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Pedagoga aborda educação sexual e restrição de celular em escolas de Campos

Denise Tinoco tem experiência profissional de 40 anos em salas de aula

Educação
Por Ocinei Trindade
19 de dezembro de 2024 - 7h55

Denise Tinoco é professora e pedagoga

A reportagem especial do J3News desta semana, “Sexualidade e uso do celular estão na pauta para a volta às aulas” (leia aqui) conta com a participação da pedagoga Denise Tinoco. Nesta entrevista, ela comenta sobre restrição do celular no ambiente escolar. Nesta entrevista, ela também analisa a Lei Municipal N° 9.532 que determina autorização por escrito de pais de alunos, para que estes possam ou não participar de aulas ou atividades que abordem gênero e temas sobre sexualidade.

O Governo de São Paulo aprovou lei que proíbe uso de celulares em sala de aula e restringe o aparelho em determinadas situações no ambiente escolar. O Congresso Nacional aprovou lei que restringe o uso de celular no país.  Como educadora e pedagoga, qual a sua opinião sobre isto?

Em pelo menos 16 Estados brasileiros, ao longo desta última década, o uso de celulares e outros dispositivos eletrônicos já foi proibido em sala da aula. Ou regras bem rígidas foram adotadas para o uso dos mesmos, em caráter restrito, dentro espaço escolar. As Autoridades brasileiras seguem estudos internacionais e experiências bem sucedidas pelo mundo afora.

No Congresso Nacional existe um Projeto de Lei sobre o tema aprovado em outubro deste ano, na Comissão de Educação. Seguiu, em caráter conclusivo, para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara. Mais adiante foi aprovada pelos Deputados, em Plenário e pelos Senadores, e depende de sanção presidencial.

O Ministro da Educação, Camilo Santana, também já se pronunciou sobre o assunto dizendo que a tecnologia é importante, mas que precisa ter seu uso limitado e supervisionado dentro da escola.

É sabido que em alguns países o uso de celulares é extremamente proibido dentro de todo o espaço físico da escola. Em outras situações, ele é permitido para atividades pedagógicas lideradas e supervisionadas pelos professores, muitas vezes sem acesso à internet.

No Brasil, a aprovação de tal Lei pelo Estado de São Paulo, por sua grandeza territorial e cultural,revigora o debate sobre o tema e ascende a possibilidade de aprovação de leis onde ainda existe resistência seja por parte da sociedade civil ou do Poder Público.

Como Professora e Pedagoga atuando no Sistema Municipal de Ensino de Campos dos Goytacazes, há mais de 40 anos, tenho acesso as múltiplas realidades da rede pública e da rede privada de educação e concordo com a proibição geral do uso de celulares dentro das escolas da educação Infantil e do Ensino Fundamental aqui nas creches e nas escolas da cidade.

Estamos vivenciando o apodrecimento cerebral de crianças, adolescentes e, até dos adultos, com o consumo excessivo de conteúdos superficiais das redes sociais, ou ainda, com o uso viciante das plataformas de jogos clandestinos, como o “Jogo do Tigrinho”.

A palavra “brainrot”, que significa “cérebro podre”, foi escolhida por estudiosos como a palavra do ano e incluída no Dicionário Oxford para explicar essa questão ampliando o debate sobre o tema nas diferentes comunidades acadêmicas.

Assim que o Estado do Rio de Janeiro aprovar sua Lei de proibição do uso dos Celulares em sala de aula ou dentro espaço escolar, ou que uma a Lei federal sobre o tema entre em vigor, penso que os municípios poderão criar suas Leis, normatizar a matéria nas Redes de Educação fortalecendo seus Sistemas de Ensino.

Deixo como sugestão para os Legisladores que assumirão uma Cadeira na Câmara de Vereadores de nossa cidade,no próximo ano, que já se organizem e criem, por Chamamento Público, um Grupo Técnico( GT) amplo e paritário, dentro da Comissão de Educação, para estudo e levantamento de questões sobre o tema: Proibição do uso de celulares nas Creches e Escolas do Sistema Municipal de Ensino de Campos dos Goytacazes, para que possam, mais adiante, no momento oportuno, propor uma escrita Legal e coletiva sobre o assunto e que tenha o apoio da Sociedade Civil, Entidades de Proteção aos Direitos de Crianças e Adolescentes, Sindicatos, da Secretaria Municipal de Educação, Ciência e Tecnologia, de diferentes Conselhos Municipais e outros Órgãos afins.

Denise Tinoco, Salvador Corrêa e Ocinei Trindade debatem os temas no programa J3Cast

Como avalia o uso do celular em sala de aula? Poderia apontar vantagem ou desvantagem?

Embora eu concorde com a proibição total do uso de celulares dentro das creches e escolas, principalmente para as faixas etárias abaixo dos 14 anos, penso ser necessário o uso das tecnologias, das mais diferentes formas, dentro do espaço escolar.

Vantagens da utilização de tablets e computadores por professores capacitados facilita a mediação com os estudantes e de maneira concreta pode promover a aprendizagem voltada para as necessidades deste milênio.

