A cada dois meses, uma pequena via no centro de Campos dos Goytacazes se transforma ao som de música eletrônica, gente jovem e descolada, diferentes tribos urbanas em momentos de descontração e dança. Normalmente deserta à noite durante a semana, a Travessa Carlos Gomes fica irreconhecível com um público que pode superar 300 pessoas. A iniciativa é da Selecta Dimina Convida, formado pelas DJs e produtoras culturais Mina Simone e Nana Clara, em 2015. Elas integram um projeto de ocupação da degradada área central, iniciado em 2018.
A festa não tem patrocínio e é divulgada em redes sociais. O evento de rua lembra o clima descontraído da Lapa carioca e a ocupação de jovens em bairros de Lisboa antes degradados. “A realização tem acontecido a cada dois meses, mas o calendário não é fixo. Este ano fizemos edições em março, maio, julho e pretendemos uma próxima em outubro para comemorar nove anos de projeto. O duo de discotecagem surgiu nos eventos universitários. Em 2016, para comemorar um ano de atividade, decidimos fazer um evento chamado Selecta Dimina Convida, onde somos as DJs residentes, mas a cada edição convidamos artistas diferentes para compor a programação. Fizemos colaborações com outras festas da cidade, mas a ocupação do espaço público com um baile desde o início era nosso grande desejo.
Enquanto artistas que se identificam com os movimentos culturais urbanos, sobretudo o hip hop, nós sabíamos que a nossa movimentação precisava estar na rua. Assim como Campos também precisava disso”, comentam as produtoras.
Mina Simone, de 29 anos, é também economista formada. Ela é paulista, nasceu em São Bernardo do Campo, foi criada em Santo André, mas é moradora de Campos desde 2013. Já Nana Clara, de 30 anos, também atua como artista visual e se divide entre Campos e Cabo Frio. Elas escolheram a Travessa Carlos Gomes, no Centro Histórico de Campos, por uma razão especial. “Em 2018. aconteceu um evento chamado Circuito Centro Vivo e eles utilizaram o espaço da Travessa Carlos Gomes para montar uma grande feira com barracas de artistas, barracas de comida, bar e também um palco, onde bandas e DJs da cidade se apresentaram. Ali revelou-se um incrível espaço para eventos e trocas culturais, além do caráter de revitalização e utilização de um espaço antes ocioso e muito promissor”, comenta Mina.
Para Nana, o Centro Histórico pode ser melhor utilizado. “Aproveitando a deixa comercial, que cria uma dinâmica apenas diurna, para explorar as possibilidades noturnas de forma acessível para os jovens e adultos da cidade. Vislumbramos a possibilidade de ocupar uma travessa, pouco usada, para além de passagem, mas que, pela localização, seria um ótimo spot para a realização de eventos, sem perturbar a ordem pública” diz. A parceira de evento, Mina, complementa: “Pensando enquanto produção parece que a travessa foi feita para receber eventos. A maioria dos imóveis que tem ali são os fundos das lojas que ficam na Beira-Rio. Então, até durante o dia é um espaço bem ocioso, apenas de passagem, o que permite que a montagem do baile possa acontecer pela manhã sem atrapalhar o fluxo comercial. Sem contar que é uma rua calçada. Portanto, não há fluxo de carros, o que também facilita”.
Música eletrônica e público variado
Cerca de 22 profissionais atuam no evento da Travessa Carlos Gomes. São três DJs convidados por edição. Já passaram pelo baile de rua nomes como Magrones, Luisa Lopes, Asiat, Beat Livre, GiraVinil, Costa Atlântica, Goyaba Discos, Kalil Motta, Taleko e Kekere Ake. São artistas de Campos, da capital, Região dos Lagos e do Espírito Santo. A divulgação ocorre pelo boca a boca e pelo Instagram @diminaselecta. “Nossa pilha sempre foram os ritmos dançantes do mundo, o apego a gêneros específicos nunca foi algo muito determinante. Damos muito valor para a pesquisa e repertório dos DJs. E parte do processo de valorizar o trabalho de discotecagem é estar aberto a se deixar levar pelos caminhos sonoros que o DJ vai te guiar”, comenta Nana Clara.
A receptividade do público é aprovada. “Não é permitido pedir música. Convidando DJs das mais variadas estéticas e sonoridades, acredito que o nosso público entendeu que estar aberto a outras possibilidades é importante para aproveitar o baile. Campos é uma cidade que borbulha cultura e juventude. São três universidades públicas. Muita gente chegando de fora a cada semestre, a economia criativa tem um potencial imenso a ser explorado. Os aparelhos culturais, ruas e praças públicas precisam ser ocupados pelos artistas que trabalham de forma independente. Em algum nível, nosso reconhecimento se faz na rua. Sempre foi assim”, explica Mina Simone.
Renovação do Centro
Há cidades no mundo que passaram a utilizar espaços degradados para eventos, como o centro de Campos. Em Lisboa, por exemplo, revitalização e revalorização de alguns setores começaram com jovens descolados que geraram uma nova economia. Eventualmente, a Praça São Salvador e a quadra sob o viaduto na Avenida Alberto Torres também servem de cenário para reunir jovens em batalhas de rimas, hip e hop, dança do passinho e outras manifestações populares. Para o arquiteto e urbanista Fabrício Escáfura, são iniciativas necessárias para que o centro de Campos recupere o seu uso de forma multicultural e democrática: “Outros equipamentos, como o Museu de Campos, poderiam ter o seu funcionamento aos finais de semana. É mais uma opção de atrativo para o Centro. Outro espaço interessante para eventos culturais é, mais um local de passagem, o Boulevard Francisco de Paula Carneiro. Há necessidade de uma periodicidade de eventos que atendam a vários nichos. Um Centro vivo será sinônimo de interesse por ocupação desses espaços. É preciso incentivo para reforma e recuperação de fachadas. A Travessa Carlos Gomes onde aconteceu o evento no ultimo sábado (20), está com um visual bem abandonado e descuidado. A palavra do momento é ‘pluralidade’ e o espaço público tem que promover a inclusão de todas as tribos, do alternativo ao erudito. A cidade é para todos”, opina.
Atrair novos olhares e revitalização do centro de Campos são propostas das DJs. “A ideia é essa. Fortalecer o cuidado com o local, utilização pelo setor cultural, trazer investimentos estruturais. Voltar o olhar para o Centro como uma possibilidade de acesso ao lazer e cultura, além do uso comercial”, comenta Nana Clara. Para Mina Simone, a diversidade do público nos bailes ajuda a mudar a cara da cidade. Nosso público alvo é geral, com objetivo de divertir. Às vezes, alguém passa pela região na volta do trabalho, escuta a música e resolve parar por ali para tomar uma cerveja antes de voltar pra casa. São famílias que saem com os filhos para aproveitar uma tarde de sábado descontraída; jovens em busca de eventos acessíveis; os sem-teto que ocupam o dia a dia das ruas. O Centro pede isso”, conclui.