O que era para ser apenas uma distração e uma forma de ganhar dinheiro fácil acabou tornando-se a ruína de muitas pessoas. Recentemente, o Fortune Tiger, mais conhecido como “jogo do tigrinho”, tem sido destaque nas notícias devido aos diversos casos de pessoas que perderam muito dinheiro após se viciarem no jogo de apostas.
Esse é o caso da administradora Gabriela*, de 33 anos, de Campos dos Goytacazes, que em uma entrevista ao J3News contou que perdeu cerca de R$ 50 mil nesse jogo: “Eu jogava com muita frequência, não podia entrar dinheiro nenhum na minha conta. Fiquei com muitas dívidas, a ponto de quase perder meu apartamento, tive que ir ao banco renegociar. Hoje em dia ainda tenho muitas dívidas”, relatou.
Para superar o vício, Gabriela teve ajuda de uma psicóloga que a atende semanalmente: “Estou fazendo acompanhamento psicológico para tratar esses gatilhos que me fazem jogar. Confesso que não me livrei totalmente, de vez em quando, quando estou muito ansiosa, quando estou muito triste, dá vontade de jogar. Esses dias eu caí e perdi R$500, falei com a minha psicóloga e ela disse que faz parte do processo, que não é para ficar me culpando, me achando a pior pessoa do mundo por causa disso”, contou.
Embora mais discutido recentemente, o vício em jogos não é algo recente, muito menos uma exclusividade do “jogo do tigrinho”. Em 2012, a professora de Matemática Carla Santos, de 33 anos, natural de Eunápolis, na Bahia, começou a jogar Pôquer on-line e logo ficou viciada. Ela contou a sua história para a equipe de reportagem: “Lembro-me que deixei de realizar as provas do semestre da faculdade para jogar incansavelmente no site. Na época, comprava fichas virtuais e gastava uma grana alimentando a plataforma, visto que apostava sem medo e, por vezes, perdia tudo”.
Carla chegou a perder em cinco disciplinas do total de seis no semestre daquele ano na faculdade e as pessoas próximas foram percebendo que algo estava errado. “Foi quando os meus amigos perceberam que eu estava muito viciada, minha família começou a se preocupar, pois eu passava horas ininterruptas na frente da tela sem comer e, muitas vezes, negligenciando a higiene, como demorando longos períodos para ir tomar banho. O vício era maior que tudo”, desabafou a professora.
Carla conta que houve uma situação limite que fez com que deixasse o mundo da jogatina. “Meu cartão havia sido bloqueado na mesma época por falta de pagamento, justamente por comprar fichas demais e fiquei sem conseguir voltar a jogar em salas maiores, tendo que conquistar ficha por ficha, tudo do início e fui desmotivando. O site também bania quem passasse fichas para os outros, e fui banida. Tentei retornar com outros endereços de e-mail e novamente era derrubada. Foi quando eu decidi recuperar a minha vida e deixei esse jogo de lado”, contou.
Para sair da situação, a professora precisou modificar o cenário e fazer coisas diferentes. “Comecei a sair com os meus amigos, viajar, ler e voltei a dedicar-me aos estudos. A minha família e amigos foram cruciais para a minha melhora, porque já me encontrava em um quadro de ansiedade e compulsivamente inerte naquele mundo virtual”, desabafou Carla.
Tempos depois de superado o vício, Carla Santos ressignificou sua dor e trabalhou com jogos de aprendizagem no curso de Matemática. “Trabalhei com algumas plataformas e comecei a utilizar jogos como forma de aprendizado, uma forma de jogo consciente. Eu criei alguns jogos educativos para aprendizagem matemática”.
Um levantamento do Datafolha, com mais de 2 mil entrevistas presenciais em 135 municípios brasileiros aponta que a maior parcela dos brasileiros (84%), com 16 anos ou mais, nunca fez apostas esportivas, 15% de toda a população brasileira relata ter apostado pelo menos uma vez (7% já fez, mas não costuma jogar). A maioria dos apostadores é jovem. Trinta por cento dos brasileiros de 16 a 24 anos e 25% das pessoas entre 25 e 34 anos relataram já ter feito alguma aposta pela Internet. Ainda segundo o instituto, a média de gastos do brasileiro com esse tipo de atividade corresponde a 20% do salário mínimo.
*Nome fictício
Tigrinho na mira da Polícia
O jogo é uma espécie de caça-níquel on-line e ficou famoso no Brasil por causa da campanha em massa feita por pequenos e grandes influenciadores digitais. A modalidade passou a ser investigada pela Polícia Civil após uma série de denúncias de pessoas que sofreram sérios danos financeiros. O Brasil tem a prática de proibir cassinos e jogos de azar, porém jogos como o Fortuner Tiger acabam não sendo alcançados pela legislação brasileira porque, embora ilegal, as empresas de apostas on-line que hospedam os sites não estão sediadas no país.
No entanto, influenciadores digitais podem ser alcançados pela lei. Muitos deles, inclusive, já foram presos por crime de obtenção de vantagem financeira indevida, indo contra a Lei de Contravenções Penais, que considera crime os jogos de azar em que o ganho ou a perda dependem da sorte.
Vítima da compulsão por jogos, Gabriela* acredita que os influenciadores têm grande parcela de culpa no incentivo ao vício de seus seguidores nos jogos. “Os influenciadores que divulgam jogos estão fazendo um mal muito grande. Se Deus quiser, eu espero que eles sejam penalizados, porque a justiça divina não falha. Porque pessoas estão morrendo, pessoas estão se matando por causa disso”, disse Gabriela, emocionada.
A importância do tratamento psicológico
A Organização Mundial da Saúde reconhece o vício em jogos como uma patologia, intitulada “transtorno de jogo”. A pessoa se torna dependente, investindo muitas horas e até mesmo dinheiro, demonstrando irritabilidade e sentimentos de angústia em situações em que não podem jogar.
Engajada nas redes sociais na luta anti-jogos de apostas, a psicóloga Ana Lara Vilar, que tem paciente viciado em joguinhos, conversou com o J3News e disse que as consequências não são ‘apenas’ a perda de dinheiro. “O vício em jogos de aposta online estão diretamente responsáveis pelo aumento no número de divórcios, demissões, endividamento, empréstimos e até mesmo suicídio. O cérebro não distingue estímulo químico, então, aquele mecanismo de recompensa fica em total desequilíbrio e leva a dependência”, explicou.
Lara Vilar contou que clínicas psiquiátricas estão começando a criar tratamentos de internação e novas especialidades médicas estão surgindo para tentar conter isso. “Existem clínicas de recuperação para viciados em jogos, assim como também existem grupos terapêuticos. Mas, é um acesso caro e ainda muito novo nessa área de vício de jogos on-line”, comentou.
O tratamento psicológico foi de extrema importância para Gabriela*, que, depois que começou a perder muito dinheiro, a ponto de quase perder o apartamento, se desesperou. “Eu confesso que várias vezes pensei em fazer besteiras. Mas, junto com a minha psicóloga e também com a minha fé consegui tirar essas ideias da cabeça e ver que tinha, sim, saída desse fundo do poço e que tinham pessoas que conseguiram sair”, desabafou.
Para a psicóloga os jogos de apostas online são um problema de saúde pública. “Há uma ampla divulgação em ônibus, outdoors, shoppings, campo de futebol, comerciais de TV, influenciadores digitais e por aí vai. Inclusive, há a propaganda de jogos de azar em sites pornôs, então um vício acaba se sobrepondo, se juntando a outro, tornando potencialmente perigoso e mais difícil de tratar”, pontua Ana Lara.