A reportagem especial do J3News desta semana destaca o crescimento do número de crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) em Campos dos Goytacazes, fenômeno que tem se manifestado mundialmente. Em “Amor e atenção para lidar com TEA” (clique aqui), a pediatra do Ceplin, Maria Luiza Serafim, é uma das entrevistadas. Ela é especialista em psiquiatria e saúde mental infantil. Aqui, ela aborda com detalhes sobre sua rotina no consultório junto aos pacientes com TEA, tratamentos e combates ao preconceito e à desinformação em torno da questão dos autistas.
Como profissional da pediatria e psiquiatria, como tem observado o aparecimento ou diagnóstico cada vez mais frequentes de pessoas com TEA?
Realmente, a prevalência do Transtorno do Espectro Autista tem aumentado no Brasil e no mundo. Segundo dados recentes do Centro de Controle de Prevenção e Doenças (CDC) dos Estados Unidos, a prevalência está de uma criança diagnosticada com autismo para cada 36 crianças. No Brasil, a gente ainda não tem dados concretos, mas sabe-se que tem esse aumento. Acredita-se que esteja influenciando nesse aumento é o maior número de diagnóstico. Hoje, consegue-se diagnosticar o autismo mais precocemente e mais facilmente. Os profissionais são mais orientados, a população está mais orientada. Então quando a gente diagnostica mais, aumenta a prevalência.
A gente está conseguindo diagnosticar crianças que são o “nível um” de suporte. Antigamente, esses meninos e meninas crianças passavam desapercebidos, muitas não tinham diagnóstico. Isto é porque eles não apresentam todas as características que as crianças com TEA de “níveis dois e três” apresentam. São crianças que são verbais, que têm a parte cognitiva sem alteração importante; que ficavam ali sem diagnóstico. Então, hoje,a gente diagnostica mais e também consegue triar melhor as crianças que não são do “nível dois e três” de suporte. Então a gente acaba pegando essas crianças em nível um e isso aumenta a prevalência.
Há outras coisas que a gente vem pesquisando. Há alguns estudos mostrando sobre o aumento dos diagnósticos, com supostas exposições a certas substâncias durante a gestação, ocasionando prematuridade. Hoje em dia a gente consegue que a criança prematuro-extremo sobreviva. Há também um fator influenciando que é idade avançada paterna e materna. São algumas coisas aventadas à possibilidade de ter aumentado a prevalência do autismo.
O que é importante a sociedade, as famílias saberem sobre autismo?
Quanto antes se consegue fechar um diagnóstico ou observar que a criança tem algum atraso ou alguma dificuldade; quanto antes se atentar a isso, a gente consegue promover estímulo e terapia para essa criança. Em uma consulta de rotina com o pediatra, a família tem acesso a um profissional e consegue expor o que ela vê de diferente no filho, a gente consegue fazer uma intervenção precoce. Aliás, a “intervenção precoce” é a palavra-chave, é o padrão ouro no acompanhamento dos pacientes com TEA. Eles têm benefícios com as terapias. A gente encaminha para a fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicoterapia. Há vários métodos implementados para ajudar a criança.
As duas terapias mais utilizadas são o método ABA e o método DENVER que têm comprovação científica de benefício para essas crianças. A gente encaminha para a psicomotricidade, atividade física, equoterapia, natação, que visam melhorar a qualidade de vida, diminuir as crises sensoriais, ajudar a criança a aprender as atividades de vida diária, e que tenha um futuro com autonomia. Os pais são orientados. Essa família precisa ser acolhida, precisa de ajuda porque realmente são muitas questões envolvidas. Há implicações financeiras, relação aos direitos dessas crianças; direito com relação a sociedade e a benefícios.
O que eu vejo de importante é diagnosticar precocemente o autismo. A sociedade precisa conhecer os marcos de desenvolvimento das crianças. A gente sabe que em algumas coisas a criança precisa apresentar em certo tempo. Se não apresenta, ela tem um atraso. Então, a gente precisa investigar e estimular. Mesmo que não tenha autismo fechado, lá na frente pode se identificar algum outro transtorno ou nada. O estímulo nunca faz mal.