Dentro de ambientes controlados como laboratórios e salas de aula, profissionais da educação, com o uso da tecnologia, podem oportunizaro desenvolvimento acadêmico, principalmente dos jovens no Ensino Médio e, também na modalidade da Educação de Jovens e Adultos- EJA, visando prepará-los para os desafios do mundo atual.

Saber manejar aparelhos ligados a Ciência, em laboratório, saber manusear aplicativos, mexer e criarcom programas e aplicativos que facilitem a vida da população, trabalharcom processadores de texto, Planilhas de cálculo, navegadores de plataformas, bem como o uso de plataformas de trabalho são e serão cada vez mais fundamentais na educação de qualidade e porta de entrada, sobrevivência e permanência dos jovens e adultos escolarizados, no Mercado de Trabalho.

Sem contar que o uso destas tecnologias, nos dispositivos eletrônicos, pode oportunizar um ambiente mais dinâmico, interativo e repleto de engajamento entre os estudantes jovens e seus professores.

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Já para bebês, crianças bem pequenas, crianças pequenas e adolescentes até 14 anos não vislumbro vantagem na presença ou na utilização de celulares na escola. Infelizmente, essa geração, já utiliza celulares, de forma indiscriminada fora do espaço escolar.

Penso que a Ludicidade se faz necessário para a aprendizagem, bem como metodologias que induzam ao aparecimento e expansão do raciocínio lógico e das múltiplas linguagens devem ser realizadas no cotidiano escolar.

Entenda! Sou a favor da tecnologia em qualquer etapa educacional. Mas somente quando ela agregar valores a rotina escolar. Uma Música, um documentário, um Curta, experiências nos diferentes laboratórios… Mas, celulares com acesso livre a internet para bebês, crianças e adolescentes menores de 14 anos dentro da escola, não concordo. Necessário proteger suas mentes dos malefícios das plataformas de joguinhos, de danças, do Bullying virtual das redes sociais, dentre outros.

Portanto, torna-se imperativo para o ambiente escolar a busca por novos meios tecnológicos de interação, para além do celular.

Mas não é, nem será tarefa fácil, principalmente para os espaços escolares públicos e privados empobrecidos de opções de interação e aprendizagem a mudança de paradigma. Faltam espaços interativos, que promovam a curiosidade, a imaginação, e a aprendizagem.

Não basta retirar os celulares de cena! Necessitamos reinventar nosso ambiente escolar! Reformulando nossas metodologias de trabalho dentro das salas de aula, e fora dela também. Precisamos, ainda,redimensionar o uso de quadras de esporte, parquinhos, hortas,jardins, criarpátios convidativos, espaços acolhedores e inclusivos com a presença profissionais preparados para promover a interação e a aprendizagem, também nos intervalos e recreios escolares.

Debates acadêmicos nos Cursos de formação inicial e formação continuada já existem. Urge a criação e implantação de mais Políticas Públicas que possam fortalecer o aparecimento de estratégias, no chão da escola, que sejam capazes de suplantar essa necessidade imperativa e desvairada do uso de celulares nas creches e escolas da região.

Outra questão diz respeito à Lei N° 9.532, de 23 de outubro de 2024, de autoria do vereador Anderson de Matos. De acordo com o parlamentar e o teor do texto, a Lei “assegura aos pais e responsáveis o direito de vedar a participação de seus filhos ou tutelados em atividades pedagógicas relacionadas a ideologia de gênero nas escolas públicas e privadas localizadas no município de Campos dos Goytacazes. Como observa esta Lei Municipal e o que ela pode provocar quanto à educação de crianças e adolescentes?

Tema delicado e que merecia um amplo debate da Sociedade Civil, Comunidade Acadêmica e Entidades que tratam da Violência contra a criança, adolescente, mulheres, negros, quilombolas e Comunidade LGBTQIA+, Pessoas com Deficiências, dentre outros, antes da aprovação ou não do Projeto de Lei.

Importante destacar que o Supremo Tribunal Federal(STF), tem,por unanimidade, declarado a inconstitucionalidade de leis municipais que proíbematividades, projetos e o uso de expressões relacionadas a identidade, ideologia ou orientação de gênero nas escolas. 

Segundo informações divulgadas no site do STF “o direito à educação deve estar orientado para assegurar o pluralismo de ideias e combater toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”  Além disso, “o Estado brasileiro tem o dever constitucional de agir positivamente para concretizar políticas públicas repressivas e preventivas, incluídas as de caráter social e educativo, voltadas à promoção de igualdade de gênero e de orientação sexual.” E, ainda “O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que as escolas públicas e privadas têm a obrigação de combater discriminações por gênero, por identidade de gênero e por orientação sexual. Segundo a decisão, também é dever das escolas combater o bullying e as discriminações de cunho machista contra meninas e homo transfóbicas, que afetam gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais.” Estas decisões baseiam-se em preceitos legais de nossa Constituição Federal e Leis correlatas, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996 e Estatuto da Criança e do Adolescente

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Portanto, baseando-se nas Leis existentes e nas constantes Decisões do STF não é possível legalmente concederpoder familiar para escolha pessoal de tratativas de temas e conteúdos previstos nas Leis e nas Diretrizes Curriculares da Base Nacional Comum Curricular(BNCC) que normatizam a execução da educação de maneira coletiva.

