O esporte tem o poder de transformar vidas, e, em Campos dos Goytacazes, o projeto social Boxe de Favela tem sido uma ferramenta valiosa para a mudança de realidade de crianças e jovens da comunidade da Baleeira. Sob a liderança de Denis Junqueira Cerqueira, mais conhecido como Denis Cica, 34 anos, o projeto oferece aulas de boxe olímpico abertas à comunidade. Mais do que ensinar técnicas esportivas, a iniciativa promove a inclusão social e contribui para o desenvolvimento físico e mental dos participantes, criando novas oportunidades para quem busca um futuro melhor através do esporte.
O projeto, que começou em 2018 em São Francisco de Itabapoana, cidade natal de Denis, ganhou força em 2021, quando foi transferido para a Baleeira. Hoje, com o apoio da Prefeitura de Campos, o Boxe de Favela atende cerca de 15 alunos por treino, com destaque para uma equipe de 12 atletas que já competem em nível estadual.
O caminho até a Baleeira
A história do projeto de Denis Cica tem tantas provações quanto as do seu coordenador. A iniciativa começou na época em que Cica ainda morava em São Francisco, mas estudava Educação Física em Campos. De acordo com o atleta, por ser um município menor, foi difícil implementar um esporte diferente do futebol. “Comecei a dar aula de boxe particular aqui em Campos. Daí, algumas academias começaram a me ligar, e tive a ideia de tirar o projeto de São Francisco e botar nas comunidades Campos”, conta.
Antes de chegar à Baleeira, Cica tentou viabilizar o projeto na comunidade da Tira Gosto, mas enfrentou dificuldades com horários e falta de interesse dos pais. “As crianças se dividiam muito, e os pais não olharam para o boxe como uma coisa muito atrativa. Na Baleeira, a comunidade abraçou a ideia. As crianças começaram a participar, os pais a apoiar, e o projeto ganhou vida”, relata. Atualmente, a iniciativa atende cerca de 15 alunos por treino, que vem de diversas localidades, como a comunidade de Tamarindo e Guarus, e até dois atletas que vieram de Maricá exclusivamente para treinar com o grupo.
Desafios e conquistas
As lutas enfrentadas por Denis Cica e pelos participantes do projeto não são apenas no ringue. O maior adversário é a falta de recursos. “Falta material de treino, de proteção, de segurança e transporte para viajar. Muitas vezes, os atletas usam equipamentos doados e já desgastados”, explica Cica. Além disso, a falta de recursos financeiros dificulta a participação em competições fora da cidade. “Precisamos de apoio para transporte, hospedagem e inscrições. São jovens com grande potencial, mas que precisam de condições para evoluir”, completa.
Mesmo com os desafios, o projeto já conquistou resultados significativos. Pietro, um dos atletas mais destacados, está invicto em cinco lutas e se prepara para o Campeonato Estadual. “É o atleta que mais participou de evento porque o projeto começou só com ele. O Pietro é um atleta da favela Tamarindo, que treina com a gente na Baleeira. Ele vai entrar na categoria cadete, que vale vaga para Brasileiro, então ele entra para a primeira competição séria da carreira”, diz. Outros nomes, como Alexandre, Enzo e Douglas, também mostram talento e dedicação. Denis destaca que neste ano busca superar as limitações para estruturar uma equipe competitiva. “A falta de recursos não é motivo pra desanimar. Treinamos como se tivéssemos tudo, com motivação como se estivéssemos na Seleção Brasileira, a gente quer muito e os atletas estão bem empenhados, estão treinando muito”, comenta.
Além das conquistas, o projeto de Denis também organizou a primeira edição do evento “Boxe de Favela”, que reuniu mais de duas mil pessoas em uma quadra. Segundo Denis, a segunda edição já está em planejamento.
O impacto
O projeto não transforma apenas os atletas, mas toda a comunidade. “Os pais relatam que os filhos melhoraram na escola, estão mais disciplinados e respeitosos. O boxe trouxe uma nova perspectiva para essas crianças”, afirma Cica. Além disso, o projeto promove a inclusão de idosos, pessoas com síndrome de Down e autismo, e tem o objetivo de oferecer atividades de psicomotricidade para crianças a partir de 6 anos.