O que os pais e as pessoas da sociedade em geral precisam saber sobre o TEA?
Existe um projeto de lei que orienta a todos os pediatras nas consultas de puericultura. São as consultas mensais que a gente faz com as crianças pequenas. Todos os pediatras devem aplicar uma escala de diagnóstico precoce do autismo, chamada escala M-Chat. São algumas perguntas para os pais e cuidadores sobre pontos críticos e o desenvolvimento da criança.
Essa escala é fácil de ser utilizada e todos os pediatras têm que conhecer e aplicar durante as consultas de rotina. Então, além de pesar, medir a criança, colocar os dados no gráfico, orientar a alimentação, orientar os cuidados gerais, a gente também precisa fazer durante a consulta essa triagem para poder encaminhar o quanto antes as crianças que tenham atraso.
Como funciona o tratamento pediátrico para quem tem TEA?
Sobre o tratamento do autismo, além das terapias, algumas crianças necessitam de medicação. Não são todas. Qual o maior critério que a gente utiliza para começar uma medicação de uma criança com TEA? A criança que possui agressividade, tanto auto-agressividade, quanto hetero-agressividade; que tem algum distúrbio do sono. É muito comum pacientes com diagnóstico de autismo terem alteração do hábito do sono, insônia, acordares noturnos, sono agitado. Então, essa criança às vezes, vai ter um benefício com o uso de medicação, além de ajustar rotina e outras coisas.
Crianças que estão tendo muitas crises sensoriais ou estão ficando muito desreguladas; que acabam não conseguindo nem praticar as terapias; às vezes, têm realmente uma indicação de uso de medicação para tentar controlar esses sintomas. A maioria das medicações a gente tenta ajustar, regular a criança naquele momento para ela evoluir nas terapias, e, com o tempo, a gente faz a retirada da medicação. Os pacientes com TEA têm algumas comorbidades associadas. É comum, às vezes, ter TDAH Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) associado, e essas crianças precisam tratar também as comorbidades.
Como uma criança com TEA deve ser acompanhada em seu desenvolvimento?
É importante as famílias buscarem ajuda quando notam alguma coisa de atraso ou alguma mudança do comportamento do padrão da criança. É importante os profissionais que trabalham com crianças conhecerem esse transtorno, entenderem e acolherem as famílias porque realmente é muito pesado.
Nos parques, shoppings, áreas infantis, as pessoas precisam entender que tem crianças ali naquele ambiente que podem ter algum tipo de transtorno, e que é importante a gente respeitar e acolher essa criança, essa família. O mais importante hoje em dia é a divulgação para sociedade sobre o transtorno. Cada criança é única, não adianta a gente achar que autista não olha nos olhos, autista não gosta de barulho. Cada criança é única. O nome é Transtorno do Espectro Autista. Nem toda criança vai ter todas as características. Por isso, muitas crianças demoram para ser diagnosticadas. Existem coisas que são sutis. Só um profissional habilitado vai conseguir fechar um diagnóstico.
O que poderia destacar sobre o papel de mães e pais de crianças com TEA?
Se você nota ou sente que tem alguma coisa diferente no seu filho, ouça a sua intuição e procure ajuda. Se foi procurar ajuda de um profissional e não ficou satisfeito; não obteve as respostas necessárias, procura uma segunda, terceira, quarta opinião. É muito comum a mãe observar alguma coisa, conversar com os familiares e eles falarem que isso é coisa da cabeça dela, que está paranoica, que está vendo muita coisa. Às vezes, um pediatra ou profissional que não está tão atualizado acaba falando que “cada um tem seu tempo; vamos esperar; vai passar; vai melhorar; vamos botar na creche, porque na creche vai melhorar”. Não. Se você acha que o seu filho tem alguma coisa, procure ajuda o quanto antes, um profissional que te acolha e te ouça.
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