O histórico Canal Campos-Macaé, também chamado de Beira-Valão pelos campistas, tem sido um grande problema há décadas. O mais recente envolve obra de limpeza no trecho urbano, sob responsabilidade do Governo Estadual por meio do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e da Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade. De acordo com o prefeito Wladimir Garotinho, o projeto Limpa Rio acontece de forma “equivocada e descoordenada”, com risco de parte da Avenida José Alves de Azevedo ceder e haver desabamento para dentro do canal. Pedidos de providências foram protocolados pelo prefeito em ofícios enviados, mas sem retorno. Pesquisadores e cientistas também se preocupam com a degradação e riscos.
Um ofício de 4 de julho de 2024 enviado pelo prefeito de Campos ao secretário de Ambiente e Sustentabilidade, Bernardo Chaim Rossi, menciona a necessidade de obras na Avenida José Alves de Azevedo antes da limpeza do canal em trecho urbano entre as Avenidas Nilo Peçanha e Artur Bernardes: “Em referência ao já aprovado pelo Conselho Superior do Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano – FECAM, publicado no Diário Oficial no dia 06 de julho de 2023, por meio da deliberação executiva FECAM nº 351, informar que todas as obras já iniciaram suas execuções, com exceção da que se refere o ofício. Devido a ausência de realização das obras, a avenida está cedendo para dentro do canal Campos Macaé, correndo o risco de desabar a qualquer momento, tal situação está sendo agravada com as ações do “Limpa Rio” que estão ocorrendo de maneira equivocada e descoordenada. Tendo em vista a gravidade da situação e a urgência desse investimento para a população campista, que será realizado pelo fundo estadual de compensações ambientais (FECAM), solicito um posicionamento quanto ao andamento do processo número SEI 070002011377/2023, visto as inúmeras tentativas de contato sem nenhum tipo de retorno”, relata o documento.
A reportagem buscou posicionamento do Inea e do Governo Estadual durante uma semana, mas até esta publicação não houve respostas. Para o geógrafo Antônio Berriel, operações de limpeza e manutenção do Canal Campos-Macaé têm se mostrado inócuas: “Por volta de 2012, um projeto milionário que prometia a revitalização completa do Canal entregou apenas uma ‘maquiagem’, com fixação de arcos que dificultam o trabalho de desassoreamento e floreiras que escondem a sujeira. A falta de pertencimento que o campista tem pela cidade é alimentada pelo descaso com que os gestores tratam o nosso conjunto patrimonial. Poder Público e população são parceiros na obra de aviltamento do segundo maior canal artificial do mundo, que passou a ser chamado “Valão”. No seu leito, são lançados esgotos domésticos, efluentes de pequenas indústrias e comércio, e lixo”, diz Berriel.
O pesquisador e geógrafo Vinicius Lima considera ser necessário um esforço mútuo entre universidades, Poder Público e sociedade civil para recuperar o Canal Campos-Macaé. “Não consigo imaginar o planejamento e o ordenamento territorial-ambiental alheio a este diálogo. São necessárias ações de saneamento e tratamento total de efluentes, além de medidas estruturais, como a limpeza e dragagem regular do canal. Além disso, são necessárias medidas estruturantes com o fim de informar e sensibilizar a população sobre os serviços ecossistêmicos que o canal proporciona”. O cientista ainda complementa: “A última grande obra do Inea foi em 2011, no ‘PAC de recuperação do sistema de drenagem da Baixada Campista’. Desde então, nada muito grande foi realizado. Caso os canais da nossa região sigam sem a adequada manutenção periódica e, frente às mudanças climáticas em curso, podemos esperar cenários extremos como a ocorrência de inundações excepcionais com maior frequência”, destaca.
Canal Histórico
Na época da construção, em pleno século XIX, o Canal Campos-Macaé foi apontado como o maior prodígio da engenharia brasileira, com 106 quilômetros de extensão para navegação e transporte de mercadorias e passageiros. É o segundo maior canal artificial do mundo, depois do Canal de Suez, no Egito. Em 19 de fevereiro de 1872, 28 anos depois de iniciada a construção, o Vapor “Visconde”, rebocando uma prancha com 11 passageiros, partia de Campos para Macaé, na Lagoa do Furtado, onde fica o Parque Alberto Sampaio atual. O canal perdeu espaço para a modernização do transporte dois anos depois. A hidrovia ficou ultrapassada quando a ferrovia entrou em funcionamento, e esta passou a ligar as duas cidades em 1874. Desde então, decadência e abandono da maior parte do canal não cessaram.
