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Novo Horizonte ainda sem definição

Conjunto Habitacional tem 772 moradias ocupadas desde 2021; vivendo em condições precárias, moradores do local enfrentam problemas diariamente

Geral
Por Edson Cordeiro
2 de julho de 2023 - 0h01
Irregularidades do local passam pela Justiça e vão desde transporte a esgoto a céu aberto. Foto: Silvana Rust

Dois anos e dois meses depois, ainda segue sem qualquer definição da Justiça, a situação da ocupação do Conjunto Habitacional Novo Horizonte I, II e III, em Campos dos Goytacazes. Financiado pelo Fundo de Arrendamento Residencial, através da Caixa Econômica Federal (Caixa), com licitação vencida pela Realiza Construtora, o Conjunto Residencial Novo Horizonte I, II e III foi projetado para entrega em 15 meses. Com assinatura do contrato em 2017, a previsão era de realização das obras entre 2017 e 2018. Localizado no km 8 da Avenida Carmem Carneiro, em Guarus, a dois quilômetros do Parque Aeroporto, o empreendimento com 772 moradias, fica na localidade de Brejo Grande. As casas foram ocupadas em 15 de abril de 2021 por famílias de diversos pontos de Campos, muitas delas já incluídas no cadastramento do programa, poucos dias antes do previsto para a entrega das chaves dos imóveis para as famílias a serem beneficiadas.

Com a proposta de construção segmentada em três fases, as 139 casas do Novo Horizonte I custaram pouco mais R$ 13 milhões, em uma área pouco superior a 192 mil metros quadrados. As 336 moradias do Novo Horizonte II custaram quase R$ 32 milhões em cerca de 93 mil metros quadrados. Já as 297 unidades do Novo Horizonte III saíram por pouco mais de R$ 28 milhões, em área de 82 mil metros quadrados. Cada residência custou uma média de R$ 95 mil e foram construídas em uma área total de 367 mil metros quadrados. O valor pago pela área à época foi em torno de R$ 4,3 milhões.

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“São pessoas com o direito universal a moradias e que foram prejudicadas pela pandemia do Coronavírus, ficando desempregadas ou que não tinham o aluguel social da prefeitura. E mais de dois anos depois, essas pessoas seguem com sua situação indefinida”, afirmou a socióloga Luciane Silva, que na ocasião integrava a Associação de Docentes da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Aduenf), uma das entidades que acompanharam de perto o processo de ocupação. A professora afirmou ter informação de que, com o fim da pandemia do Coronavírus, perdeu efeito a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), impedindo a reintegração de posse das casas pedida pela Caixa na Justiça. Mas a Caixa afirma que segue com a ação judicial para retomar as moradias.


Luciane Soares da Silva | Socióloga

Ainda segundo a socióloga, não é possível precisar, entre todos os ocupantes, qual o percentual de pessoas que estavam cadastradas no programa e que também ocuparam moradias ou pessoas de diferentes locais. “A estimativa é que seja em torno de 50% de um lado e de outro. O que, legalmente, acaba não fazendo grande diferença”.

Os seguranças da Construtora que ficavam protegendo a área, mesmo após a ocupação, foram retirados gradativamente. Uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a reintegração de posse obtida pela Caixa.

Governador prometeu interceder

Em agosto de 2021, poucos meses após a ocupação, o governador Cláudio Castro esteve com integrantes do movimento “Ocupa Novo Horizonte”, durante visita a Campos. Ao lado do prefeito Wladimir Garotinho, ele prometeu analisar a situação e interceder em busca de uma solução para o problema, mas a coisa não andou. Na ocasião, recebeu uma carta dos ocupantes, que se mostravam dispostos a aceitar entrar em uma possível lista de programas habitacionais do Governo do Estado.

Na ocasião, o governador se comprometeu a “construir moradias populares não só para as pessoas que ocuparam o Novo Horizonte, mas também para outros ‘sem teto’ da região”. Prometeu, ainda, a “construção de casas populares em sistema de mutirão”, com a participação dos interessados. A Companhia Estadual de Habitação (Cehab-RJ) foi acionada pela reportagem do J3News para informações sobre o assunto, mas não enviou resposta.

Rodrigo Carvalho | Secretário

Prefeitura se posiciona

Já a Secretaria Municipal de Comunicação de Campos informou que a Prefeitura, em parceria com o Governo do Estado, realizou duas ações para assistência aos ocupantes do Conjunto Habitacional Novo Horizonte. Afirma que já fez o reconhecimento de área das famílias (de que comunidade elas se originam) e o planejamento para a desocupação, caso ocorra decisão judicial nesse sentido.

Desde o início da ocupação, afirma a nota, a Prefeitura mantém diálogo permanente com os beneficiários, os ocupantes, a construtora e a Caixa Econômica Federal, além de realizar intervenções sociais no local. Mas, nenhuma unidade habitacional foi entregue, por conta da ocupação, reafirma a nota.