Cica destaca a importância do esporte na formação dos jovens. “O esporte traz oportunidade para as crianças. Ele promove um ambiente onde elas podem explorar seus sentimentos, desenvolver sua personalidade e aprender valores como disciplina e respeito”, explica. Ele também ressalta o papel do projeto em oferecer uma alternativa ao cenário de vulnerabilidade social. “Muitas dessas crianças acordam cedo e já estão de frente para a boca de fumo. O boxe dá a elas uma opção diferente, uma chance de seguir um caminho melhor”, diz.
O futuro
Cica sonha em expandir o Boxe de Favela para outras comunidades e formar novos treinadores. Para isso, ele busca parcerias e apoio de empresários e instituições. “Precisamos de um ringue, equipamentos adequados e recursos para viagens. O potencial desses jovens é enorme, mas precisamos de estrutura para que eles possam brilhar”, conclui.
O objetivo imediato é preparar os 12 atletas de alto rendimento dentro do projeto para o Campeonato Estadual de Boxe, que acontece em fevereiro. “Estamos na fase final de preparação. Os atletas estão quase no peso ideal, e agora focamos no treino tático e técnico”, explica Cica. Ele também planeja ampliar o projeto para incluir crianças a partir de 6 anos. “O trabalho com desenvolvimento infantil é essencial. É nessa fase que descobrimos talentos e ajudamos as crianças a se desenvolverem”, diz.
Para conseguir levar esses jovens ao nível competitivo, é fundamental o apoio da comunidade ao projeto. “A comunidade precisa valorizar e apoiar o projeto. Os pais têm um papel fundamental nisso, ajudando a desenvolver as ideias e incentivando os filhos a seguir no esporte”, afirma. Ele também destaca a necessidade de conscientização sobre a importância do projeto. “Muitas vezes, as pessoas só apoiam quando o atleta já é campeão. Precisamos mostrar que o apoio no início é crucial para que esses jovens possam chegar lá”, diz.
Início no futebol, futuro no boxe
Denis Cica é atleta de Boxe Olímpico, graduado em Educação Física com especialização técnica pela Associação Brasileira de Boxe e capacitado treinador pela Federação de Boxe do Estado do Rio de Janeiro (FEBOX). Com sua trajetória esportiva no futebol, Cica passou por diversos clubes no Rio de Janeiro e São Paulo antes de encontrar sua vocação no boxe. Em 2008, ingressou no Flamengo com apenas 17 anos de idade, e no ano seguinte foi para a ProFut, em Niterói. Ainda em 2010, chegou a jogar no Goytacaz, retornando ao clube em 2011 após uma passagem por São João da Barra. Também atuou em equipes de São Paulo, como Guariba, Inter de Bebedouro e Francana, além do Atlético Guassuano, da região de Campinas.
Em 2015, ainda jogando futebol pelo Búzios, ele começou a treinar boxe com mais frequência. Seu contrato havia terminado, mas começou a trabalhar pelo clube fazendo a preparação física em categorias de base. Durante as férias acabou se lesionando no joelho. Na época, Denis morava sob uma academia de boxe, “Achei muita coincidência ter uma academia em cima da minha casa. Comecei a praticar frequentemente, de manhã, de tarde, depois comecei a fazer amizade com o treinador, amizade com outros atletas de boxe. Não quis mais voltar pro futebol, achei que tinha me encontrado ali”, conta.
Tendo essa experiência competitiva pelos dois esportes, Cica destaca a disparidade da estrutura entre o futebol e o boxe no Brasil. “O futebol tem facilidade de conquistar tudo e no boxe, como não é tão popular, ele pega mais comunidades carentes, favelas, guetos, então não atrai muito o olho do empresário”, lamenta. Enquanto o futebol recebe investimentos e profissionalizações do cenário, o boxe depende, em grande parte, de iniciativas solidárias.