Situada a 20 quilômetros da área urbana de Campos dos Goytacazes, a Lagoa de Cima é um dos patrimônios ambientais e turísticos da cidade. Abastecida pelos rios Urubu, Imbé e por três córregos, ela possui 18 quilômetros de circunferência. Apesar de ser Área de Proteção Ambiental (APA), a região enfrenta uma série de descasos. Autoridades, moradores e visitantes não mantêm a conservação devida. Construções irregulares, ocupação da faixa de areia, aterros, contaminação de solo e água, lixo e estradas ruins estão entre os problemas. O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) afirma que é função da Prefeitura fiscalizar e combater as irregularidades. O governo diz que tem agido. Porém, pelo visto, ainda há muito a fazer.
Nos últimos meses, a reportagem do J3News observa o avanço de construções proibidas feitas por moradores e donos de bares. Em algumas praias, foram erguidos quiosques de palha e madeira à beira do espelho d´água. De acordo com Inea, edificações só podem acontecer a 100 metros de distância da lagoa. Em um dos pontos flagrados, um morador ampliou o terreno da casa com cercas, se apropriou de árvores e parte da vegetação, reduzindo ainda mais a faixa de areia, que é pública. Uma passarela irregular de madeira também foi montada na areia.
Na localidade de São Benedito, a reportagem presenciou um carro com inscrição do Inea nas portas, usado por equipe de fiscais da Subsecretaria Municipal de Meio Ambiente, notificando uma moradora. Ela fazia obras de ampliação da casa, construindo um deque na parte dos fundos, bem próximo ao espelho d´água. Um agente foi questionado sobre outras dezenas de construções irregulares ao redor da Lagoa de Cima e por que elas continuam avançando sem que o poder público impeça. “A gente toda semana notifica, aponta erros e proibições. Quem pode responder sobre impedimentos ou demolição seria a Prefeitura, já que não sou autorizado a dizer”, disse um fiscal sem querer se identificar.
Por meio de nota, o Instituto Estadual do Ambiente esclarece que não fez parte da vistoria em questão. “O carro citado é de propriedade da Prefeitura de Campos dos Goytacazes, entregue pelo Inea por meio do Fundo da Mata Atlântica. O Inea informa ainda que a responsabilidade de fiscalização do local é do ente municipal. Sobre a área permitida para construção no entorno do espelho d’água, o Inea informa que a Faixa de Proteção Marginal para o local é de 100 metros”.
Procurado pela reportagem, o subsecretário de Meio Ambiente, Renè Justen, se posicionou: “De fato, a faixa de proteção ambiental legal da Lagoa de Cima é 100 metros. Mas, para definir de onde inicia o ponto de referência para demarcar os 100 metros, o Inea, gestor da Lagoa por ser de domínio estadual, tem que estabelecer o Projeto de Alinhamento de Orla (PAO). Para coibir novas ocupações irregularidades, estamos realizando vistorias rotineiras e encaminhando os relatórios ao Ministério Público Estadual. Diante desse impasse, o Inea é o órgão que tem a competência de autorizar qualquer ocupação. Com relação aos usos abusivos, as irregularidades sem edificações vêm sendo tratado pela Secretaria de Ordem Pública, através da Postura”, disse Justen.
Propostas de ações e soluções
O advogado ambiental, Frank Pavan, acompanha os riscos das ocupações irregulares próximas a corpos hídricos. Poluição da água, assoreamento, inundações, perda de biodiversidade, riscos à saúde pública, impactos nas comunidades locais, degradação paisagística estão listados em Lagoa de Cima. “Para impedir a degradação e a expansão em áreas de proteção ambiental, o poder público deve adotar uma série de medidas e estratégias que visem à preservação e à gestão sustentável dessas áreas. A ausência de articulação e integração entre políticas públicas setoriais, tais como habitação, saneamento, educação e meio ambiente, pode resultar em uma maior complexidade na busca pela melhoria da qualidade da vida e do ambiente na APA, dificultando a efetivação de intervenções planejadas e otimização de recursos”, considera.
