem Inclusiva, onde é oferecido reforço escolar para crianças típicas e atípicas, incluindo os autistas. Por fim, ele afirmou que foram adquiridas vans escolares adaptadas e conjunto escolar adaptado para utilização dos alunos com necessidades educacionais especiais.
Já a subsecretária de Ciência e Tecnologia, Tânia Alberto, destacou que, em 2023 e 2024, 44 escolas municipais receberam recursos no valor total de R$ 904 mil, do Programa Sala de Recursos Multifuncionais. A iniciativa aconteceu por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), vinculado ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.
J3News reconhecido na Câmara pelo engajamento
Na abertura dos trabalhos da Câmara Municipal neste ano, no dia 18 de fevereiro, o vereador Leon Gomes apresentou como a sua primeira indicação na Casa de Leis uma moção de aplausos ao J3News, com destaque para o programa Manhã J3, pela atuação e o engajamento na pauta da inclusão da pessoa com deficiência.
“Dentre tantos veículos de comunicação na nossa cidade, o grupo J3News tem sido o único a abrir espaço para debater o assunto de verdade. Não está preocupado somente com audiência, mas também em dar voz a inúmeras famílias atípicas. Pela primeira vez de fato, no interior do Estado, existe uma emissora que está comprometida a dar voz a quem por muito tempo esteve calado”, declarou Leon, destacando a apresentadora Gabriela Lessa e o diretor do J3, Fábio Paes, pelos serviços prestados.
O papel da sociedade
Psicóloga, psicopedagoga e neuropsicóloga, Jéssyka Gomes é especialista no assunto e chama atenção para a importância da sociedade ter mais conhecimento sobre a neurodiversidade, para que assim a inclusão possa acontecer nos mais diversos espaços.
“O autismo é um universo vasto e único. Cada pessoa com TEA tem suas próprias cores, formas de sentir o mundo, comunicar-se e se relacionar. Conscientizar-se sobre o autismo é entender que não há um único jeito de existir no mundo. Cada criança tem sua própria forma de brilhar, e nosso papel é ajudar todas a encontrar esse brilho”.
A importância do papel da sociedade foi destacada também neste início de mês pela página “Dois Filhos Autista”, dedicada à maternidade atípica.
“Abril nos lembra da importância da conscientização sobre o autismo, mas a inclusão verdadeira acontece todos os dias. O respeito não pode ser passageiro, e a empatia não pode ter prazo de validade. Pessoas autistas não precisam de aceitação. Eles precisam de oportunidades, acessibilidade e um mundo que compreenda suas singularidades”, enfatizou.