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Geógrafo diz que limpeza e manutenção do Canal Campos-Macaé são “inócuas”

Antônio Berriel lembra que, apesar de tombado pelo Inepac, as ações de preservação do patrimônio histórico no Plano Diretor não se concretizam

Campos
Por Ocinei Trindade
26 de julho de 2024 - 10h28
Canal Campos-Macaé, em trecho urbano no bairro Parque Aurora (Fotos: Silvana Rust)

Durante esta semana, o J3News destaca a reportagem “Inércia do Estado atrapalha obras no Canal Campos-Macaé” (Leia Aqui). A obra de limpeza no trecho urbano, sob responsabilidade do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e da Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade, foi considerada pelo prefeito Wladimir Garotinho, “equivocada e descoordenada”. Ele disse que há risco de parte da Avenida José Alves de Azevedo ceder e haver desabamento para dentro do canal na área urbana. O geógrafo Antonio Berriel concedeu entrevista exclusiva ao jornal. Ele diz que há décadas operações de limpeza e manutenção têm se mostrado inócuas na cidade.

Como o senhor analisa a manutenção e a situação atual do canal na zona urbana da cidade?

O Canal Campos-Macaé, há muitas décadas, vem sendo objeto de operações de limpeza e manutenção que têm se mostrado inócuas. Por volta de 2012, um projeto milionário que prometia a revitalização completa do Canal entregou apenas uma “maquiagem”, com fixação de arcos que dificultam o trabalho de desassoreamento e floreiras que escondem a sujeira.

Há décadas, o canal virou Beira-Valão. Como observa a questão da poluição e abandono?

A falta de pertencimento que o campista tem pela cidade é alimentada pelo descaso com que os gestores tratam o nosso conjunto patrimonial. Poder Público e população são parceiros na obra de aviltamento do segundo maior canal artificial do mundo, que passou a ser chamado “Valão”. No seu leito são  lançados esgotos domésticos, efluentes de pequenas indústrias e comércio, além de lixo.

Antônio Berriel é geógrafo

Há trechos do Canal Campos-Macaé em melhor estado, como em Quissamã, onde há locais navegáveis. Há trechos completamente secos em Campos. Por que isso ocorre?

A “mágica” está no enfoque dado ao Canal. Quissamã tem no Canal Campos-Macaé um dos seus principais pontos turísticos. Ações contínuas de preservação garantem o sustento a operadores do turismo, além de pescadores e agricultores.

Campos não leva em conta o potencial turístico do Canal, depois que sai do trecho urbano: navegação pelo interior do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, casas oitocentistas em suas margens, o Engenho Central de Quissamã, primeiro a ter geração por vapor na América do Sul, além do rico legado histórico da região.

Canal corta a cidade de Quissamã em boas condições de fluidez (Reprodução)

A parceria com o Governo do Estado na aplicação do Programa “Limpa Rio” mantém constantemente o serviço de retirada de sedimentos e plantas invasoras, garantindo fluidez e qualidade da água. Campos também é parceiro do Programa, porém não se observam os mesmos resultados.

Obra de intervenção paisagística do canal durante a gestão de Rosinha Garotinho

Como geógrafo, como vê as condições de preservação desse patrimônio histórico?

Apesar de tombado pelo Inepac e das ações de preservação previstas no Plano Diretor da cidade, não se vislumbra a concretização de revitalização do Canal no seu trecho urbano. Uma ameaça que paira sobre o Canal é a sua cobertura. Temos precedente: em 1988 cobriu-se parte do Canal, destruiu-se o belíssimo Jardim de Alá que foi substituído pelo Parque Alberto Sampaio, hoje também desfigurado. Desse crime resta uma placa contendo a irônica justificativa de que se “buscou resgatar os caminhos de beleza traçados por nossos conterrâneos”.

Canal que corta o bairro da Chatuba

Em geral, os canais artificiais de Campos sofrem dos mesmos problemas que Campos-Macaé? Qual o futuro deles se não houver limpeza e manutenção?

Campos possui uma rede de 389 canais artificiais que somam cerca de 1.300 quilômetros, com a função de escoar a água do rio Paraíba do Sul. São parte de um grande projeto de saneamento criado pelo Governo Federal em meados dos anos 1930 para se combater as endemias causadas pelos alagamentos. Mais tarde passaram a irrigar as terras agricultáveis da Baixada Campista. Sofrem dos mesmos problemas do seu “irmão” mais famoso: assoreamento, despejo de esgoto rico em matéria orgânica que favorece o crescimento de plantas aquáticas, entorno com ocupação desordenada e, para completar, falta de manutenção.

A permanecer esse quadro, não poderemos esperar eficiência na função para que foram projetados, a de escoar o excesso de água transbordada do Paraíba do Sul. A função dessa rede de segurança da região, em 2024 e daqui pra frente com o novo normal climático, é de altíssima relevância. Negligenciá-la, como fez  recentemente o governo do Rio Grande do Sul, é abrir as portas para a tragédia.

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