Em nota, a Secretaria Municipal de Ordem Pública, por meio do Setor de Postura, diz que tem realizado ações periódicas em Lagoa de Cima, conferindo alvarás e a situação dos ambulantes, fazendo um trabalho de orientação quando alguma irregularidade é constatada. “Em caso de reincidência, é feito uma notificação, e, caso a situação persista, o infrator é multado. Quando a situação está relacionada, por exemplo, a obras de ampliação do comércio, sem autorização, o proprietário é notificado e tem prazo para retirar o que foi construído de forma indevida, havendo a possibilidade de demolição”. Já a Secretaria de Obras e Infraestrutura informou que a recuperação da estrada entre Santa Cruz e Lagoa de Cima será realizada em parceria com o Governo do Estado.
O secretário de Turismo, Hans Muylaert, informou que as demandas estão sendo discutidas de forma integrada “envolvendo Planejamento, Obras e Infraestrutura, Ordem Pública, Serviços Públicos, Vigilância Sanitária, Turismo e Desenvolvimento Econômico, além do governo estadual, por meio do Inea. A Secretaria Municipal de Turismo tem como uma de suas principais ações a Implantação do Parque Urbano de Lagoa de Cima, por entender ser um ativo turístico. Com isso, levamos ao Ministério do Turismo e ao Ministério das Cidades o projeto detalhado para captação de recursos, no qual tivemos grande sucesso e já estamos em fase de levantamento técnico das exigências ministeriais. Tudo será feito seguindo o PAO”.
Para Frank Pavan, a fragmentação das políticas públicas pode levar a desafios significativos na promoção do desenvolvimento sustentável. “A coordenação e a integração eficaz das políticas públicas são cruciais para enfrentar os desafios complexos associados ao desenvolvimento local sustentável, garantindo que as ações governamentais sejam complementares e que as necessidades da comunidade sejam atendidas de maneira mais eficiente”, conclui.
Área protegida e desrespeitada
O professor e ambientalista Aristides Soffiati destaca o Plano Diretor de 1991, da Prefeitura de Campos. Foi definido que a Lagoa de Cima seria protegida por uma Área de Proteção Ambiental, figura que concilia proteção ambiental com ocupação humana. “A APA foi confirmada no Plano Diretor Participativo de 2008. A proteção está no papel até hoje. A Lagoa de Cima é um bem ambiental ímpar. Trata-se da única lagoa serrana de Campos, de longa data comparada a um lago suíço. Já houve a tentativa de criar um Conselho Gestor para a APA, mas não vingou. A Lagoa está sendo degradada progressivamente”, disse.
Ele acrescenta que nunca o complexo hídrico esteve tão ameaçado: “O conjunto tornou-se muito sensível às mudanças climáticas. Uma chuva mais forte isola comunidades que vivem no complexo. Pontes caem com facilidade. Nesses momentos, entra em cena a Defesa Civil, que, por princípio, só atua em catástrofes. Passada a crise, tudo é esquecido até a próxima. O conjunto hídrico necessita de um projeto estrutural para a lagoa. A APA tem de ser demarcada. Um Conselho Gestor precisa ser instituído. Um plano de reflorestamento do entorno precisa ser implementado. As atividades na lagoa precisam ser regulamentadas”, defende.
A bióloga e jornalista Sonia Guimarães morou em Lagoa de Cima por 15 anos. Viu uma série de dificuldades para viver e conservar o lugar. Segundo ela, população e autoridades não colaboram. “Em Lagoa de Cima, pessoas ficam sem água em casa. Os poços secam por serem totalmente irregulares. O mesmo ocorre com fossa séptica. Futuramente vai ter muito problema de saúde pela contaminação da água. Campanhas de conscientização e educação ambiental seriam fundamentais. Penso que, a curto prazo, precisa realmente de punição e fiscalização. Se uma pessoa construísse alguma coisa, o órgão ambiental deveria derrubar para servir de exemplo para as outras pessoas. Essas construções barram o livre fluxo da água, que antes era bastante comum. A gente via muitos animais e aves migratórios que aproveitavam as áreas alagadas. Agora, a gente não vê mais isso. As ocupações acabam levando lixo e muitas construções não têm fossa séptica. Isso significa contaminação do solo que acaba refletindo também na contaminação da água da Lagoa”, avalia Sonia.