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Carla Tavares: Experiência de vinte anos de polícia

Nova titular da 134ª DP fala em Delegacia Cidadã e acolhimento às vítimas

Entrevista
Por Aloysio Balbi
27 de janeiro de 2025 - 5h00
Foto: Josh

Ela é 50+, nascida em Niterói, e dedica sua vida à Polícia Civil do Rio de Janeiro há mais de 20 anos. À paisana – sem o distintivo – ninguém imagina que ela é delegada, com experiência acumulada em 11 delegacias nas quais foi titular, desde cidades da Região dos Lagos até outras na região metropolitana.

Carla Tavares, desde o final do ano passado, assumiu a 134ª DP/Campos. Nesta entrevista, ela fala do trabalho conjunto das polícias Civil e Militar, destacando a importância da população na elucidação de crimes.

Sublinha as ações de inteligência e usa o termo “acolhimento” como algo necessário na relação da polícia com as vítimas. Fala do trabalho de excelência da delegacia especializada para mulheres em Campos e diz trabalhar por uma “Delegacia Cidadã”. Sobre a criminalidade de Campos, aponta como demandas os estelionatos e golpes cibernéticos.


Vamos começar pela questão do feminicídio, que são ocorrências quase que em todas as cidades, independentemente do tamanho. Vocês estão muito atentos a essa questão. Como lidar com isso?

Sem dúvida. Eu acho que, inclusive, o fato de ser uma mulher à frente da delegacia ajuda muito, com um olhar diferenciado, uma investigação diferenciada, principalmente quando temos um crime de violência de gênero. A gente tem dado excelentes respostas. A 134ª DP tem uma equipe diferenciada e a população pode ficar muito tranquila com relação a isso, porque posso dizer que 99,9% dos policiais que atuam na delegacia de Campos moram aqui. Então, isso faz toda a diferença, porque são pessoas que primam pela qualidade do serviço, pois são, inclusive, beneficiadas por esse próprio serviço, que é a segurança pública. Elas são usuários desse serviço. Então, quando você tem policiais que são moradores da cidade, você tem um diferencial na investigação. E a gente tem, efetivamente, uma investigação de qualidade na delegacia de Campos.


A senhora chegou com um histórico brilhante como delegada, passando por 11 titularidades de delegacias, todas no estado do Rio de Janeiro, mas em alguns lugares bem tensos, como São Gonçalo. Então, a senhora conhece bem toda essa questão que envolve a segurança pública. O estado do Rio de Janeiro ainda tem jeito?

Tem. Eu não tenho dúvidas de que, no que diz respeito à segurança pública, a gente pode dizer que tem jeito. Mas, na minha concepção, o que a gente precisa é de uma participação maior da população. A população precisa entender o seu papel na segurança pública, porque a segurança é responsabilidade de todos nós. Por exemplo, quando a gente tem um fato que foi presenciado por várias pessoas, dificilmente conseguimos alguém para testemunhar, exceto quando esse fato atinge diretamente aquela pessoa. A gente precisa parar com esse hábito, com essa cultura de achar que o problema precisa ser resolvido só pela polícia. Todos nós temos essa responsabilidade.

A senhora se refere ao chamado “Maracanã”, quando a dinâmica do crime foi presenciada por muitos e ninguém fala, é isso?
Exatamente. A polícia não trabalha com bola de cristal. A polícia trabalha com investigação séria, com inteligência, com todos esses fatores, mas ainda precisamos do fator humano. O fator humano como testemunha também é muito importante. Então, quando temos um fato que foi efetivamente testemunhado por alguém, essa pessoa precisa falar sobre isso, para auxiliar a segurança pública, porque temos a questão da denúncia anônima. Entendemos que muitas pessoas têm medo, mas a denúncia pode ser feita de forma anônima. Tudo isso ajuda o trabalho policial e torna o nosso ambiente mais produtivo, mais resolutivo e eficiente.


Existe aquela máxima de que a polícia ostensiva, no caso a PM, prende, vocês investigam e o judiciário julga. No caso das polícias, a Civil e a PM, vocês trocam muitas informações? É um trabalho cada vez mais conjunto?

Exatamente. Isso é uma percepção da população e uma meta de governo. Esse é um trabalho que vem sendo efetivamente realizado. A gente tem um sistema integrado de metas, que é um sistema que trabalha com a produtividade policial, com a redução de índices de criminalidade, e esse sistema foi criado justamente por um trabalho integrado. Então, as polícias precisam conversar, precisam trocar informações, porque ninguém faz nada sozinho. Não podemos achar que só a Polícia Civil vai fazer uma parte e a Polícia Militar fará outra. Nosso trabalho é conjunto, sim. E essa troca de informações aumenta a produtividade. Então, tudo isso é trabalho conjunto. E sim, Polícia Civil e Polícia Militar trabalham de mãos dadas em vários municípios e, aqui em Campos, não é diferente. A gente trabalha de mãos dadas.