Para a historiadora e pesquisadora Rafaela Machado, a manutenção do canal é insuficiente e ainda precária, o que faz com que ele perca as suas atribuições ainda resistentes: drenar a água da região e servir de apoio à irrigação de inúmeras propriedades agrícolas. “Vale ressaltar que o Inea é o principal responsável pelo bem, e as prefeituras das cidades cortadas pelo canal (Campos, Quissamã, Carapebus e Macaé) devem dar o apoio possível, em especial através das suas secretarias de Agricultura e Meio Ambiente. Há inúmeras compensações socioambientais que possuem recursos aportados no Inea, mas que pouco chegam à nossa região. O canal pode ser objeto de múltiplos projetos, englobando áreas como o turismo, a agricultura e o meio ambiente. A pergunta que fica é: o que vem sendo feito ou pensado pelo Inea para desenvolver a área? Muito além da manutenção, necessária e que deve ser permanente, há que se pensar sobre o futuro do canal”, diz Rafaela.
Apesar de tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) e das ações de preservação previstas no Plano Diretor da cidade, o geógrafo Antonio Berriel não vislumbra a concretização de revitalização do Canal no seu trecho urbano, em Campos. “Uma ameaça que paira sobre o Canal é a sua cobertura. Temos precedente: em 1988 cobriu-se parte do Canal, destruiu-se o belíssimo Jardim de Alá que foi substituído pelo Parque Alberto Sampaio, hoje também desfigurado. Desse crime resta uma placa contendo a irônica justificativa de que se ‘buscou resgatar os caminhos de beleza traçados por nossos conterrâneos’”, comenta.
Trechos preservados
O Canal Campos-Macaé é considerado um dos principais pontos turísticos de Quissamã. No município, o Canal tem 26 quilômetros de extensão. De acordo com a Prefeitura, será elaborado projeto para a reativação do passeio turístico, com embarcação passando por outros pontos turísticos, como o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba. “A Secretaria Municipal de Agricultura, Meio Ambiente e Pesca realiza a limpeza constante do Canal, com a retirada da vegetação aproximadamente a cada três meses na área urbana. Na área rural, o serviço é realizado duas vezes por ano”, informou a prefeitura.
Para o geógrafo Antônio Berriel, “ações contínuas garantem o sustento a operadores do turismo, além de pescadores e agricultores. Campos não leva em conta o potencial turístico do Canal, depois que sai do trecho urbano. A parceria com o Governo do Estado mantém constantemente o serviço de retirada de sedimentos e plantas invasoras, garantindo fluidez e qualidade da água. Campos também é parceiro do Programa, porém não se observam os mesmos resultados”, diz.
Na avaliação da historiadora Rafaela Machado, a solução para o Canal Campos-Macaé passa pelo resgate de seu valor enquanto um bem turístico e patrimonial. “No entanto, é necessário que tenhamos um entendimento amplo do que seja o valor do canal enquanto patrimônio. Esse entendimento faz com que os mecanismos de proteção se coloquem de forma permanente (também urgentes), mas tolera as modificações e transformações impostas pela sobrevivência do próprio bem. A solução para o canal, repito, passa pela valorização do bem enquanto um imenso ativo patrimonial e turístico, que envolve diferentes cidades e diferentes usos e atribuições”, conclui.
Projeto anunciado
Em julho de 2023, a Prefeitura apresentou o projeto Executivo e Obras de Canalização e Urbanização do Canal Campos-Macaé. Segundo divulgação na época, a obra, orçada em mais de R$ 111 milhões, será financiada pelo Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano (Fecam). O projeto foi elaborado pela Prefeitura de Campos e uma terceira pista será aberta no trecho que vai do McDonalds até o bairro da Chatuba.
De acordo com o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), o projeto e a obra serão custeados com recursos do Fecam, e prevê a canalização, a urbanização, o paisagismo e a construção de uma pista auxiliar ao longo de um trecho de 3 quilômetros de extensão da Avenida José Alves de Azevedo. Segundo o Município, haverá uma pista tripla ao lado do Golden Garden.
De acordo com o Diário Oficial da época, foram aprovados o orçamento para o Projeto Executivo e Obras de Canalização e Urbanização do Canal Campos-Macaé, ao longo da Avenida Jose Alves de Azevedo (Beira Valão), no valor de R$ 111.358.156,15.