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Pela defesa dos Direitos de todos

Após flertar com a vulnerabilidade social na infância, Grazi Gonçalves passou a lutar por avanços na área

Entrevista
Por Aloysio Balbi
21 de julho de 2024 - 0h02
Foto: Silvana Rust

Filha de uma manicure que se foi cedo, mas antes pagou a primeira mensalidade do seu curso de Direito, mãe de Heitor, seu amor maior, Graziella Gonçalves de Sá, apelidada pelos amigos de “a brava”, foi subsecretária de Desenvolvimento Humano e Social do município.

Com a mãe “arrancando” o sustento da família com as unhas, Grazi viveu parte dos seus 30 anos flertando com a vulnerabilidade e hoje a encara. Defende os direitos das minorias, não apenas por opinião, mas por obediência às leis.

Por entender que tudo é diverso, Grazi defende siglas para identificar pessoas e se identifica socialmente com cada uma delas.

Ela enxerga avanços sociais em Campos, apesar do drama das pessoas em situação de rua. Diante disso, bravamente sugere que a sociedade se mire diante do espelho.

Você foi subsecretária municipal de Desenvolvimento Humano e Social. Como é que foi essa experiência nos últimos três anos?
Eu já venho desse viés social com a minha mãe, que foi manicure. Migramos de Belo Horizonte para Campos e éramos muito pobres. Passamos dificuldades mesmo, e senti na pele e na alma a luta da minha mãe pela inclusão. Estudei em escola pública. Minha mãe morreu cedo, com 50 anos, vítima de câncer. Eu tinha passado para a Faculdade de Direito de Campos, exatamente neste período. E ela se foi, deixando a primeira mensalidade paga. Sempre me identifiquei com os projetos sociais e assim eu conheci o deputado Bruno Dauaire e também Wladimir Garotinho.

Como foi essa aproximação?
Foi anunciado que o Restaurante Popular na Rua Lacerda Sobrinha fecharia, o que aconteceu. Eu e um grupo de amigos, como a advogada Maria Goretti Nagime, nos mobilizamos e assim chegamos ao Bruno. Wladimir, que só seria prefeito depois, também se mobilizou. Esse grupo de voluntários passou a servir todos os dias um lanche. Era muito pouco, mas era o que tínhamos para aquele momento. Nos inspirou a frase do sociólogo Betinho, “Quem tem fome tem pressa”, e não poderíamos perder um segundo. Algo tinha que ser feito. Conseguimos e foi uma luta do segmento da sociedade civil. Depois, fui trabalhar com Bruno na Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio), no gabinete regional, e quando Wladimir foi eleito prefeito, me convidou para assumir a Subsecretaria. Hoje, o restaurante está funcionando, mas nunca vamos esquecer o que chamamos de Café Solidário.

Isso tudo em uma pandemia. Como foi?
Na pandemia as pessoas começaram a morrer e a gente não podia se aglomerar ali na frente, e então paramos. Em seguida, veio o RJ Alimenta, com o apoio do Governo do Estado, e Bruno era secretário estadual de Desenvolvimento Humano e Social. As coisas casaram de uma forma muito perfeita. Eu sigo políticas por ideologia, pela questão do que eu acredito que eles fazem e cumprem. E cumpriram, reabrindo o restaurante popular.  As coisas foram dando certo. Foi quando Wladimir me convidou para ser subsecretária de governo nesta área.

Houve resistência a esse movimento solidário?
A gente é popular e uma parte nos confunde como populista. Wladimir foi chamado depois de candidato pão com mortadela, essas coisas. Você não pode passar imune ao drama de pessoas em situação de vulnerabilidade, como idosos, mães, mulheres, que estão abandonadas pelos maridos, muitas que não conseguem um serviço porque estão carregando três crianças, uma no braço e duas agarradas nas pernas. Então, para mim, é uma necessidade de Campos ter neste momento essa rede social.

O fato de ter cursado Direito te deu musculatura na área social?
Lógico, pois, além de leis, você passa literalmente a lutar pelos direitos das pessoas. Foi uma professora de História, Eliane, em uma escola pública, que marcou minha vida, dizendo que, com estudo, podemos alcançar os objetivos. Faço pelos que mais precisam. Essa é a minha pegada. Na Faculdade de Direito de Campos, os professores me ensinaram o que é garantir os direitos. Na FDC tive mestres como Levi Quaresma e o saudoso professor e promotor Marcelo Lessa.

