Nas últimas semanas, o debate sobre o fim da escala 6×1, que ainda não é uma proposta de emenda à Constituição, ganhou as redes sociais. Esta tem sido considerada a única proposta progressista de massa dos últimos 15 anos e tem gerado intensas discussões. A mudança, que propõe a redução da jornada de trabalho de 44 para 36 horas semanais, dividiu opiniões. Para alguns, trata-se de uma importante conquista para a qualidade de vida dos trabalhadores, enquanto outros apontam os impactos econômicos negativos para as empresas, especialmente em termos de custos operacionais e produtividade.
A escala 6×1, tradicionalmente aplicada em setores que funcionam ininterruptamente, como hotéis, restaurantes e farmácias, estabelece uma jornada de seis dias de trabalho seguidos de um dia de descanso. Atualmente, a legislação brasileira permite jornadas de trabalho de até 44 horas semanais, que podem ser distribuídas em seis dias, com a garantia de um dia de descanso. A futura PEC em questão visa alterar a jornada semanal máxima para 36 horas, com a possibilidade de divisão em quatro dias de trabalho.
Para os trabalhadores, a redução da carga horária semanal é vista como uma melhoria significativa na qualidade de vida. A ideia central da proposta é proporcionar mais tempo para o lazer, estudos e convivência familiar, equilibrando a vida profissional e pessoal. Isso é ainda mais importante no contexto crescente na busca por bem-estar e saúde mental.
A proposta tem respaldo em tendências globais que buscam flexibilizar a jornada de trabalho. Estudos realizados por especialistas em recursos humanos e psicologia organizacional apontam que jornadas mais curtas contribuem para a diminuição da exaustão física e mental dos trabalhadores. Ao ter mais tempo livre, o trabalhador poderia melhorar seu descanso, saúde e até mesmo aumentar seu consumo e bem-estar geral.
De acordo com um estudo da Unicamp, a redução da jornada de trabalho sem redução salarial poderia impulsionar a economia, já que trabalhadores teriam mais tempo e disposição para consumir e investir em outros atributos de sua vida pessoal, gerando um ciclo positivo de crescimento econômico. “Com jornadas menores, quem trabalha vai ter mais tempo para lazer, para os estudos, para a vida pessoal, vai aproveitar melhor o tempo, inclusive consumindo mais. A atividade econômica também melhorará”, afirmou a Economista é responsável pela pesquisa Mariane Teixeira.
Além disso, a diminuição da jornada poderia ajudar a reduzir desigualdades, principalmente para os trabalhadores que enfrentam longas jornadas, como em setores de serviços e comércio, onde a rotina de trabalho exaustiva pode prejudicar a saúde e o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal.
Por outro lado, a proposta tem gerado forte resistência no setor produtivo,principalmente entre as indústrias. A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) estima que a redução da jornada de trabalho poderia gerar um aumento de até R$ 115,9 bilhões nos custos anuais para a indústria. Isso ocorre porque, para manter o nível de produtividade, as empresas teriam que contratar mais trabalhadores, o que elevaria os custos com salários, encargos trabalhistas e outros benefícios.
O estudo da Firjan, com base em dados do IBGE, aponta que o aumento nos custos com pessoal poderia chegar a 15,1% em diversos setores da indústria. Em setores como a Extração de Petróleo e Gás Natural, onde as jornadas de trabalho mais longas são essenciais para a operação contínua, o aumento poderia ser ainda mais significativo, atingindo até 19,3%. A escassez de mão de obra qualificada, já apontada como um dos maiores desafios para o setor, se agravaria, já que as empresas precisariam de mais trabalhadores, mas a oferta de profissionais qualificados é limitada, o que poderia resultar em uma pressão sobre os salários.
A Firjan alerta que a adoção de uma jornada de 36 horas semanais sem uma redução proporcional nos salários aumentaria os custos operacionais das empresas e tornaria a economia menos competitiva. O vice-presidente da Firjan, Antonio Carlos Vilela, ressaltou que, antes de se discutir a redução da jornada, seria necessário melhorar o ambiente de negócios, aumentando a produtividade e a capacitação da força de trabalho. “Discutir a redução da carga horária sem criar as bases necessárias para o aumento da produtividade da economia brasileira não vai garantir o bem-estar que a população precisa e ainda resultará em um custo de bilhões de reais para o setor produtivo”, afirmou.
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) também expressou preocupação com o impacto da proposta. A entidade defende que a redução da jornada sem uma correspondente diminuição de salários representaria um aumento substancial nos custos operacionais das empresas, especialmente para os pequenos negócios, que são mais vulneráveis a aumentos de custos.
A implementação da redução da jornada de trabalho, caso aprovada sem um planejamento cuidadoso, pode gerar alguns riscos econômicos, tanto para as empresas quanto para o mercado de trabalho como um todo. Em primeiro lugar, o aumento dos custos operacionais pode resultar na necessidade de demissões em algumas empresas, especialmente nas de menor porte, que já enfrentam maiores dificuldades financeiras. O aumento das obrigações trabalhistas poderia fazer com que alguns pequenos negócios, como restaurantes e hotéis, que dependem da jornada 6×1, fechassem suas portas ou reduzissem drasticamente o número de funcionários.
Além disso, a perda de competitividade das empresas, principalmente no setor industrial, poderia afetar negativamente o crescimento econômico do país. Como apontado pela Firjan, a perda de produtividade em um cenário de aumento de custos poderia resultar em um retrocesso na capacidade produtiva do Brasil, com implicações diretas na geração de empregos e no crescimento da economia.
Por outro lado, a PEC também oferece potenciais benefícios econômicos. Com uma jornada reduzida, pode-se esperar um aumento na produtividade, uma vez que os trabalhadores estariam menos cansados e mais motivados. Além disso, a flexibilidade nas jornadas de trabalho poderia criar um ambiente mais favorável ao surgimento de novas oportunidades de emprego, pois as empresas precisariam contratar mais trabalhadores para manter a produção. A economia local também poderia ser beneficiada pelo aumento do consumo das famílias, que passariam a ter mais tempo livre para lazer e compras.
Em uma perspectiva mais ampla, a redução da jornada de trabalho poderia promover uma transformação no mercado de trabalho, com uma ênfase maior em qualificação profissional e aumento da competitividade. A proposta poderia incentivar novos modelos de negócios e tecnologias que permitam maior eficiência na produção, compensando os custos adicionais com mão de obra.
A proposta de redução da jornada de trabalho no Brasil é uma questão complexa, que envolve tanto os direitos dos trabalhadores quanto a viabilidade econômica das empresas. Por um lado, a medida pode trazer benefícios significativos para os trabalhadores, melhorando sua qualidade de vida, saúde e motivação. Por outro, o aumento nos custos para as empresas e os riscos de desemprego e fechamento de negócios menores não podem ser ignorados.
A discussão sobre a PEC pelo fim da escala 6×1 precisa ser acompanhada de perto e realizada com base em estudos detalhados sobre os impactos econômicos em cada setor da economia. Caso a proposta seja aprovada, sua implementação deve ser gradual e adaptada às especificidades de cada área, para garantir que os benefícios sociais não venham a ser ofuscados por prejuízos econômicos significativos. Assim, é essencial que o debate continue, levando em consideração os interesses de todas as partes envolvidas.