Já o secretário municipal de Desenvolvimento Humano e Social, Rodrigo Carvalho, informou que “a Prefeitura é a terceira parte no processo que envolve o caso”, sendo as principais citadas a Caixa Econômica Federal, como órgão financiador, e a Realiza Construtora, como executora do empreendimento”. Mas que o município, responsável à época pelo cadastramento das 772 famílias a serem beneficiadas, “segue acompanhando a questão para dar sequência às suas atribuições, após decisão final da Justiça”.

Procurada, a assessoria da Caixa informou que, “considerando que houve invasão antes da finalização e entrega das unidades habitacionais, a Caixa adotou as medidas judiciais cabíveis para a reintegração de posse das referidas unidades, processo em tramitação junto ao Poder Judiciário. Dessa forma, a Caixa acompanha a atuação dos órgãos competentes para a reintegração de posse e, após a efetiva desocupação, prosseguirá com os trâmites de finalização e legalização do empreendimento, bem como entrega das unidades às pessoas indicadas pelo Ente Público Municipal”.

A reportagem do J3News também procurou a direção da Construtora Realiza para informações sobre a retirada dos seguranças e sobre os problemas que o residencial vem apresentando como vazamentos de esgoto. No entanto, a direção da construtora em Campos não repassou qualquer informação sobre os assuntos. Bem como não se posicionou sobre a ação na Justiça relativa à ocupação do residencial.

Verba para suporte e audiência pública

A professora de sociologia Luciane Silva, à época integrante da Associação dos Docentes da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Aduenf), informou que os coletivos da cidade envolvidos no apoio aos ocupantes das casas, tiveram aprovados dois projetos de pesquisadores dos cursos de Sociologia, da UENF, e de Arquitetura e Urbanismo, do Instituto Federal Fluminense (IFF), em primeiro e segundo lugares, pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Estado do Río de Janeiro (CAU-RJ). Eles vão, segundo ela, utilizar o valor do edital, de R$ 100 mil, em suporte e atividades de pesquisas e projetos de assistência técnica de moradias dignas.

A socióloga informou ainda que, em reunião dias atrás com os vereadores de Campos Helinho Nahin (Agir) e Rogério Matoso (União), foi acertada a realização de uma audiência pública em data a ser definida para debater com a sociedade, a questão da construção de moradias populares. “A proposta é debater amplamente a questão da construção de moradias dignas, com acesso a transporte, Saúde e Educação para essas famílias e envolver a comunidade no processo. Os dois vereadores se mostraram sensíveis e interessados no assunto e estamos confiantes”, concluiu a socióloga.

Criança brinca de pipa, alheia a dificuldades vividas no local (Foto: Silvana Rust)

Problemas enfrentados pelos ocupantes

Em dois anos e dois meses de área ocupada, os problemas não são poucos. A água que todos utilizam não é regularizada e o mesmo acontece com o fornecimento de energia elétrica, que todos afirmam estar dispostos a pagar. Sem CEP, eles não têm acesso a serviços de Correios ou a entregas de qualquer item que seja, já que as ruas não têm nome e as casas permanecem sem números. Uma situação que obriga a todos recorrer ao conhecido “jeitinho brasileiro”.

“Minhas correspondências chegam na casa da minha mãe, no bairro Novo Jóquei, onde eu vou duas vezes por semana. Já no caso de alguma compra no comércio, eu coloco o endereço de algum conhecido do bairro vizinho, o aeroporto, para que eu possa pegar. Não vejo a hora de tudo isso ser resolvido, porque é tudo bem difícil pra nós”, afirmou a dona de casa Eliete Teixeira, de 64 anos.

Sem moradias oficiais, eles também não têm o serviço regular de coleta de lixo. “Eu saio cedo às terças-feiras, quintas e sábados para colocar as sacolas de lixo em uma das calçadas do bairro vizinho. Mas muitos não fazem o mesmo”, explicou a doméstica desempregada Benilda Prudêncio, de 26 anos, mostrando lixo espalhado pela rua. O transporte regular de passageiros também está longe da realidade. O ônibus que chega, circula apenas no Novo Horizonte I e no II. Quem ocupa o Conjunto III, ou vai até o II, ou ao Parque Aeroporto, ou até a Estrada do Brejo Grande, a mais de 500 metros de distância, onde os ônibus passam regularmente, de meia em meia hora, das 7h às 21h. Outro problema constante é o vazamento de esgoto nas portas das casas.

“O cheiro é muito forte e incomoda bastante. Só mesmo quem precisa muito para suportar essa situação”, lamentou a dona de casa Franciele Paz, de 28 anos. “É horrível esse esgoto nas portas das casas, porque nossas crianças acabam pisando e podem até pegar uma doença. Mas é difícil pedir ajuda, porque nem um endereço a gente tem”, completou a também dona de casa Iris Barbosa, de 30, explicando que ela e o marido estão dispostos a pagar pela casa, “desde que as prestações caibam no orçamento da família de três pessoas, que é de pouco mais de um salário mínimo”.