Aquele cheiro de vela queimada misturado com cheiro de flores amanhecidas deixava Jordana enjoada. Sala cheia. Gente bem nutrida, endinheirada e poderosa.
Ele estava no centro.A esposa, as filhas, os genros e o único filho no entorno.
As horas escorriam mornas e custosas. O aroma de café forte trazido por Margarida aliviava um pouco o incômodo do momento.
Kumi, ereto, ar sério, semblante fechado, num canto da imensa sala, pronto para qualquer ordem. Kumi sobreviveu ao Atlântico, à travessia de dores, doenças e privações. Em que ele pensava? Um criado de dentro. Um criado mudo?
Mas Kumi falava outra língua. Ouvia muitas vozes vindas de longe e ainda sentia na alma a dor da saudade. Teria sido algum rei?
Ele era o Barão Emiliano Lopes dos Reis Monteiro. Barão dos quatro mil escravos e milhares de pés de café. Barão de muitas mulheres, pouca fala e exagerados orgulho e prepotência. A posse de tantos alqueires de terra, além dos amigos influentes no país e além mar lhe conferiram grande poder.
Emiliano, filho de família tradicional, expandira a fortuna que recebera de herança, ao descer as montanhas de Minas e investir na agricultura cafeeira.
A febre do ouro que durou um século já não atraía mais. O metal já não era abundante e visível. Seu pai, português que se instalou nos arredores da antiga Vila Rica, extraía preciosidades das encostas das montanhas. Apesar da pesada taxação imposta por Portugal, o português enriqueceu a si e as próximas gerações.
Muitas perguntas eram feitas naquela sala. Perguntas silenciosas e de respostas difíceis: quem seria o sucessor? Como seria feita a partilha? E as tantas mulheres? E o ouro escondido? E tanta coisa, tantos bens, segredos e discórdias…
Ninguém esperava que o Barão vivesse tanto, menos ainda que ele morresse agora, principalmente a família.
Jordana sempre impassível não tirava os olhos de um ponto fixo.
Nesse casarão das minhas memórias, no coração das Gerais, fecho os olhos e inicio esta história. Ainda faltam muitos capítulos.