Para além da legalidade, como Pedagoga e Professora entendo que proibir filhos crianças ou adolescentes de participarem de atividades pedagógicas que trabalhem educação sexual, violência doméstica, discriminação de gênero, promoção de igualdade de gênero, pluralismo de ideiaspode se tornar uma ação perigosa, uma vez que muitos assuntos são trazidos pelos estudantes que vivenciam tais questões dentro de suas casas ou círculo de convívio.

Sem esquecer que por Lei, Profissionais da Educação devem acolher e denunciar as autoridades constituídas pela legislação em vigor, questões ligadas a Violência contra as crianças e os adolescentes, que tenham sido vistas ou relatadas por eles,dentro das unidades escolares.

Em uma cidade onde constantemente, tomamos conhecimento, via Redes Sociais oureportagens jornalísticas de múltiplas violências contra negros, pessoas do grupo LGBTQIA+, pessoas com Deficiência, mulheres, mulheres grávidas, crianças…,entende-se que as escolas precisam ser espaços políticos que defendam as leis e que apliquem estratégias de combate as diferentes formas de  violência,acolhendo os afetados, vivenciando e mostrandoregras e  possíveis sanções a serem seguidas no convívio escolar e, em outros ambientes da Sociedade.

No âmbito municipal, estadual e nacional, precisamos dialogar comgovernantes, autoridades, nas suas mais diferentes esferas e instânciasbuscando o fortalecimento de ideias, desafiando-os a pensarem e criarem, cada vez mais, Políticas Públicas que financiem e fortaleçam Programas e Projetos que respeitem a diversidade, pluralidade e inclusãode todos em nossa Sociedade.

Quanto à educação sexual e abordagens de temas relacionados ao corpo, violência sexual, e até mesmo a chamada “ideologia de gênero” nas escolas de Campos, qual deve ser a orientação pedagógica para escolas públicas e privadas?

O caminho a ser seguido pelo Sistema Municipal de Ensino, seja na Rede Pública Municipal ou na Rede Privada é o da Ciência e da Legalidade!

No cotidiano escolar é tão difícil a participação das famílias junto das propostas da escola que se torna urgente estabelecer diálogo com diferentes arranjos familiares, desmitificando a fala científica sobre temas ligados a educação sexual, respeito as diferenças, discriminação por gênero.Conversar com as famílias apresentando os conteúdos previstos nos Currículos e que serão abordados nas Salas de Aula durante o ano letivo, são ações previstas por lei e que devem ser tarefas sistemáticas das escolas e das famílias visando o fortalecimento do ensino que é ofertado nas instituições de ensino.

Temos sempre restrições aquilo que não conhecemos! Desta forma, deverá fazer parte do cotidiano escolar o acolhimentodos anseios e questionamentos das famílias. A promoçãode Rodas de Conversas com diferentes profissionais, elaboração de Oficinas com o desenvolvimento destes temas para as famílias, a execução de projetos e feiras pedagógicas que tratem assuntos ligados a estes temas.

Participação em Conferências Municipais sobre os mais diversos assuntos, dentre outras estratégias, tambémpodem ampliar o debate e se tornar caminhos viáveis para a dissolução de paradigmas incompatíveis com o respeito aodesenvolvimento humano, dentro do ambiente escolar.

No âmbito municipal, destaca-se que as Matrizes Curriculares Escolares da Rede Pública da Prefeitura de Campos dos Goytacazes foramrecentemente remodeladas para atender os avanços legais.

Para tal, o tema foi debatido por Comissões Técnicas com Pedagogos, Diretores de Creches e Escolas dentro da Secretaria Municipal de Educação, Ciência e Tecnologia- SEDUCT e referendado pelo Conselho Municipal de Educação.

As Matrizes Curriculares da Prefeitura de Campos dos Goytacazes são plurais!Foram repaginadas, aprovadas e publicadas em Diário Oficial Municipal em outubro de 2023 e trazem em seus documentos, desde a Educação infantil, temasligados a “Prevenção e Cidadania (Cuidados com o corpo, Educação Ambiental, Educação alimentar, Prevenção a violência doméstica, contra a mulher e contra a criança, Educação Financeira, Formação do povo brasileiro, História Afro brasileira e indígena).”

Sem contar que estes Currículos acabam por se tornar nortes científicos que fundamentam a reformulação de muitas outras matrizes curriculares de escolas da rede Privada na cidade de Campos dos Goytacazes, ampliando o círculo científico e legal na cidade.

Sem pôr fim a conversa, o debate está aberto!

Muito já foi pensado e feito para melhorar a relação entre família e instituições educacionais, mas ainda existe um longo caminho a ser construído, pois uma sociedade que deseja se fortalecer dentro da justiça, da Ciência, da Igualdade de Direitos precisará ser inclusiva, acolhedora e Diversa, desde a Escola!

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