Na área circunscricional da 134ª DP, a questão dos homicídios é maior na Baixada Campista?

Sim, na minha área circunscricional, sim, porque não temos tantos homicídios aqui na circunscrição da 134ª DP como temos na circunscrição da 146ª DP, apesar do excelente trabalho que nossos colegas fazem lá. Na área da Baixada, temos mais ocorrências.


Esses homicídios têm um caráter mais passional, discussão, bebida, ou há algo relacionado a organização criminosa?

Há de todos os tipos. Percebemos que muitos desses homicídios têm relação com tráfico de drogas ou algo do tipo.


As mulheres conquistaram espaços na Polícia Civil nas últimas décadas. Sua equipe em Campos é formada por muitas mulheres?

O percentual ainda é muito baixo. Posso estimar que temos, no máximo, 10% de mulheres na delegacia toda, porque o número de mulheres na polícia de forma geral ainda é muito baixo. Na minha turma de formação éramos 33 no total, e apenas 8 mulheres. Então, você vê que o percentual ainda é baixo. Acho que as mulheres ainda não se identificam, porque o que eu digo é que polícia não é só um concurso público. A gente precisa ter vocação. Precisa saber o que estamos nos propondo. Precisamos saber qual é a atividade que vamos desenvolver.


Por essas 11 delegacias por onde a senhora passou, enfrentou, digamos assim, uma barra pesada?

Posso dizer que, por exemplo, em São Gonçalo, a gente tinha um volume maior de ocorrências relacionadas a tráfico e roubos. Era um volume maior de ocorrências desse tipo. É diferente do que temos aqui em Campos. A densidade populacional lá é muito grande. São cenários diferentes, mas os desafios são os mesmos.


Alguém ficou surpresa no cotidiano, fora do ambiente de trabalho, ao se identificar como delegada?

Já, em várias situações. As pessoas ainda têm um estereótipo de que mulher na polícia não é comum. Em várias situações, quando pedem a identificação, me perguntam a profissão, e, quando nos identificamos como delegada de polícia, as pessoas falam: “Nossa, mas não parece”. Eu me vejo como uma delegada, no meu atuar, na forma como trabalho, como trato as pessoas que trabalham comigo, todos que procuram a delegacia, porque é isso que precisamos ser. Tem que estar aberta a conversar, a entender que uma vítima, por exemplo, que procura uma delegacia, é alguém que já sofreu um crime. Então, é alguém que precisa ser acolhido naquele primeiro momento. Então, tudo isso faz parte do perfil de um delegado. Você precisa ser combativo, investigar um crime, mas, ao mesmo tempo, ter esse equilíbrio.


A senhora falou que um dos problemas que geram demanda na sua delegacia é a questão do estelionato. Como está essa questão dos crimes virtuais, golpes, essas coisas de Internet?

Infelizmente, acho que vou usar o termo “o mal do século”, quando falamos
de criminalidade, porque o criminoso cada vez mais se especializa, e o crime sem violência ou grave ameaça, cuja pena não é tão alta, está crescendo, com pessoas de boa-fé sendo vítimas. Essa modalidade criminosa mobiliza todas as delegacias. Embora exista uma especializada no Rio, os primeiros passos da investigação e até a conclusão são feitos nas delegacias, e não é diferente em Campos. Então, cada delegacia apura o crime, mesmo ocorrido na internet, que acontece na sua circunscrição, com uma vítima da sua circunscrição.


E em relação à questão de assédio e importunação?

O que percebemos é que a notificação desse tipo de crime tem sido maior. As mulheres perderam o medo de denunciar. Não ficam mais constrangidas em comunicar esse tipo de crime. Em um passado não tão distante, quando uma mulher procurava a delegacia, ela era desacreditada. Atualmente, não temos mais isso. Os policiais, homens e mulheres, são capacitados. Em Campos, temos a delegacia especializada de atendimento à mulher, com policiais capacitados para atender esse tipo de ocorrência, com uma equipe de excelência. Então, isso faz toda a diferença, assim como o olhar atento das famílias com relação às suas crianças, porque a maioria dos crimes que afetam nossas crianças acontece no âmbito familiar, com pessoas próximas, que têm acesso à criança e se aproveitam dessa relação de proximidade e confiança.


A senhora usou o termo “acolher”. Estamos falando de uma delegacia cidadã?

Sim, é uma delegacia cidadã. É uma polícia cidadã, e isso faz toda a diferença. A população precisa entender que a delegacia está de portas abertas. Estamos lá para atender à população e não fazemos boletins de ocorrência frios. Tiramos dúvidas, orientamos. Não tenha receio, procure a delegacia, estamos ali 24 horas por dia, 7 dias por semana, para fazer o atendimento da melhor forma e o mais humanizado possível.