Estou cansada de ficar deitada neste lugar. Nem sei há quanto tempo estou aqui. Um lugar apertado e abafado. Ainda bem que sou fina. Mas tem um problema: sou comprida. Fico com pena de quem precisa de mais espaço. Aqui não cabe nem um clipe. Além disso tudo, o que mais me incomoda é me sentir sozinha e inútil. Oh, vida! Estou abandonada. Uns dizem aposentada.
Só a amiga Tinteiro conversa comigo. Um pouco de alívio para mim que sou bem tagarela. Acostumada a grafar muitos textos…
Amiga, estou com tanta saudade do passado. Podem me chamar de saudosista e melancólica.
Nem me fale Tinteiro. É muito triste viver sem liberdade e sem produzir. Não posso nem lembrar, pois me emociono e minhas lágrimas azuladas inundam tudo. Seria uma tragédia. – Disse a faladeira.
Espera: tenho uma curiosidade: será que ela se adaptou com aquela geringonça implicante que quer tomar o nosso lugar? – Ela quis saber.
Nem quero saber dessas modernidades. Não vê a minha situação? Eu e minha família reinamos entre reis e rainhas, príncipes e princesas e pessoas do mundo todo. Estivemos presentes nos documentos mais importantes da humanidade, nas cartas de amor, nas letras das canções, nos textos dos poetas e romancistas, nos cartões de Natal… Estes desapareceram. Foram substituídos pelas mensagens eletrônicas. Agora, nos abandonaram no fundo das gavetas, nos museus ou num estojo como esse.
Conta pra mim a história da sua vida, Tinteiro?
Tinteiro, pensou, pensou e resolveu falar de um tempo distante. Tempo em que se escrevia a mão com bico de pena.
Sua história se parece com a minha, amiga. Mas tudo que eu queria agora era voltar a ser útil e poder escrever com letras bem grandes que AS GUERRAS, O ÓDIO, A INTOLERÂNCIA, A DEVASTAÇÃO DO PLANETA TERRA ACABARAM, NO MUNDO INTEIRO, E QUE NÃO HÁ MAIS FOME E, AINDA QUE TODAS AS PESSOAS SE DERAM AS MÃOS NUMA GRANDE CIRANDA DE AMOR E FRATERNIDADE. E ASSIM PODER DESEJAR FELIZ NATAL PARA TODOS NÓS.