Você é mais centrada nas minorias?
A gente está falando de direitos e hoje se falou do Betinho, do Programa Fome Zero. Isso é um direito que ninguém pode negar, as pessoas têm estômago, têm fome, mas existem outros direitos que estão sendo conquistados, com muita polêmica e controversa, que é questão dos gêneros, questão da sexualidade, do LGBTQIAP+… Temos que garantir direitos em todas as áreas que envolvem o ser humano. Enquanto houver pessoas, vão haver siglas, e que venham muitas outras siglas. Campos é uma cidade de perfil conservador, mas estamos avançando nisso. Nada temos contra os conservadores lúcidos, com suas convicções. Essa situação avança porque Wladimir governa para todos e isso passa a ter um peso nas boas práticas do pensamento, da compreensão, entre muitas outras coisas.

O foco é a garantia dos direitos?
Não estamos falando de opinião e sim de garantia de direito e lei, está na lei. Então, tem que ser cumprida. E o político pode, às vezes, concordar ou não, mas ele governa para todos. Para você, é o mínimo, é dignidade. A gente dá banho, a gente alimenta, a gente dá oportunidade, a gente qualifica… hoje, no restaurante popular, a gente não gostaria que as pessoas estivessem na fila, mas, enquanto elas tiverem fome, precisam ter o que comer. Para mim tudo seria passageiro, programas sociais, vida longa aos programas sociais, passageiro, num momento que você está em vulnerabilidade e precisa, mas você consegue uma ajuda, você se qualifica e não precisa mais estar ali. Não quero ninguém ali na fila do restaurante para sempre. Porque um ser humano sem dignidade não é nada. E, para dar dignidade a uma pessoa, primeiro você tem que tratar.

Como lidar com assuntos tão delicados?
Difícil, muito difícil, porque, às vezes, as pessoas rotulam nossas lutas como populismo. Principalmente na questão da assistência aos moradores em situação de ruas. Dizem que estamos alimentando vagabundos. Escuto muito isso e me dói. No restaurante e em outros equipamentos, tentamos dar dignidade para essas pessoas. A gente dá banho, a gente alimenta, a gente dá oportunidade, a gente qualifica. A gente não gostaria que as pessoas estivessem na fila, mas, enquanto elas tiverem com fome, vão estar. Queremos que essas pessoas sejam passageiras nos programas sociais. Não estamos alimentando a pobreza e sim pessoas. Queremos que essas pessoas deixem esse quadro de extrema vulnerabilidade.

E como é esse processo?
Para você dar dignidade a uma pessoa, primeiro, você tem que tratar essa pessoa como ser humano. Segundo, você vai inseri-la no mercado de trabalho. Mas você não consegue o segundo sem o primeiro. Você não consegue atingir o segundo em detrimento do primeiro. As pessoas têm que parar de criticar e fazer a sua parte. Prefeito e vereadores não conseguem sozinhos. E a questão da população de rua fala mais da sociedade, da cidade, do que deles. Fala mais da sociedade de Campos do que da própria pessoa que está na rua.

Você está propondo uma reflexão?
Muita reflexão da sociedade. O município não pode fazer milagre. Não podemos – e isso está na lei – recolher compulsoriamente essas pessoas em situação de rua, principalmente os dependentes químicos, porque poderemos estar criando um depósito de gente, como na era dos manicômios.

E a questão das drogas entre essas pessoas?
É a questão da saúde pública. Temos políticas públicas tentando resolver o problema que tem raízes profundas. Como disse, não podemos fazer o recolhimento compulsório. Empurrar essas pessoas para baixo de um tapete não resolve o problema. Elas têm que deixar de serem vistas como lixo. É pesado dizer isso, mas essa é a realidade.

Essa reflexão do empresariado parece ser bem importante.  Como captou essa visão?
Sim. Por trás de um CNPJ existem pessoas boas que sabem que essas pessoas muitas vezes sequer têm uma certidão de nascimento. O empresariado está sendo aliado nesta luta. Empresas como Águas do Paraíba estão empregando essas pessoas recuperadas.

Você é feminista de ponta cabeça, fala aí?
Não me vejo assim. Não gosto muito desses rótulos. Eu gosto de agregar, e às vezes rótulos separam. Sei que não sou machista e não aceito machismo. Então, assim, eu posso discutir com você, eu posso conversar com você sobre o sabor do sorvete, de pizza, mas sobre racismo, homofobia, machismo para validar esses pensamentos, jamais! Fico triste em ver que 52% da população de Campos é formada por mulheres e nenhuma ocupa uma cadeira na Câmara, em uma cidade que temos a Benta Pereira, em uma bandeira que temos escrito “Aqui até elas lutam”. Isso é inadmissível!